Dos podcasts ao videogame: como o Jovem Nerd, agora turbinado pelo Magalu, virou uma potência multimídia do mundo geek

Kaluan Bernardo - 1 jul 2024
Deive Pazos (à esq.) e Alexandre Ottoni, os criadores do Jovem Nerd (foto: divulgação).
Kaluan Bernardo - 1 jul 2024
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O que há em comum entre uma das maiores varejistas do Brasil e uma marca pioneira na criação de conteúdo nerd? 

Muita coisa, como vemos desde que o Magalu comprou o Jovem Nerd há três anos. E uma delas é a produção de games, como Ruff Ghanor, lançado no início de 2024 para computadores e videogames.

O jogo é inspirado no primeiro livro da série A Lenda de Ruff Ghanor que, por sua vez, é uma adaptação de uma série de partidas de RPG narradas em podcasts do Jovem Nerd há mais de uma década. 

“Tudo no Jovem Nerd sempre foi completamente movido por nossa paixão, essa é a nossa visão de mundo”, diz o cofundador Alexandre Ottoni. E prossegue: 

“Fazer games era um sonho muito antigo nosso. Mas sempre adiávamos porque é um universo muito competitivo e complexo. Precisávamos estar muito seguros de onde estávamos pisando”

Sucesso de crítica e público, Ruff Ghanor chegou a figurar entre os jogos mais vendidos da Steam, principal plataforma de venda de jogos nos computadores, onde teve mais de 95% de avaliações positivas. 

O lançamento é o (primeiro) desfecho de um flerte com o mundo dos videogames que começou há algum tempo. Em 2021, no mesmo ano em que o Magalu comprava o Jovem Nerd, nascia o Magalu Games — braço da empresa que, mais tarde, lançaria três jogos para celular e financiar um título independente via edital.

“Após colocar o pé na água, começamos a procurar, no início de 2023, quais eram as propriedades intelectuais dentro de casa que poderíamos explorar”, diz Thiago Catoto, diretor de TI do Magalu. “Foi aí que olhamos para o Ruff Ghanor, do Jovem Nerd.”

A experiência de usar o universo criativo do Jovem Nerd foi tão proveitosa para o Magalu, que a empresa resolveu dobrar a aposta e passar todo o selo do Magalu Games para a marca Nonsense Creations, braço de produção de conteúdo criativo do Jovem Nerd. Segundo Alexandre:

“Percebemos que essa sinergia entre nós e o Magalu Games fazia mais sentido debaixo do Jovem Nerd — não como uma iniciativa separada, mas como parte da Nonsense Creations, que é nossa fábrica de conteúdos”

Para entender como o Jovem Nerd se tornou esse gigante, capaz de absorver parte das estratégias criativas do Magalu, é necessário olhar no retrovisor da internet brasileira.

DINOSSAUROS DO PODCAST, ELES DESBRAVARAM NARRATIVAS EM ÁUDIO MUITO ANTES DO FORMATO EXPLODIR NO SPOTIFY

A história do Jovem Nerd se confunde com a dos podcasts brasileiros. 

O projeto foi criado por Alexandre Ottoni (conhecido como “Jovem Nerd”) e Deive Pazos (ou “Azaghal”) surgiu em 2002, inicialmente como um blog. Foi em 2006 que eles começaram o NerdCast, que se tornaria o carro-chefe – isso uma década e meia antes do boom dos podcasts, impulsionado pelo Spotify.

Tela do jogo Ruff Ghanor.

(Há 18 anos, quando a dupla já lançava seus primeiros podcasts, o Orkut ainda crescia no Brasil, a gente baixava músicas pelo Napster e a seleção brasileira, com Robinho, Kaká, Ronaldo e Adriano, era eliminada para a França na Copa do Mundo da Alemanha…) 

O pioneirismo e a consistência fizeram com que Alexandre e Deive dominassem seu nicho. Basta ir a um evento geek como uma CCXP ou BGS para ver uma horda de fãs tietando os curitibanos, que hoje vivem nos Estados Unidos.

O NerdCast logo ganhou diversas segmentações, como episódios especiais sobre ciência, história ou empreendedorismo. Mas, desde 2011, as gravações de RPG se tornaram o produto mais premium da empresa. 

A VENDA PARA O MAGALU PERMITIU AOS SÓCIOS SE DESPREOCUPAREM COM O BACK-OFFICE E “FOCAR EM FAZER O PROCESSO FICAR FODA”

Em uma partida de RPG, amigos se unem para interpretar personagens vivendo em um mundo fictício e enfrentar desafios específicos criados pelo narrador da história, conhecido como “mestre”. 

Ao transpor essa brincadeira para o formato podcast, o que o Jovem Nerd fez foi basicamente gravar e compartilhar com os ouvintes suas partidas de RPG – mas tudo com uma edição sonora cuidadosa, para que aquelas jogatinas se tornassem verdadeiros filmes em áudio.

Os nerdcasts RPG inspiraram diversos produtos transmidiáticos do Jovem Nerd, gerando livros, quadrinhos, álbuns musicais etc. “Coleção Cthulu” e “Tesouros de Ghanor”, duas campanhas com produtos relacionados ao universo dos nerdcasts RPG, bateram recorde de maiores lançamentos via financiamento coletivo da América Latina e arrecadaram, respectivamente, 8,5 milhões e 8,6 milhões de reais.

“Acho que é consequência da paixão com que fazemos isso”, diz Alexandre. E continua: 

“Temos o privilégio de poder trabalhar com nossas paixões e poder focar em fazer o processo ficar foda. Eu não sei qual é a audiência do NerdCast no último mês, isso não é mais meu departamento. Minha única preocupação é deixar o produto bom”

Foi com essa filosofia que os sócios venderam a empresa para o Magalu, em 2021. 

“Fez sentido justamente porque o Magalu era essa potência que assumiria o backoffice e, com isso, não precisávamos mais nos desdobrar em todas as áreas de organização da empresa e pudéssemos focar só na parte criativa, com projetos mais ambiciosos”, afirma Alexandre.

Do outro lado da mesa, o Magalu vinha investindo na aquisição de outras dezenas de marcas, como o site de notícias de tecnologia Canaltech e o e-commerce Kabum, voltado ao mundo da computação. 

Em comunicado à imprensa, na época, o Magalu justificou a aquisição com o objetivo de melhorar a “experiência de compra, conteúdo e entretenimento completa para os amantes de tecnologia e games”. 

Já estava dado o aviso de que esse casamento resultaria em games. Mas o processo seria mais complicado.

CRIAR UM GAME É OUTRA HISTÓRIA: DESENVOLVER O JOGO SE REVELOU UM DESAFIO BEM MAIS COMPLEXO DO QUE ELES IMAGINAVAM

Se, de um lado, o Jovem Nerd já havia estabelecido universos e personagens fictícios de sucesso, publicado livros, quadrinhos e colecionáveis; do outro, o Magalu havia lançado o Magalu Games, publicado e financiado jogos pequenos. 

Unir os dois mundos em um jogo digital de escopo maior seria um passo lógico. Mas isso não significa que seria simples. No Magalu há 14 anos, Catoto já passou por diversas áreas de tecnologia na empresa, mas ainda não sabia o quão complexo era trabalhar com videogames: 

“Nosso primeiro aprendizado foi a descoberta de que, tecnicamente, fazer um game é muito mais difícil do que um aplicativo para a web. Há um nível de detalhes muito mais amplo. É tudo muito mais intenso”

Para concretizar o plano, o Jovem Nerd e o Magalu contratar a DX Gameworkers, empresa brasileira que chegou a contar com 150 colaboradores no Brasil e Europa, e quase uma dezena de jogos lançados.

Apesar do grande time da DX, a equipe do Jovem Nerd acompanhou de perto o processo, para garantir que a propriedade intelectual seria respeitada em termos criativos. 

Thiago Catoto, diretor de TI do Magalu.

“Quando o jogo saiu, eu tinha mais de 200 horas de teste dentro dele”, diz Alexandre. “Eu não necessariamente precisava estar nessa posição, mas queria. A troca entre nós e os desenvolvedores e artistas foi muito rica. E essa sinergia se refletiu no resultado.”

Ele atuou como produtor executivo, mas conta que chegou até mesmo a aprender o básico de programação e modelagem 3D para poder entender melhor as possibilidades dos desenvolvedores. 

“A performance inteira do jogo depende de todos os aspectos conversarem bem. Então eu tinha que entender o que era possível ou não. Não queria ser só um sonhador que fica jogando ideia para o alto, queria saber qual era a dificuldade das coisas que eu pedia” 

Apesar do jogo ter sido sucesso de crítica e público, o lançamento logo foi maculado por notícias relacionadas à desenvolvedora. O portal Drops de Jogos, focado em games brasileiros, revelou depoimentos de ex-funcionários que trabalharam no desenvolvimento de Ruff Ghanor e que tiveram seus salários atrasados.

As denúncias são relacionadas à DX Gameworks, que atuou como prestadora de serviços ao Jovem Nerd e ao Magalu, mas obviamente respingam no produto. 

“Eu fiquei com uma sensação terrível de ver isso acontecendo, principalmente com as pessoas, os programadores e os artistas que trabalharam no projeto”, diz Alexandre. 

“Do nosso lado [enquanto clientes da DX], todas as obrigações contratuais foram cumpridas. Então, embora o episódio tenha sido lamentável, do ponto de vista jurídico não tem muito o que possamos fazer.”

SOB O SELO DA NONSENSE CREATIONS, ELES AGORA SE PREPARAM PARA DIVERSIFICAR O NEGÓCIO E LANÇAR NOVOS PRODUTOS

Com a experiência, a boa recepção (e os traumas) do desenvolvimento de Ruff Ghanor, o Magalu Games e o Jovem Nerd agora se preparam para lançar novos produtos sob o selo da Nonsense Creations, a “fábrica criativa” do Jovem Nerd.

A Nonsense Creations hoje assina, por exemplo, França e o Labirinto, um podcast narrativo feito com áudio binaural e interpretado por Selton Mello. 

Para os próximos passos, eles planejam jogos de carta, de tabuleiro e outras produções criativas que não conversem necessariamente com os fãs do Jovem Nerd. Segundo Alexandre:

“A ideia, com o Magalu, é justamente diversificar os negócios. No nosso caso, a expertise é criar coisas legais, como ‘Ruff Ghanor’ e ‘França e o Labirinto’, que se conectam com o ecossistema completo do Magalu”

Para Catoto, do Magalu, a ideia é manter a autonomia criativa da empresa, mas expandindo os portfólios de apostas da varejista. “O que queremos é sempre encontrar sinergias.”

 

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