Rodrigo Silveira, 36, quer derrubar árvores. Mas não agora. É uma meta para os próximos anos. Um sonho, na verdade. Por enquanto, ele é o criador e o faz (quase) tudo de um negócio que é o exercício diário do estilo de vida que ele escolheu para lhe fazer feliz: a marcenaria O Rodrigo que Fez. Lá, desde 2009, desenha e produz móveis em madeira maciça, utilizando uma técnica que dispensa ferragens. As peças são encaixadas umas nas outras com o objetivo de aumentar a durabilidade ao mobiliário. Em um ritmo totalmente orgânico, ele inspira ao mostrar que isso é, também, possível.
É quase um brincar de Lego seu trabalho. Só que é ele quem desenha a peça, faz o ajuste milimétrico, produz e vende. Segundo ele, esse processo lento, gradual e seguro, que já estava quase esquecido nesse mundo de produções em escala industrial, é o que interessa. Do corte da madeira à espera para que ela assente (e assim não empene ou rache) até a montagem e os ajustes finais, lá se vão dois meses de batente. “Estou aqui dentro, carregando prancha, enfiando farpa no dedo, na poeira. Não penso na cadeira ou qualquer outra peça só como um desenho, mas como um processo”, diz. E continua:
“Penso como vou estruturar o móvel para que fique estável, não quebre e dure o maior tempo possível. Ninguém lembra na hora que vai sentar no banco, mas isso aqui é uma árvore derrubada”
Na marcenaria de Rodrigo, situada na Barra Funda, em São Paulo, a preferência é pelas árvores de crescimento lento, compradas com certificado do Ibama e vindas de regiões de manejo sustentável comunitário (de reservas indígenas ou de populações ribeirinhas, por exemplo). Com isso, quando ele compra sua matéria-prima, ajuda também essas comunidades que cuidam da floresta nativa.
A opção por esse tipo de madeira, de acordo com ele, justifica-se porque elas são de melhor qualidade e dão vida a peças infinitamente mais duráveis do que os produtos feitos a partir de madeira de reflorestamento. Rodrigo também tem um pé atrás com os pinus e eucaliptos replantados que “nem passarinho pousa para fazer seu ninho”. Essas áreas de madeira de baixo custo e rápida poda foram plantadas em locais onde um dia houve mata nativa. Mas isso é outra história.
Quando a poeira da marcenaria de Rodrigo baixar um pouco, ele fala que pretende tomar conta de todo o processo do trabalho. Sua ideia é realizar parcerias com os responsáveis pela preservação das áreas de manejos sustentáveis, ir até a floresta, escolher a árvore, serrar da maneira que considera ideal, evitar, assim, o desperdício e levar para a casa. Ele diz: “Como uso pouca madeira e tenho o trabalho todo autoral, é plenamente possível. Dessa maneira ficaria por dentro de todo o processo. Também consigo ver como a árvore cresceu, se está reta, se não está. Se já está na hora de ser cortada, se não está”.
POUCA MADEIRA E MUITO TRABALHO PARA UM HOMEM SÓ
Rodrigo precisa de cerca de 20 metros cúbicos de madeira por ano. O que dá uma ou duas árvores. Ele cita algumas das que mais trabalha, olhando para as paredes de seu espaço, um local de pé direito alto, com mostruários de cadeiras e outros móveis pendurados. “Ali é freijó, tem jequitibá, sucupira, catuaba, peroba mica, ipê. Isso está tudo à venda. É só tirar a poeira e mandar para o cliente”, afirma.
Algumas dessas árvores podem ser vistas na cidade de São Paulo, muitas delas viram manchetes nos jornais, quando caem no meio da rua atrapalhando o tráfego. A prefeitura poderia até fazer parcerias com marceneiros que se responsabilizariam pela retirada e, assim, teriam a matéria-prima para trabalhar. Nos Estados Unidos e no Canadá já fazem isso há muito tempo. Mas isso também é outra história.
O modelo de negócio do Rodrigo é bem simples. Ele desenha, produz e faz a venda pela internet. Também conversa com o cliente, manda o orçamento e, de vez em quando, acompanha o móvel até o destino final. Fica uma parte do tempo na salinha aos fundos do seu galpão, no computador, e a outra em meio às máquinas e tábuas.
Cuidar de tudo é uma opção e, se for fuçar o passado dele, dá até para compreender. Rodrigo admite que é centralizador e desde o início optou por um negócio pequeno, artesanal, em que pudesse ter total liberdade para criar. Sua ideia sempre foi trabalhar com o cliente final e também com venda direta para arquitetos — nunca para lojas.
Talvez, o hábito de fazer tudo sozinho tenha a ver com o trauma dos tempos que era diretor de arte e precisava aguentar muito chefe interferindo na sua criação. Rodrigo é formado em desenho industrial e começou profissionalmente trabalhando como designer em revistas. Por volta de 2005 (ele não é bom com datas), decidiu mandar tudo para os ares. Juntou as economias e foi passar um ano na Austrália, onde morou em um carro e viajou a costa do país pegando onda.
Voltou para o Brasil disposto a mudar de vida. E decidiu dar vida ao que desenhava no papel. Estudou por mais ou menos cinco anos (as datas, novamente…) na Cose di Legno, escola tradicional de marcenaria em São Paulo, e que tinha esse conceito de trabalhar com madeira maciça, evitando o uso de ferragens. Nesse período vivia dos trabalhos freelancers de diretor de arte, mas já de olho em saltar para fora da área.
VENDER PARA OS AMIGOS, NO INÍCIO, SERVIU PARA DESENTULHAR PRODUTOS
O momento da virada foi difícil, porque Rodrigo conta que era bastante inseguro com suas criações e não tinha coragem de colocá-las à venda. Via muitos defeitos e tinha a dúvida se realmente teria capacidade para o ofício. As coisas começaram a mudar no dia em que foi até a casa de um amigo e viu uma peça em madeira de um designer que admirava. “Fiquei analisando e notei que tinha os mesmos defeitos do meu. Então, percebi que poderia começa a vender.”
Alugou uma parte da oficina do dono do curso de marcenaria e, como quase todo início de negócio, teve como primeiros clientes os familiares e os amigos. “Cobria só os custos porque ainda não dava para cobrar pelo trabalho. Pelo menos, não entulhava a casa.”
Em 2009, oficialmente, começaram as vendas online, com o investimento de 60 mil reais no e-commerce, e veio outro degrau a ser superado. Ele conta que já confiava mais no que produzia, mas não sabia se as pessoas comprariam uma cadeira, um móvel pela internet — sem testar. Teve a ideia de fazer peças menores, pequenos bancos. “Era meu cartão de visita”, conta.
A aceitação foi surpreendente e ele passou a produzir para diferentes pontos do país. Uns anos depois, mudou-se para o galpão na Barra Funda, onde está até hoje. No começo, seguiu trabalhando sozinho, depois contratou um assistente. E agora tem a assistente do assistente. Veio, então, o problema bom de se resolver: “Aumentei um pouco a produção, senti e voltei a diminuir um pouco”.
SUA FÓRMULA DE SUCESSO: O MÍNIMO DE PEÇAS E O MÁXIMO DE DEDICAÇÃO
Rodrigo busca sempre o equilíbrio em seu processo de trabalho. Sua meta hoje é aumentar o faturamento e diminuir a produção. Atualmente, faz cerca de sete peças por mês. No próximo ano, quer reduzir para cinco e aumentar o faturamento entre 25% e 50%. O segredo para isso, sem impactar muito no preço final para o consumidor, é ter um mix de vendas. “Se eu fosse viver só de vender cadeira não daria. Então, tenho que vender um rack, um banco, uma cadeira, uma mesa. A gente vai manejando ao longo do ano.”
Os preços das produções variam. O banquinho custa por volta de 1 mil reais. Uma cadeira beira os 2 mil reais, tem mesa que custa 11 mil reais e um rack de madeira maciça está na faixa dos 18 mil reais. Rodrigo prefere não definir seu público por classe social, apesar de saber que quem comprará uma de suas peças precisa ter uma boa condição financeira. Mas faz sentido, porque quem descobre seu site e vai atrás do seu trabalho é um cliente ainda mais específico, como fala:
“Quem compra meus produtos é o cara que tem mais cultura, que quer saber sobre o processo, se preocupa com a origem da madeira e sabe que está adquirindo algo que pode durar cinco gerações”
Atualmente, além das produções (foram vendidas 65 peças no ano passado), Rodrigo completa o orçamento dando aulas em sua própria marcenaria todas as terças-feiras. Sua ideia é espalhar essa técnica antiga, que aos poucos foi esquecida, para dar lugar às produções em série. Otimista, ele vê o mundo mudando e as pessoas valorizando mais os trabalhos manuais.
Uma prova de que há um maior interesse é que as três turmas de seis alunos estão lotadas. As aulas custam 700 reais por mês e cada participante produz seu projeto com o auxílio do Rodrigo. “Me perguntam se estou formando novos concorrentes, mas penso que estou criando novos consumidores”, diz certo de que seu modelo de negócio e seu modo de pensar processos estão em sintonia.
Anne Galante só conseguia se concentrar nas aulas quando tinha linha e agulhas nas mãos. Hoje, ao lado da irmã, Ana, ela empreende a Señorita Galante, que combina artigos de decoração, aulas de crochê e tricô online e projeto social.
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