Sou natural de Fortaleza, a caçula de três irmãs. Perdi a minha mãe muito cedo. Ela teve câncer e faleceu quando eu tinha 12 anos. São poucas as memórias…
Meu pai fez o papel de me criar sozinho, dando todo o suporte emocional e financeiro que precisei para chegar até aqui.
Comecei a fazer faculdade de Arquitetura e Administração. Minha mãe era arquiteta e meu pai, administrador. Como a maioria das pessoas em idade de decidir o que cursar, nessa época eu não fazia ideia do que queria — então, resolvi seguir os passos dos dois
Até perceber que precisava escolher, aí optei pelo curso de Administração, me formando pela Universidade Federal do Ceará. Depois, fiz pós-graduação em Marketing pela FIA.
Tinha a ambição de chegar aos 30 anos tendo conhecido 30 países, com minha própria casa, família e filhos. Doce ilusão! Trintei pedindo um divórcio, depois de seis anos de casada, sem filhos, morando em São Paulo, onde estou há mais de dez anos.
Me mudei para a capital paulista em 2011, transferida um ano após ter entrado em uma multinacional. Me mudei sozinha, pois na época ainda não era casada e a minha família toda morava em Fortaleza, onde ainda vive.
Passei 11 anos numa multinacional, trabalhando no ambiente corporativo. Entrei pelo programa de talentos, orgulho para o meu pai.
Comecei a minha carreira em Recife. Depois de alguns meses de treinamento, fui morar no interior do Ceará, numa cidade chamada Sobral, onde 27 graus é frio! Fui trabalhar numa revenda. Era a única mulher ali que fazia parte de uma cervejaria. Na época, era responsável por representar a companhia dentro dessa revenda.
Vivia num quarto de hotel, trabalhando na rua durante a semana, visitando os pontos de venda dos clientes para vender cerveja… e na expectativa de chegar o final de semana para pegar cinco horas de ônibus de volta para Fortaleza
Voltei para minha cidade depois de sete meses morando no interior, quando assumi a vaga de gerente de trade marketing, meu primeiro passo para me estabelecer na área de marketing.
Com cinco meses nessa função, fui convidada para trabalhar na área de marketing corporativo. Era meu primeiro passo em comunicação, lidando com uma das maiores agências do país em uma das maiores marcas de cerveja do Brasil. Meses depois, fui morar em São Paulo.
Depois de anos trabalhando no lançamento e gestão de marcas de cerveja e refrigerantes, me convidaram para ser a head de marketing de uma regional.
Saí do escritório corporativo para assumir uma vaga a nível regional, a algumas quadras de distância. Seria a responsável pelo marketing de todo o portfólio de cervejas no estado de São Paulo, com um time de 50 pessoas sob minha responsabilidade.
Sabia que seria a vaga ideal para desenvolver skills de liderança. Topei o desafio com a promessa de virar sócia dessa companhia — promessa que já tinha ouvido antes e sempre chegava com a frase: “você está pronta”.
Nessa vaga de marketing regional fui “promovida”. O convite veio junto com a notícia: “Você virou sócia”, disse o meu chefe na época
Finalmente, era o meu sonho realizado depois de onze anos me dedicando ao mesmo lugar, dormindo, acordando e respirando trabalho.
Só que depois de um mês, a promoção não iria mais acontecer. Houve uma “falha” de comunicação interna e nesse mesmo período a política de promoções à sociedade da empresa havia mudado a nível global. Só não tinha sido alinhado a tempo com o time no Brasil.
Assim como eu, algumas pessoas também passaram por essa frustração. Não ser a única, de certa forma, me deu um alívio. Mas me falaram que era só esperar mais sete meses, que aquilo com que tanto sonhei iria se tornar realidade.
Pensei, só mais 7 meses! O que seria isso para quem já esperou dez anos? Os sete meses se passaram e ouvi: “Não vai ser dessa vez”
Depois disso, tudo ficou tão difícil de digerir que só tinha uma certeza: não iria mais viver de promessas.
Foi a partir daí que comecei a me perguntar por que eu queria tanto ser sócia numa multinacional. O que de fato isso iria mudar na minha vida?
Já tinha a responsabilidade “de dona”, autonomia, um time muito preparado, um orçamento considerável para liderar projetos, e podia decidir como investir no que acreditava. Tinha ganho prêmios nacionais e internacionais de cases desenvolvidos para as marcas que eu havia trabalhado…
Cheguei à resposta algum tempo depois: status, ego, reconhecimento e vaidade…
Veio a pandemia, me mudei para Caxias do Sul (RS), lugar onde fui trabalhar no modelo home office. Meu namorado à época morava lá e eu queria ficar perto dele.
Essa foi a fase em que me afastei fisicamente daquele ambiente corporativo e passei a viver um outro estilo de vida. Primeiro porque, com o isolamento social, de fato fiquei isolada. Mas também porque ganhei novas perspectivas.
Costumava dizer que foram anos tomando banho numa piscina, cuja água já havia sido quente, morna e fria. Mas dessa vez, indo morar em outra cidade, “tinha saído da piscina”. Assim, enxerguei a empresa com outro olhar.
Vi a “piscina” de fora, não estava mais afogada na correnteza: reuniões, rotas, tarefas, rotinas. Enfim, tudo aquilo havia esvaziado, e voltei a pensar e repensar
Quando olhei de volta para a piscina, aquilo tudo me parecia vazio. Uma piscina sem água.
Foi justamente nesse período de home office que tive o baque profissional de uma promessa não cumprida, o banho de água fria.
Durante dez anos, fiquei vivendo no piloto automático, sentada no banco do carona, esperando, a cada ano, uma nova promoção. Sempre na expectativa de que um dia fossem me dar aquilo que tanto queria, e quando eu não era reconhecida, logo chegava uma frustração.
Até que decidi assumir a direção e definir eu mesma os próximos passos da minha carreira. Pedi demissão
Amei a experiência de trabalhar naquela empresa, afinal foi a minha grande escola, onde conheci os melhores profissionais do mercado, aprendi tudo o que sei, fiz grandes amigos e me senti preparada e confiante para alçar novos voos.
Meu chefe me perguntou para onde eu estava indo. Não sabia, só sabia que não era mais lá que gostaria de estar. Não queria mais viver essa sensação de ser enganada, de nunca ser suficiente, de deixar os outros definirem o limite do meu próprio potencial.
Pensei em tirar um ano sabático, mas estava em plena pandemia, então essa não era uma opção. Não sabia o que era viver sem a rotina de uma agenda tomada de reuniões, das nove da manhã até as oito da noite.
Não sabia me reconhecer sem o meu crachá ou status profissional. Não sabia a forma de me apresentar para as pessoas que não fosse falando onde eu trabalhava, logo depois de dizer meu nome
Então, fui empreender porque, além desse contexto, sempre tive a curiosidade de levar uma vida nos meus próprios termos.
A vontade de empreender ia e voltava, mas eu nunca dava ouvidos a ela… Só que, no Rio Grande do Sul, a tal da vontade voltou.
Eu morava em Caxias do Sul, uma cidade pacata, cercada por vinícolas, bem próxima de Pinto Bandeira, Flores da Cunha e Bento Gonçalves. Na época, tive a oportunidade de conhecer algumas delas.
Hoje, são 15 mil famílias que vivem através do cultivo e da colheita de uvas e da elaboração de sucos e vinhos, seja para consumo próprio ou para seu sustento.
Essas famílias são a terceira geração de imigrantes italianos que se mudou para o Brasil no pós-guerra. Hoje, a grande maioria vive da agricultura familiar, tem suas micro vinícolas instaladas em suas casas, faz a colheita manual e a produção artesanal dos vinhos
Quando morei lá, vivia pegando a estrada, batendo na porta das vinícolas, me apresentando e ouvindo a história de algumas famílias compostas por produtores e enólogos. Já era apaixonada por vinhos e entusiasta há algum tempo — mas sempre como consumidora, nunca como especialista.
Foi a partir desse momento que resolvi me especializar. Me formei como sommelière pela ABS-RS. Fui conhecendo os vinhos brasileiros e entendi que havia um grande preconceito com os vinhos nacionais.
Chamo de pré-conceito porque a maioria das pessoas nem chega a experimentar. À medida que fui conhecendo, quebrei meu próprio viés e vi que realmente existem bons vinhos brasileiros
A cada vinícola visitada, pedia a indicação de mais uma para conhecer. Ao longo dessa trajetória, fui entendendo melhor a cadeia produtiva e percebi que a maioria das pessoas fazia um trabalho muito bem feito da “porta para dentro”, desde a colheita até a vinificação.
Mas da “porta para fora” da vinícola, o conhecimento de mercado ainda era limitado. A maioria não tinha uma experiência comercial ou em marketing. Eles vendiam seus vinhos somente ali na redondeza, para a comunidade local, na porta mesmo das vinícolas.
Percebi então a oportunidade que se apresentava diante de mim. E resolvi unir o meu conhecimento de mercado — depois de 11 anos trabalhando no marketing de bebidas alcoólicas numa grande corporação — com o conhecimento dos enólogos, da colheita, cultivo e vinificação.
Queria fazer um trabalho que tivesse um impacto real na vida das pessoas. Então, fui conhecer algumas micro vinícolas, geridas por pequenas famílias, e entendi que poderia fazer um trabalho de curadoria desses vinhos, para apresentá-los em maior escala.
Selecionei os que eram feitos por pequenos produtores, ainda de forma artesanal e em pequenos lotes. A ideia era apresentar, a cada ano, novas edições de vinhos, novos perfis para as pessoas conhecerem.
Daí surgiu a Artse. A ideia foi criar uma marca que pudesse expandir os vinhos brasileiros. Queria trazer a arte dos enólogos para uma realidade maior, para além da fronteira do Rio Grande do Sul.
Voltei para São Paulo depois de um ano, porque o namoro não foi para frente. Mas das duas paixões, uma ficou! Comecei a me dedicar ao mundo dos vinhos, fiz pesquisas de mercado, fui atrás de consumidoras, queria ouvir a opinião delas a respeito daqueles vinhos que havia selecionado
Antes do lançamento, foram nove meses de planejamento. Pedia a avaliação dos vinhos para consumidoras que eu não conhecia, a maioria delas entre 25 a 45 anos, majoritariamente mulheres.
Tinha estudado o mercado de vinhos em lata dos Estados Unidos. Lia artigos, pesquisas e notícias que diziam que essa era uma tendência, estava em uma fase crescente de consumo, eram os famosos “ready to drink”.
Também era uma forma de tornar o consumo de vinho individual algo prático e de evitar o desperdício para aqueles que — assim como eu e muitas mulheres — não conseguem beber uma garrafa de vinho inteira.
Nas pesquisas de mercado enxerguei que existia espaço para essa tendência se concretizar no Brasil. E foi numa dessas pesquisas que conheci minha sócia, a Izabela Dolabela.
Em setembro de 2021, inauguramos a Artse vinhos. Os primeiros nove meses foram construídos através da venda para conhecidos, família e amigos, tudo com base no boca a boca
Artse vem de arte. No curso de sommelier, aprendi que todo vinho é uma expressão de arte e reflete as características da natureza, da região e principalmente de quem os faz.
Nossos vinhos são vinhos de autor, o que significa que são feitos em pequenos lotes, em edições limitadas. São feitos por famílias que estão à frente de pequenas vinícolas do interior do Rio Grande do Sul.
Atualmente, temos três tipos de vinho. Nosso rosé é um blend de Merlot e Cabernet Sauvignon, e foi elaborado pelo Daniel Longo, da região de Forqueta, região administrativa de Caxias do Sul. Também temos um branco, elaborado pelo Ismael Onzi, da vinícola Casa Onzi, um vinho bem aromático, de uma das principais uvas brancas mais colhidas no Brasil, a Moscato Giallo.
E temos ainda o tinto, blend de Merlot e Cabernet Sauvignon, que inclusive foi premiado pela Revista Adega em uma degustação às cegas com mais de 60 rótulos. Ele foi elaborado pelo Eder Giaretta, da vinícola Giaretta, que fica em Guaporé, município na Serra Gaúcha, a 190 quilômetros de Porto Alegre.
A folha em branco de um novo capítulo desconhecido traz o pior e o melhor à tona. Depois de me reinventar e sair do piloto automático, o reflexo disso é um sonho que virou realidade.
Mas costumo dizer que geralmente “quem vê close não vê corre”. Empreender é muito solitário e a adaptação, mesmo depois de um ano, não tem sido fácil.
Ter coragem para arriscar é um misto de angústia e libertação. A angústia vem pela falta de estabilidade, e porque uma vez que você se senta no banco do motorista, a responsabilidade vira sua: não existe mais alguém para culpar pelo que deu errado
Isso sem falar nas pessoas que passam a depender de você e que começam a sonhar o mesmo sonho. Em algum momento, você se vê como responsável pela carreira e pelo desenvolvimento delas também.
Eu coloquei na minha cabeça que se nada desse certo, a Artse seria, no final das contas, como um bom investimento em um MBA. Uma experiência na minha vida, daquelas que ampliam a nossa perspectiva.
Falando em perspectiva, com a Artse o tempo ganhou um novo significado na minha vida. Dou mais valor ao tempo, consigo entender o uso que vou fazer dele. Encontrei mais tempo pra mim e resolvi voltar a fazer exercícios; passei a descobrir coisas que eu gostava de fazer além do trabalho.
A forma como olho para o meu valor também mudou. Passei a me enxergar além do quanto eu ganho ou do cargo que ocupo.
Atualmente, me vejo no papel de inspirar outras pessoas — especialmente mulheres que, assim como eu, querem se reinventar — a dar um pontapé inicial nos seus projetos.
Cada um tem a sua história e eu sei o lugar de privilégio que ocupo. Não é todo mundo que pode tirar um sonho do papel, financeiramente falando.
O que acredito, e acho que vale para todos, é se movimentar. Sobre estar em movimento, aqui vai uma dica: nunca deixe de aprender. Reinvente-se e procure no seu dia a dia fazer sempre algo novo
Estou escrevendo esse texto sentada à mesa na sala da minha casa. Olhando para o meu lado direito tem um quadro branco com destaque para uma frase em vermelho, em negrito, que diz: “What would you do if you were not afraid?”. Ou, em português: “O que você faria se não tivesse medo?”.
Eu olho para esse quadro e penso que fiz o que queria — e espero continuar fazendo.
E você? Já parou para pensar no que faria se não tivesse medo? Antes disso, pare e pense: do que você tem medo? E quando foi a última vez que você fez algo pela primeira vez?
Jaqueline Barsi é fundadora da Artse.
Alê Tcholla começou a trabalhar aos 16, no departamento financeiro da TV Globo, mas sabia que seu sonho era outro. Foi desbravando novos caminhos até fundar a blood, agência que cria experiências de marca em eventos presenciais e online.
Bruna Ferreira trilhava uma carreira no setor financeiro, mas decidiu seguir sua inquietação e se juntou a uma amiga para administrar um salão de beleza. Numa nova guinada, ela se descobriu como consultora e hoje ajuda empresas a crescer.
Na adolescência, Alon Sochaczewski ganhou uma prancha de surfe e um computador. Surgiam ali duas paixões que impactariam para sempre a sua vida e o inspirariam a fundar a Pipeline Capital, empresa de M&A com foco em negócios de tecnologia.