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A duLocal fornece refeições orgânicas fortalecendo pequenos agricultores e cozinheiras da periferia

Alessandra Nahra - 30 mar 2020
Felipe Gasko, engenheiro ambiental e empreendedor à frente da duLocal.
Alessandra Nahra - 30 mar 2020
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(Reportagem publicada originalmente em julho de 2019.)

 

Um serviço de entrega de refeições plant-based orgânicas, que custam 25 reais (mais 5 reais de taxa), com uma área de cobertura que vai da Vila Madalena até a Vila Olímpia, em São Paulo. Isso é o que o cliente da duLocal percebe num primeiro momento, ao fazer o pedido pelo web app. Por trás desse delivery há uma engrenagem que une pequenos agricultores a cozinheiras da periferia. E uma intenção ambiciosa: redesenhar o sistema alimentar.

“Grandes empresas como Ambev, Unilever, Heinz e McDonald’s mudaram a maneira como a gente come. O problema é que o jeito que comemos hoje está errado”, diz o sócio-fundador Felipe Gasko, 36, um engenheiro ambiental com mestrado em Economia do Desenvolvimento Sustentável pela École des Ponts et Chaussées, na França.

“As pessoas não sabem o que é comida de verdade. O sistema alimentar atual é uma grande mentira que nos contaram há muito tempo e a gente acreditou. Queremos redesenhá-lo de um jeito que faça sentido”

A duLocal surgiu em agosto de 2018, em São Carlos (SP). Em abril de 2019, a operação mudou para São Paulo, em busca de um mercado maior. Para que o alimento seja produzido com o menor input energético possível, os ingredientes devem ser sazonais e locais.

Duas vezes por semana, a empresa recebe da Cooperapas — cooperativa de agricultores orgânicos na zona sul de São Paulo — a lista do que será colhido, que serve de base para o cardápio montado pelas chefs da duLocal. A proximidade do produtor garante economia de combustível no transporte e consequentemente menos emissão de CO2, além de estimular a economia local.

AS COZINHEIRAS RECEBEM EQUIPAMENTOS E UM CURSO DE EMPREENDEDORISMO

O alimento fresco e sem veneno vai operando transformações enquanto é transformado. Colhido pelos agricultores da Cooperapas, é preparado por cozinheiras de Paraisópolis, que trabalham em suas próprias cozinhas. Do ponto de vista do negócio, o arranjo evita custos fixos, criando uma espécie de “cozinha virtual” ajustável à curva de demanda.

Amartya Sen diz que a capacidade das pessoas de fazer as coisas é o que tira elas da pobreza. A gente está trazendo isso para a cozinheira. De saber que você pode comer com a xepa da feira se souber cozinhar. É muito mais barato do que fazer o arroz, feijão e bife. Ao cozinhar para a duLocal ela aprende outro repertório e começa a levar algo muito mais saudável para a família dela.”

Hoje a duLocal trabalha com três cozinheiras (outras seis estão em formação), identificadas com ajuda da Associação de Mulheres de Paraisópolis e a partir de um curso gratuito de empreendedorismo e culinária oferecido pela empresa. Na sequência, cada uma delas, em sua própria cozinha, passou por um treinamento de um mês com uma chef e recebeu um aporte inicial de equipamentos.

Hoje, cada uma das três cozinheiras de Paraisópolis prepara até 20 pratos por dia (foto: Lucas Pardal).

“A gente chega com uma bancada, uma faca boa, uma panela de inox, uma tábua bacana, porque ela precisa disso para produzir. Aos poucos, ela vai se apropriando daquilo e passa a ser uma empreendedora. É como se fosse uma micro franquia: cuidamos do aprovisionamento de insumos e do marketing. Ela só tem que cozinhar.”

Cada cozinheira produz 20 pratos por dia. Os ingredientes são entregues diariamente, pela manhã, junto com a “ordem do dia”: um passo-a-passo de como preparar cada prato. Perto da hora do almoço, um motoboy retira as refeições e leva para os clientes. Assim, o produto orgânico passa pela periferia, gerando renda e informação, e chega em quem pode pagar: o consumidor do centro expandido de São Paulo, que remunera toda a cadeia.

“A duLocal integra a cadeia do começo ao fim, remunerando melhor os elos envolvidos. Conseguimos entregar um produto de ótima qualidade porque o tempo entre a colheita dos ingredientes e a entrega da refeição ao consumidor é muito pequeno.”

O SONHO: PRODUZIR COMIDA EM ESCALA COM AGRICULTURA REGENERATIVA

Felipe iniciou a carreira no Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas. Até que cansou de “enxugar gelo” prestando “consultoria de sustentabilidade para empresas que estão fazendo atividades que não são sustentáveis”. Foi trabalhar na Endeavor, decidido a descobrir tudo sobre empreendedorismo. Ficou três anos e aprendeu que não se deve começar um negócio em uma indústria que você não conhece.

Resolvido a empreender com comida (“porque comida muda a realidade”), ele foi ralar como garçom no Jamie’s Italian, o restaurante do chef inglês Jamie Oliver na capital paulista. “Aprendi tudo que eu podia. Cozinha, salão, gerência, bar, em tudo eu fuçava”. De lá, passou pela filial de Campinas — e depois ainda pela matriz, em Londres.

De volta ao Brasil, Felipe montou, com a irmã Flávia, em terras da família em Itatiba (SP), seu primeiro negócio em alimentação: a Fazenda Malabar, que entrega cestas de orgânicos no modelo de assinatura. Foi quando vislumbrou a ideia da duLocal:

“As pessoas recebiam as cestas com vegetais e não sabiam transformar os ingredientes da época numa comida boa. Quiabo, por exemplo, é um clássico: ninguém sabe preparar”

Felipe foi influenciado pelo pensamento de Ernst Gotsch, suíço que se estabeleceu em uma fazenda no sul da Bahia, no começo da década de 1980, e sistematizou o conceito de Agricultura Sintrópica, que prega o plantio de hortaliças junto a árvores e espécies arbustivas, mimetizando a regeneração natural de florestas.

Desde 2008, quando participou de um curso com Gotsch, o engenheiro ambiental sonha em ver essa agricultura regenerativa produzindo comida em larga escala.

“Com uma agricultura diversificada de pequena escala é possível produzir cem refeições por dia por hectare, aproximadamente. A agricultura convencional produz 20 vezes menos: um hectare de soja produz cerca de 3,5 toneladas de soja por ano, sendo que dois terços da produção mundial de grãos serve para alimentar animais.”

AJUSTES DE ROTA SÃO NORMAIS. E O INVESTIDOR PRECISA TRAZER EXPERTISE

A duLocal tem mais quatro sócios: Vitor Lima, Vitor Brichi, Eduardo Donato e Fernanda Prado. Eles e Felipe se conheceram por meio da Associação de Agricultura Natural de Campinas. No começo, conta o empreendedor, houve algumas dificuldades enquanto tentavam fazer o negócio deslanchar.

“Às vezes, achamos que ter um produto incrível basta, mas não é o caso. Não prestamos atenção o suficiente em definir bem o nosso público-alvo e refinar a estratégia de canais. Isso nos custou uns 45 dias de muita tensão e desvio negativo de fluxo de caixa até reajustarmos a estratégia e começar a crescer de forma consistente.”

Preparadas com ingredientes sazonais, as refeições são pedidas por meio de um web app e entregues no centro expandido de São Paulo.

Conhecer o seu consumidor é essencial. “Estamos entendendo melhor quem é o nosso público, por que compra, por que canais consome informação… E fazendo campanhas nichadas para cada um desses públicos”, diz Felipe. “E estamos vendo resultado. Temos esgotado o estoque praticamente todos os dias.”

No fim de 2018, a duLocal foi incubada pela Artemisia e recebeu 500 mil reais de aporte. Entre os investidores estão o Grupo Trigo (food service), o grupo Âmbar (construção civil), a Clear Sale (big data), Roel Collier, da TPG, o advogado Sérgio Bronstein, Heloísa Guarita, da RG Nutri, e José Carlos Aguillera. Felipe diz que “não há investidores puramente financeiros” — a expertise de cada um é requerida.

“Queremos manter em pequena escala o que é melhor ser em pequena escala, mas estamos botando tecnologia e economia de escala de logística para fazer com que seja um processo replicável. Nesse ponto, a expertise da indústria é importante”

Hoje, dois sócios trabalham full-time no negócio, junto com mais seis funcionários. A empresa faturou 40 mil reais entre agosto de 2018 e maio de 2019. Felipe prevê chegar logo a 150 mil reais por ano.

“Queremos plugar em Rappi, IFood, Uber Eats. Queremos arrebentar a boca do balão. Sabemos a receita para escalar isso para milhares de pratos por dia. Quem são os produtores, onde eles estão, nome, sobrenome, coordenadas GPS…”

Essa receita para escalar o negócio passa pelo uso de inteligência artificial:

“Imagine o produtor imputar no sistema o que ele vai colher naquela semana, depois essa informação cruza com o banco de receitas organizadas de acordo com o que as pessoas gostam e o que as cozinheiras sabem preparar”, diz Felipe. “Garantimos que vai haver desperdício zero no campo e que as pessoas vão ficar satisfeitas.”

O empreendedor já sonha em abrir capital na Bolsa de Nova York. Nada contra ter uma empresa lucrativa que gera impacto socioambiental. Lucro, porém, não é o objetivo maior:

“Se eu quisesse só ganhar dinheiro estava trabalhando num banco. A duLocal é feita por um bando de apaixonados pela causa. Com esses 500 mil reais estamos fazendo muito mais do que uma empresa sem causa por trás conseguiria. Temos um foco muito grande na missão, que é transformar a realidade através da comida”.

 

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