Por Paulo Loeb
Há uns quinze anos, meus pais começaram um trabalho voluntário numa pequena ONG na região central de São Paulo chamada Casas Taiguara. O fundador, Daniel Fresnot, é uma mistura de poeta com pequeno empresário e avô querido. Com sua fala mansa e seus olhos azuis, ele saía pelas ruas do centro munido dessas “armas” e convidava crianças sem teto a irem ao abrigo para dormirem numa cama, se alimentarem e vestirem roupas limpas. Foi a primeira casa de acolhida a funcionar 24 horas por dia na capital paulista.
Numa das visitas que fiz a esse abrigo, há seis anos, conheci um garoto que, na época, tinha quase 18 anos. Ele sabia ler, escrever, tinha noções de informática e estava terminando o colegial. De acordo com a lei vigente, que não permite que jovens acima de 18 anos vivam no abrigo, em poucos meses, ele teria que se virar por conta própria.
Imaginei como seria sua vida sem emprego e pensei em todos os anos que o Fresnot investira nele. Foi então que tomei a decisão de dar uma oportunidade de estágio para aquele garoto. Conversei com os meus sócios na agência e eles concordaram.
Algumas semanas depois, o convidei para uma conversa. Ele chegou na agência com a cabeça baixa, tímido, e acompanhado de um educador da própria Casa Taiguara. Difícil imaginar o que se passava em sua cabeça. Anos antes, ele lutava para sobreviver, na dureza das ruas. O garoto estava com medo. E eu também. Estava com medo do preconceito que ele poderia sofrer. Imagine colocar um ex-morador de rua no seu escritório onde você recebe seus clientes ou dentro da sua casa.
Começamos devagar. A mesa dele era ao lado da minha. Não fizemos alarde sobre isso. Na verdade, essa é a primeira vez que escrevo ou falo publicamente sobre o assunto. (Aliás, pedi o consentimento dele para escrever e ele foi o primeiro a ter contato com esse texto.)
Aos poucos, Jonathan, esse é o seu nome, se ambientou, dominou o trabalho e fez amizades. Ele começou fazendo controle de qualidade de imagem e conteúdo dos sites de alguns clientes. Mas o caminho teve seus percalços. Ele não soube lidar com um feedback mais duro e quase perdeu a cabeça. Bebeu mais do que devia na festa de fim de ano da empresa e perdeu prazos de entrega de trabalhos.
Conversamos e, aos poucos, fui me afastando. Nova área, novo chefe, nova responsabilidade e, finalmente, iniciando sua carreira na área de projetos, cuidando de cronogramas, prazos e entregas. Solto na vida corporativa. Sem a minha presença por perto. O primeiro feedback positivo de um cliente. O dente torto arrumado pelo uso de um aparelho ortodôntico. A roupa puída dando lugar às camisas, calças e tênis novos. Vale-alimentação, vale-transporte e seguro-saúde.
Coisas que para quem nasceu na classe média são óbvias. Meros direitos – ou meras obrigações – para ele eram uma ponte para a dignidade. Para a autoestima. Jonathan entrou na faculdade e começou a namorar. Se formou em Marketing pela Uninove. Alugou um quarto próximo à agência. Primeira viagem pela CVC. Nascimento da primeira filha.
Já se passaram seis anos desde que o conheci. E aquele garoto frágil, escorraçado pela vida, com um futuro sombrio pela frente, que se apresentou em nossa primeira conversa, não existe mais.
Telefonei para amigos de outras empresas e os convenci a contratarem jovens da ONG Casas Taiguara, como eu fiz. Mas foi difícil escalar esse modelo porque há muitas questões envolvidas: dificuldade de adaptação, oscilações de comportamento por parte desses jovens, baixíssima qualificação profissional – muitas vezes, esses adolescentes não sabem ler.
E há também nossos próprios preconceitos, que não são simples de serem superados. Nem sempre ajudar é fácil. Mas ajudar é preciso. Porque, no fim das contas, estamos ajudando a nós mesmos. Ou você pensa que pode viver bem num país que vai mal? Que tranquilidade pode haver em sua vida com tanta gente desesperada à sua volta?
Se você não quiser dar a mão por compaixão, por solidariedade, por responsabilidade, estenda a mão ao menos para não perdê-la.
Em 2013, as Casas Taiguara promoveram uma revolução e criaram uma escola totalmente gratuita e focada no ensino do uso de ferramentas de marketing digital, ensinado coisas como links patrocinados, linguagem de programação, arquitetura de informação, modelagem 3D etc.
O CTC-Digital conta com o apoio de empresas, como Banco Safra, Catho, Facebook, Kroton, Multiplus, Ultra entre outras. O Interactive Advertising Bureau (IAB) e a Associação Brasileira de Agências Digitais (ABRADI) também são parceiros incríveis. Os alunos, provenientes de escolas públicas, passam por um rigoroso processo de seleção para entrar na escola e o curso de capacitação dura 6 meses.
No mês passado, o CTC-Digital formou 168 alunos. Eles não tiveram uma vida tão dura como o Jonathan. Mas, assim como ele, esses jovens recém-formados pelo CTC-Digital precisam de uma oportunidade. Uma oportunidade que pode estar agora sobre a sua mesa. Se você puder dar uma chance, o Leonardo aguarda seu contato (clique no link para enviar um e-mail ou ligue para 11 3105 7748) para lhe enviar os currículos dos melhores alunos. Posso lhe garantir: você não vai se arrepender.
O que eu aprendi nesse processo?
Aprendi que ter uma oportunidade é meio caminho andado. É o começo da caminhada, a porta de entrada, coisa que todos deveríamos ter.
E que todos deveríamos oferecer. É incrível o poder de cada ser humano de realizar e de se reinventar. Não podemos pré-julgar até onde uma pessoa pode chegar. Muito menos considerar que alguns não vão chegar a lugar algum. Ao contrário: com um pequeno empurrão inicial, com um pouco de estímulo e confiança, você pode influenciar o curso de uma vida inteira. Use essa força.
Aprendi a ter paciência. Os resultados demoram um pouco para aparecer. Mas quando eles irrompem, são irreversíveis. Trata-se de um bem sem volta que você faz. É preciso plantar para colher. É assim com negócios. E é assim com gente também. É preciso investir para obter retorno. E não há melhor retorno do que tirar alguém da marginalidade e incluí-lo na cidadania. Faça isso pelo país dos seus filhos.
Aprendi que temos que parar de olhar para longe e de reclamar, e que precisamos começar a olhar para perto, e operar microrrevoluções no nosso quintal, mudando o que está ao nosso alcance. Menos palavras de ordem e mais ação. Menos discussões inócuas nas redes sociais e mais gestos concretos.
Paulo Loeb, 40, é sócio e head de negócios da F.biz
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