por Tenile Vicenzi
Fui publicitária na minha “vida passada”. E embora com cinco anos de profissão eu já sentisse certo desconforto, tem umas coisas que te seduzem quando você trabalha com Propaganda. Particularmente, gostava de planejar campanhas e encontrar caminhos criativos, acompanhar produções cinematográficas, ver esses filmes que ajudei a criar veiculados no horário nobre da Rede Globo.
Em especial, gostava de entender o ser humano (neste contexto chamado de consumidor) e suas aspirações
Ficar atrás do espelho na pesquisa de Focus Group ouvindo o que as pessoas pensavam e vendo como se comportavam me entretia mais do que uma tela de cinema.
Até que uma pesquisa me marcou em especial. Eu trabalhava na indústria automobilística e nos preparávamos para o lançamento do carro do ano. Cerca de 200 slides compilavam o trabalho de antropólogos, sociólogos e psicólogos, dando subsídios para criar a promissora campanha de lançamento.
Ali encontrei informações como: “o consumidor brasileiro foi treinado para tratar o carro como um símbolo de progresso e ascensão social”; “a ideia é que a dissolução do carro como coisa e sua vivificação como símbolo de sucesso criam uma pessoa que é basicamente um sucesso”; “o sujeito se vale do seu carro para construir sua própria identidade, um exoesqueleto que lhe confere status”.
Disso surgiram alguns possíveis caminhos para a nossa campanha, dentre eles:
– Status: retratar o que o consumidor quer ser, onde quer estar e principalmente, a maneira como quer ser percebido pelos outros;
– Irreverente: o que o consumidor tem vontade de fazer mas não pode, porque embora divertido, vai pegar mal, é contra as regras da sociedade, meio fora de hora;
– Vitalidade: aquilo que o consumidor gostaria muito de fazer e não há impedimentos, mas ele não tem energia para fazer ou coragem de arriscar.
Todo mundo sabe que um carro não faz nada além de levar pessoas de um lado para o outro com algum conforto e praticidade. Mas elaborar histórias melhores que essa ajuda a vender. Na essência da Publicidade tradicional está o fator “aspiracional”: prometer reduzir a distância entre aquilo que se é e aquilo que se quer ser através da aquisição de algum produto.
Até aqui, nenhuma novidade. Ainda assim, ler aquilo tudo pegou mal. As pesquisas, que até então me faziam entender o outro, dessa vez me abriram os olhos para mim mesma.
Em resumo, o que eu fazia era traçar estratégias para vender um objeto como a salvação de uma vida medíocre. E neste dia eu me dei conta que queria estar do outro lado
Eis a questão. O que seria estar do outro lado? Levei anos para entender e elaborar isso. Só hoje, olhando para trás, é que consigo organizar as fases pelas quais passei para chegar até aqui.
Aprender a usar o tempo livre foi o primeiro passo. Enquanto estava no meio corporativo/publicitário, com um nível de insatisfação crescente, comecei a incluir nas minhas horas livres experiências que enriquecessem a minha vida e trouxessem o significado que eu não encontrava no trabalho.
Isso incluía voluntariado, viagens culturais, leituras, cursos etc. Tinha muitos interesses, mas não enxergava conexão entre eles, menos ainda como transformar isso em fonte de renda. Minha vida era um imenso quebra-cabeça com as peças todas desencaixadas.
Das experiências vividas nesta fase, a mais relevante foi uma pós-graduação em Dinâmica dos Grupos — que, embora não tivesse esse objetivo, me fez entender o impacto limitador do modelo de educação tradicional na minha vida e nas minhas escolhas (inclusive profissionais).
Chutar o balde, a fase 2. A fase 1 me deu a certeza de que para enxergar novos caminhos eu precisava de mais tempo, de espaço, de novos estímulos. A decisão de efetivamente largar o emprego foi um processo que envolveu guardar dinheiro, criar coragem e rabiscar o roteiro de uma longa viagem, que durou 500 dias pela Ásia e, paradoxalmente, me levando longe, me trouxe para mais perto de mim mesma.
Me fez enxergar e entender coisas importantes, que seriam fundamentais dali para frente: a dificuldade de lidar com a liberdade e fazer escolhas, desconstruir verdades, crenças e julgamentos arraigados, desapegar, ficar confortável em situações desconfortáveis, sair do controle e, assim, abrir espaço para a vida atuar, permeando minha caminhada com sincronicidades.
A maior e mais significativa delas me levou a viver uma experiência de seis meses na Green School (Indonésia), uma das escolas mais verdes do mundo, onde entendi o real significado de aprender. E como melhor viver. Viver sem cercas. As duas primeira fases foram essenciais para me preparar minimamente para esta.
O momento da volta, de se reinventar, de criar, de descobrir e de testar novas possibilidades, vem acompanhado do medo, das inseguranças, das incertezas, gerando um tumulto emocional que eu nunca tinha experimentado antes.
Começava vários projetos e, depois, mudava de ideia. Fiquei perdida e não sabia para que lado ir. Enquanto isso, o dinheiro saía mais do que entrava, me fazendo lembrar com saudosismo do salário que antes caía no final do mês
Tudo o que eu queria era que alguém me dissesse o que fazer. Mas nessa jornada não existem respostas prontas. Fui aprendendo ao caminhar. Tudo virou fonte de aprendizado. Neste período, fiz diversos cursos, formações e vivências — horas que, se somadas, dariam uma pós-graduação. Mas para além disso, aprendi ao lidar com as minhas emoções e medos, ao conversar com pessoas, ao testar coisas que deram e não deram certo.
O aspecto mais marcante dessa fase que durou dois anos foi o meu próprio autodesenvolvimento ao sustentar o não saber e encarar a turbulência da mudança
Ter vivenciado essa trajetória super desafiadora e, por vezes, angustiante me ajudou a entender melhor os consumidores daquela pesquisa. Não é simples causar mudanças profundas, nem mesmo tendo uma perspectiva otimista do que se pode ganhar com elas.
Mudar exige coragem, trocar o certo pelo duvidoso, abrir mão de coisas importantes sem nenhuma garantia futura, ressignificar nossas crenças
Portanto é compreensível que tantas pessoas optem por permanecer cegas e prefiram a comodidade de comprar coisas que prometem torná-las uma versão melhor delas mesmas quase sem esforço, que prometem preencher um vazio, que convenhamos, não cabe a objetos preencher. Enquanto não descobrirmos o que realmente nos satisfaz e não formos atrás disso, acabamos virando um saco sem fundo de consumo.
Erich Fromm descreve bem essa condição vivida por tanta gente: “A estrita rotina do trabalho mecânico, burocratizado, auxilia as pessoas a permanecerem sem conhecimento de seus desejos humanos mais fundamentais, da aspiração de transcendência e unidade. Como a rotina, por si só, não o consegue, o homem supera seu desespero inconsciente através da rotina da diversão, do consumo passivo de sons e visões oferecidos pela indústria do divertimento, e além disso, da satisfação de comprar sempre coisas novas e de logo trocá-las por outras”.
Hoje, atuo como consultora e facilitadora na área de inovação organizacional e desenvolvimento humano e fico feliz em exercer uma atividade que contribui para melhorar as relações e repensar formas de trabalhar, liderar e aprender.
Neste novo contexto profissional, consigo expressar quem sou integralmente, tenho espaço para usar meus talentos e habilidades, trabalhar com pessoas que admiro e que me inspiram.
Curiosamente, o que me deixa mais realizada é ter passado por esse processo todo, ter percorrido esse caminho que me possibilitou crescer, descobrir talentos, amadurecer e me desenvolver. Consigo ficar em paz sem a segurança e a estabilidade que a carteira assinada oferece, porque desenvolvi, pela experiência, plena confiança na vida. Me sinto segura para encarar com serenidade todos os movimentos que forem necessários neste mundo em constante mudança. Estar do outro lado, para mim, é:
Olhar para as pessoas não como consumidores, mas como seres humanos. Estar do lado de quem educa e não persuade, que inspira e não manipula, que mostra o caminho sem atalhos, mais longo e difícil, mas o único capaz de trazer satisfação real.
Hoje, entendo que para estar desse lado e apresentar esse lado para outras pessoas foi fundamental que eu mesma percorresse o caminho primeiro.
Tenile Vicenzi, 38, é consultora e facilitadora em inovação organizacional e desenvolvimento humano. Formada em Comunicação Social e pós-graduada em Gestão Empresarial e Dinâmica dos Grupos. Atuou por 13 anos na área de Propaganda e Marketing. Palestrou no TEDx Niterói em 2018 sobre o tema Reaprender a Aprender. Adora escrever e seus últimos aprendizados e reflexões estão no Medium.
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