Draft ano 2 – Como o tempo passou na Cavalo Marinho: o time cresceu, prêmios vieram, projetos pararam…

Isabela Mena - 4 out 2016
O time da Cavalo Marinho aumentou: Gilberto, Paulo, Danilo e a fundadora, Thais.
Isabela Mena - 4 out 2016
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Quando a reportagem do Draft propôs à cineasta Thais Scabio, 38, este segundo texto para contar que mudanças ocorreram nesses dois anos, ela praticamente declinou. “A gente não cresceu muito”, respondeu. No dia seguinte, depois de falar com Gilberto Caetano, 37, seu marido, sócio e parceiro de empreitadas — dentre elas a produtora de cinema Cavalo Marinho, o JAMAC Cinema Digital e o Mascate Cine Clube — reconsiderou.

Mas foi apenas relendo o texto, de novembro de 2014, na nossa frente, que Thais se deu conta de quantas mudanças aconteceram (e para melhor) tanto na Cavalo Marinho, que continua sendo a única produtora de cinema de Diadema (região metropolitana de São Paulo), quanto no propósito de levar cultura e representatividade à periferia de São Paulo, por meio de suas outras iniciativas. Talvez por isso, todas as paradas que fez na leitura para atualização de fatos e acontecimentos tenham sido acompanhas de um sorriso, mesmo que apenas para si mesma.

Há cerca de dois anos, contamos a história da produtora Cavalo Marinho. Clique na imagem para ler.

Há cerca de dois anos, contamos a história da produtora Cavalo Marinho (clique na imagem para ler).

O que pode ter, a princípio, desanimado Thais foram as duas cirurgias (uma no maxilar e outra no útero) a que se submeteu em 2015, que a obrigaram a diminuir a carga de trabalho. No período, Gilberto ficou quase sozinho tocando os negócios e isso acabou, ela acredita, diminuindo o foco na produtora.

Mas o período também foi de conquistas. A mais marcante delas: a Cavalo Marinho, enfim, fechou seu primeiro trabalho na área de publicidade (para a agência Novembro 4). O mercado de agências, até então, se mostrava fechado para eles. Sobre isso, Thais diz perceber o quanto era ingênua há dois anos:

“A gente achava que rolava muita grana na publicidade. Mas vimos que não é bem assim, também pelo fato de estarmos trabalhando com uma agência do ABC”

Mas eles estão felizes, claro. Em função desse novo job, investiram 3 700 reais, mês passado, na compra de um drone. Ela relembra que o primeiro investimento foi um computador (usado). “Naquela época, o mercado nos pedia trabalhos de edição. Agora, querem drone para vídeos, trabalhos institucionais e publicidade. Sempre investimos de acordo com a demanda.”

ÉRAMOS TRÊS

A novidade também tem a ver com a contratação, no começo deste ano, do primeiro funcionário da Cavalo Marinho, o publicitário Danilo Corrêa, 26, para cuidar do atendimento e da prospecção de clientes. Além de desafogar Thais e permitir que ela foque na produção e inscrição de projetos em editais públicos, Danilo se mostrou um estrategista: ele levou para a produtora jobs publicitários pequenos (filmes de 30 segundos), feitos na faixa, para que mostrassem seu potencial. Funcionou.

O crescimento da equipe, da qual ainda faz parte o estagiário Paulo Barbosa, 25, (com eles desde 2014), mostrou a Thais que seu medo de ter funcionários era… apenas medo. Ela fala da nova perspectiva:

“Já ajudávamos financeiramente nossas famílias. Agora, somos responsáveis por quatro famílias. Isso era algo bem difícil de imaginar no começo”

A Cavalo Marinho expandiu e colhe os frutos, principalmente em prêmios. O curta infantil Caixa D’Água, segundo a cineasta um dos únicos filmes que tem uma criança negra como protagonista em um contexto lúdico, ganhou o Troféu Icumam como melhor curta-metragem da 12ª Mostrinha do 13º Festival Goiânia Mostra Curta (2013); o Troféu Plínio Marcos de Cultura, como melhor roteiro, melhor trilha sonora e atriz mirim (2014); fez parte da seleção oficial do Prêmio Brasil de Cinema Infantil do FICI —Festival Internacional de Cinema Infantil (2014) e da seleção oficial do 7º Festival de Cinema de Triunfo (2014).

Gabriel, protagonista do curta mais premiado da Cavalo Marinho.

Gabriel Nascimento, protagonista do curta Caixa D’Água, o mais premiado da Cavalo Marinho (foto: Gilberto Caetano).

No roteiro, crianças brincam em uma caixa d’água imaginando ser uma piscina até que acontece algo inesperado. O sucesso do curta fez com que ele se transformasse em uma série infantil chamada “Contos da Imaginação”, que está em fase de captação de recursos, inscrita na Ancine e no Programa de Fomento à Cultura da Periferia, da prefeitura paulistana.

Thais, consciente de seu papel social, afirma querer mostrar a importância da representatividade negra em contextos positivos: “Foi emocionante, numa exibição, ver como as crianças negras se identificavam com a história, se divertiam. O cinema geralmente as coloca em situação de pobreza, com uma arma na mão”.

EXPANDIR O NEGÓCIO, SEGUIR NA MESMA MISSÃO

Até junho deste ano, a Cavalo Marinho funcionava em apenas uma sala, em Diadema, na região em que Gilberto mora (Thais mora em Cidade Júlia, na divisa com São Paulo). No meio do ano, a produtora ganhou um novo QG: uma casa com três salas sendo que, em duas delas, serão oferecidos cursos de audiovisual. A primeira turma, de roteiro básico, começou há um mês e é Gilberto quem ministra as aulas. Os oito encontros custam 360 reais — bem abaixo da média do mercado, já que a ideia é se tornarem uma referência em cursos acessíveis. Este mês acontece um curso de fotografia, desta vez com o professor Munir Hamed, responsável por montar o estúdio de foto da Cavalo Marinho (que eles alugam para interessados).

Colocar os cursos na rua é uma expansão tanto da missão de levar cultura à região como do negócio em si. Ou seja, espera-se retorno financeiro e lucro, algo que não mudou muito de dois anos para cá porque o custo da estrutura aumentou na mesma proporção da entrada de grana. Sobre as mudanças e às não-mudanças, Thais fala:

“Há dois momentos de grande desafio no empreendedorismo: quando você começa e quando quer expandir. O Giba e eu chamamos isso de operação kamikaze”

Ela prossegue: “Pegamos, pela primeira vez em nossa história, um empréstimo no banco para realizar os novos investimentos. Acho que todo mundo que empreende tem um pouco de loucura”.

A ideia dos cursos também será levada ao JAMAC Cinema Digital (projeto de oficinas de cinema dentro de uma comunidade do Jardim Miriam) mas, lá, adaptados para serem workshops de um dia, gratuitos. A primeira aula, no mês passado, foi da cineasta Tata Amaral com o tema, “A construção de personagens femininas no cinema”. Thais bota fé na importância dos workshops em tempos de crise: “As pessoas procuram se especializar ou até mudar de área quando estão sem trabalho. E 78% dos alunos do JAMAC estão desempregados.”

Desde o começo, em 2011, o JAMAC funciona com investimentos financeiros de fora. O primeiro, que durou dois anos (e chegou a 60 mil reais) foi do Centro Cultural da Espanha; em 2012, o projeto foi um dos dez contemplados pelo prêmio de Economia Criativa do Ministério da Cultura (20 mil reais) e foi, ainda, selecionado como Ponto de Cultura, no programa do Ministério da Cultura que garantiu mais três anos de oficinas. O seguimento do projeto no ano passado e neste foi garantido por 60 mil reais do ProAC (Programa de Ação Cultural da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo).

Turma 2016 do Jamac, curso gratuito de cinema digital (foto: Fábio Cruz).

A Cavalo Marinho se desdobra em projetos sociais paralelos. Acima, a turma de 2016 do Jamac, curso gratuito de cinema digital (foto: Fábio Cruz).

Nem todos os projetos, no entanto, seguem como os planos de seus criadores. O Mascate Cine Clube, de cinema itinerante e gratuito criado em 2014 para comunidades carentes, desacelerou. Apelidado de “cinema da quebrada”, chegou a receber apoio do programa de fomento VAI (Valorização de Iniciativas Culturais) da Secretaria de Cultura da Prefeitura de São Paulo. Mas, agora, sem apoiadores e lugares para exibição, não é mais quinzenal e acontece apenas pontualmente, quando há convites e custeio específicos.

A LONGA JORNADA DOS LONGAS

Lá atrás, há dois anos, Thais contou que o primeiro longa da produtora, “Mais um Dia” (baseado na história real de um triatleta que sofre de uma doença degenerativa), estava em fase de captação de recursos. Infelizmente, continua. E Thais já está escrevendo o próximo filme, sobre uma família que mora em uma área com risco de desmoronamento. A ideia é falar da angústia dos personagens pela coincidência da festa de 15 anos da filha com o período das chuvas na região. Assim como o racismo, a mulher (aqui protagonista e negra) continua sendo um tema caro à cineasta, que faz parte do coletivo Mulheres no Audiovisual de São Paulo.

A vida de empreendedora, e um pouco dessa “loucura kamikaze”, pegou Thais de jeito e ela diz que não se acostumaria mais trabalhar para outra pessoa, de carteira assinada. “Eu não poderia estar aqui dando entrevista, tomando café com você no Itaú Cultural ou ir ao cinema no meio da semana em um dia tranquilo de trabalho. Mas isso significa ter responsabilidade em dobro. E muito culhão.” Como a vida parece estar dando certo, que Thais nunca volte a ser inteiramente sã.

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