por Larissa Montel
Vim para o Rio de Janeiro em 2016 com um objetivo claro: queria trabalhar com direitos humanos. Esse era um desejo de alguns anos, de uma série de vivências e de muitas leituras. Na minha cidade natal, no interior de São Paulo, eu não enxergava espaço para florescer esse sonho. Cheguei só com uma matrícula no mestrado de Políticas Públicas em Direitos Humanos, na UFRJ, e uma mala cheia de expectativas.
No início, já percebi que não seria fácil. São muitas organizações sociais no Rio, muitas causas que me motivavam, mas num espaço de atuação em certa medida saturado. Como direcionar essa energia? Comecei a buscar pelos silêncios. Tanto na academia quanto no voluntariado, o que estava invisível na nossa sociedade?
Conheci uma plataforma de voluntariado chamada Atados, que era praticamente um catálogo dos trabalhos sociais na cidade. Lá, é possível escolher por causa, por tipo de ação ou pela sua profissão. Mais ou menos nessa época, comecei a me interessar pelo conceito de empatia como ferramenta de mudança social.
A simples (e ainda assim desafiadora) ação de se colocar no lugar do outro gera grandes vínculos em uma sociedade conectada cada vez mais por dispositivos e menos olho no olho
Era isso o que eu buscava, um espaço de conexão. E lá estava, no Atados, o anúncio do Projeto RUAS: “ações de empatia com a população de rua”. Encontrei o silêncio que buscava. Pessoas em situação de rua estão ao nosso lado diariamente e, ainda assim, são precários os investimentos em políticas públicas para elas e frequentes as reações de violência e preconceito.
Além da empatia, o que me atraiu no RUAS foi a facilidade de fazer parte do projeto. Acessei o site, me agendei para a tal “ronda” (atividade principal da organização) e duas ou três semanas depois já pude participar. Na minha primeira ronda, em junho de 2016, a dinâmica era sobre nós, os voluntários. Após uma capacitação, em que conheci os valores e o histórico da organização, contados por um dos fundadores, o Murillo Sabino, fomos para a lateral de uma farmácia e sentamos no chão junto com as pessoas em situação de rua.
E lá começamos a falar sobre nós: o que fazíamos da vida, o que gostávamos de fazer no tempo livre, por que estávamos ali. Num primeiro momento, isso me causou estranhamento. Fui para a rua para ouvir e, de repente, tenho que falar de mim? Mas logo a facilitadora da atividade, pessoa responsável por moderar e organizar a dinâmica da noite, explicou que esse foi um pedido dos atendidos do projeto.
As pessoas em situação de rua tinham curiosidade de conhecer mais sobre nossas histórias e motivações. É assim que criamos vínculo, quando existe troca, não é mesmo?
Nessa época ainda me sentia muito sozinha na cidade. Vim para o Rio sem conhecer ninguém e buscava me aproximar das pessoas. Ansiava por pertencimento. Comecei a participar das rondas com certa frequência e cada dinâmica me surpreendia mais. Falamos sobre temas como saúde, preconceito, família, reciclagem, arte etc. O espaço é muito colaborativo, sempre ouvindo dos atendidos e dos voluntários sobre o que gostariam de falar.
Cada semana conhecia novas histórias que me marcavam, pessoas que nunca esqueci. E pouco tempo depois das minhas participações iniciais começou um burburinho sobre os Jogos Olímpicos, que estavam para começar, e a preocupação com a população de rua durante os megaeventos. As palavras mágicas que circulavam nas conversas eram: direitos humanos. Nesse momento vi uma chance de fazer mais, de trazer o meu conhecimento e a minha formação para a prática da organização.
Criamos uma frente de atuação para falar sobre as Olimpíadas, chamada “Choque de Amor”. Tive a oportunidade de coordenar, em parceira com pessoas incríveis, uma campanha que transformava cada cidadão em um observador dos direitos humanos da população em situação de rua. Recebemos o apoio da Defensoria Pública e de outras organizações do terceiro setor, além de inscrições de voluntários, desde Campo Grande a Niterói. Nesse período, fomos notícia em veículos internacionais, como a Reuters, falando do Choque de Amor!
A partir daí, fui convidada pelos fundadores para ser uma voluntária mais ativa, atuando no dia a dia do RUAS junto com o Murillo. E fiz de tudo um pouco: captação de recursos, eventos, projetos de inovação e parcerias. A vontade de fazer era enorme! Com o tempo, isso se uniu à minha capacitação e ganhou força com o aumento da equipe.
Em 2017, surgiu a oportunidade de criar uma websérie para contar para o Brasil inteiro algumas das histórias que ouvíamos semanalmente. Minha História Conta teve duas temporadas e 20 episódios, no total, abordando temas como emprego, drogas, maternidade e saúde mental. Estávamos crescendo. Mas, ao mesmo tempo, internamente a organização vivia um período de ruídos de comunicação. Veio, então, a necessidade de nos estruturarmos, criando áreas, equipes, objetivos, até mesmo papéis e responsabilidades — tudo visando uma atuação mais bem direcionada para a população em situação de rua.
Muitos aprendizados e reorganizações de rotas depois, cá estamos chegando ao final de 2018. Hoje, começo uma nova fase no RUAS como gestora estratégica. Gosto de pensar a nossa atuação em três esferas. Na individual, desenvolvemos atividades semanais de informação e estímulo para fortalecer a autoestima e a autonomia do nosso público-alvo, possibilitando novas oportunidades de vida. Na coletiva, engajamos os residentes do bairro a praticarem um novo olhar sobre a situação de rua e a mobilizarem suas redes para o acesso a serviços de saúde, empregabilidade, documentação, entre outros. Por fim, na estrutural, além do objetivo de expansão como uma franquia social, impactando nacionalmente a população de rua, participamos de debates de políticas públicas sobre moradia e acesso a direitos. E também prestamos consultorias para órgãos públicos e outras entidades.
O RUAS completou quatro anos recentemente e me sinto muito orgulhosa de ter estado presente em três desses aniversários. Nesse tempo, encontrei voluntários engajados, que me trouxeram novas perspectivas de vida, novos olhares. Encontrei atendidos que me ensinaram sobre família, música e até impostos.
Ri e chorei inúmeras vezes com nosso sucesso, fracasso, encontros e despedidas (infelizmente, na rua, as despedidas são frequentes)
Encontrei propósito, unindo uma causa social aos meus objetivos de carreira, fazendo um trabalho que me motiva a pular animada da cama todos os dias e dar tudo de mim. E, por fim, me senti pertencente a algo. Nenhum homem é uma ilha, já dizia o poeta inglês John Donne. No RUAS, somos um continente inteiro unido pelo sonho de cidadania e bem estar para pessoas em situação de rua. E juntos, nós podemos ir muito além.
Larissa Montel, 28, entrou no Projeto RUAS como voluntária em junho de 2016, assumindo recentemente o cargo de gestora estratégica. É mestre em Políticas Públicas em Direitos Humanos pela UFRJ e possui graduação em Relações Internacionais pela Universidade Estadual Paulista. Morou seis meses na China, dando aula de inglês pela AIESEC.
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