Quando era criança, a artista e ilustradora Paloma Santos começou a andar nas pontas dos pés. Os pais a levaram a médicos, mas não conseguiram um diagnóstico. Chegaram até a ouvir que era frescura da menina…
Até a adolescência, ela continuou a andar dessa forma, quando passou, então, a usar muletas e, aos 22 anos, cadeira de rodas.
Apenas recentemente, Paloma, que está com 29 anos e vive na Zona Leste de São Paulo, descobriu ser portadora de uma síndrome vascular congênita rara que leva ao encurtamento dos tendões.
“Como eu não tive um diagnóstico logo de cara, cresci neste não-lugar — e foi um processo para me enxergar como uma pessoa com deficiência”
Quando entendeu isso, ela começou a pesquisar sobre o assunto e, na busca por se conectar com outras pessoas que viviam a mesma realidade, passou a fazer parte do Helen Keller, um coletivo feminista que luta pela construção de uma pauta política para mulheres com deficiência.
Formada em Artes Visuais, com técnico em Comunicação Visual, ela decidiu trazer essa questão para suas ilustrações (criadas digitalmente), como forma de divulgar e conscientizar sobre o tema da inclusão em uma sociedade ainda extremamente capacitista.
Hoje, dentre seus projetos e trabalhos que refletem sobre tema está a série “Princesas Reais”, em que as mais conhecidas heroínas da Disney são retratadas com alguma deficiência física.
Paloma conta que “não desenhava de forma espetacular” quando era criança. Nada a levava a crer que um dia seria ilustradora.
“Na adolescência, comecei a fazer uns desenhos meio dramáticos, mais como desabafo, não eram nada bonitos”, diz.
Foi apenas em 2011, ao entrar no curso técnico de Comunicação Visual — escolhido, na verdade, pelo interesse de Paloma em design — que ela conheceu melhor a técnica e começou a se desenvolver como ilustradora. Mas até aí, ela não mostrava suas criações para ninguém.
“Eu achava tudo ruim, não tinha muita autoestima, né? Só fui começar a divulgar meu trabalho quando entrei na faculdade”
Ela então criou, em 2015, o perfil Partes no Instagram. “Quando comecei, a ideia era ter um lugar de experimentação. Não era nada sério, eu não trabalhava com isso ainda. Mas entendi que a arte era uma parte muito grande de mim — por isso, o nome ‘Partes’.”
E SE A ELSA, DE FROZEN, USASSE CADEIRA DE RODAS E A BRANCA DE NEVE NÃO TIVESSE UM DOS BRAÇOS?
Quando começou a desenhar e postar as primeiras princesas com deficiência nas redes sociais, Paloma conta que tinha começado a estudar a fundo esta pauta.
“Nessa época, eu estava bem brava, porque percebi o quanto eu não me via representada nos lugares, o quanto eu cresci sem referências e como isso prejudicou a minha autoestima”
A partir disso, a ilustradora decidiu revisitar o que costumava assistir tanto na infância quanto na adolescência. “Definitivamente, não havia representação ali. E quando tinha, era de forma pejorativa.”
Ainda hoje, para Paloma, a Disney e a Pixar pecam neste aspecto. Mais recentemente, a Disney lançou o filme A Pequena Sereia, em que a protagonista Ariel é interpretada por Halle Bailey, uma atriz negra.
E na animação Luca, da Disney e da Pixar, aparece um personagem com o braço amputado (Massimo, o pai de Giulia e depois pai adotivo de Alberto), cuja caracterização felizmente não se limita a sua deficiência.
“Acho que a Disney evoluiu em algumas pautas, mas a nossa segue esquecida. A gente precisa lembrar que quem produz essas obras são estúdios com fins comerciais. Então, quando é interessante, eles usam o público LGBT, racializam… Acho que para eles ainda não é interessante comercializar personagens com deficiência”
Para ressignificar esse cenário, tanto para crianças quanto para outras adultas que não se viram representadas na infância, a artista decidiu se apropriar dessas narrativas e criou novas versões das princesas.
Assim, desenhou uma Branca de Neve negra, como ela, e com o braço amputado; uma versão de Mulan e de Moana com uma prótese na perna; a Merida, do filme Valente, usando andador; a Jasmine, de Aladdin, com muletas.
Já Pocahontas ganhou uma perna mecânica; Elsa, de Frozen, passou a usar cadeira de rodas; e até Mirabel Madrigal, uma heroína mais atual, do filme Encanto (que não é uma princesa), foi desenhada como uma pessoa com deficiência visual, utilizando óculos e bengala.
Paloma conta que conseguiu transformar em arte a raiva que sentia ao perceber o capacitismo estrutural e microagressões.
Para ilustrar essas frustrações, já chegou a se desenhar atropelando pessoas com a cadeira de rodas, reclamando de postes no meio da calçada e criando uma arte e um bottom com os seguintes dizeres “Meditando pra não bater em capacitista”.
“Teve época que eu brigava muito, ficava puta, mas estudar me fez devolver um pouco esse incomodo na forma de arte, como protesto e ato de resistência”
Hoje, diz, passou a ignorar certas atitudes, mas isso não significa que elas não continuem acontecendo.
“Tem muita coisa que é estrutural, como não conseguir entrar numa loja porque não tem rampa, postes no meio da calçada, guias que não são rebaixadas… Fora isso, já teve vezes em que fui ao médico e ele não falou comigo, mas com minha mãe, como se eu não fosse capaz de me expressar.”
Uma série de desenhos de Paloma chamada “PcDs Putos” ilustra bem como ela conseguiu transformar essa indignação em um trabalho irônico e provocativo.
“Essa série foi uma tentativa de entrar para o mundo das tirinhas, ainda não consegui, mas a ideia é mostrar que temos o direito de ser reclamões, porque ainda há muitos motivos para ficarmos bravos.”
Para além das artes no formato de prints, como as das “Princesas Reais”, Paloma também atua ilustrando livros, revistas, sites, cartazes e outros suportes, de acordo com a demanda do cliente.
Entre as publicações infantis que já ilustrou estão A (cor) da Sá, de Sabrina Vianna, e também o HQ infantojuvenil Núbia — meu nome não é especial, de Paulo Nogueira.
“Livro infantil é o que eu mais me divirto fazendo, porque é muito lúdico e pega nesse lugar de Paloma criança que não se viu nestas publicações. Consigo colocar representatividade nestas obras, então é bem bacana”
Ela também estampa suas artes no Manual Anticapacitista, de Billy Saga e Carolina Ignara, no livro Tá todo mundo rindo, de Desiree Helissa, e na capa de Sintonizados, de Priscila Brito.
A artista já foi convidada para ilustrar um cartaz da série The Good Doctor (Globoplay), que ficou exposto no metrô Consolação e, mais recentemente, também foi chamada para criar uma arte para a série Special, da Netflix.
“O trabalho do The Good Doctor foi um dos mais marcantes para mim, porque foi o primeiro job em que fui bem remunerada. E aí, pensei: nossa, estão me valorizando, enfim! Também fiquei feliz pela visibilidade de como mulher com deficiência ter meu trabalho exposto no metrô”
O circuito de exposições também esta no radar da artista, que fez uma releitura da cantora Elza Soares, exposta no Teatro Municipal de São Paulo durante a comemoração ao centenário da Semana de Arte Moderna. Ela colaborou ainda com a mostra Estamos aqui, que esteve em cartaz no espaço Cultural Cita (ocupação independente no Campo Limpo) e com a Corpos sem filtro – Narrativas Visuais de Mulheres com deficiência, do Memorial Minas Gerais Vale, em Belo Horizonte
Além da temática da inclusão de pessoas com deficiência, Paloma busca inserir em suas obras outras formas de representatividade relacionadas a sua vivência como pessoa negra e parte da comunidade LGBT.
“A pauta que eu realmente peguei pra mim foi a do capacitismo e das pessoas com deficiência. E aí, das outras questões, estou me apropriando de forma mais sutil. Quem olha meu Instagram vai ver personagens racializados e casais de mulheres, por exemplo.”
Se manter como artista no Brasil ainda é uma batalha para Paloma.
Como ilustradora freelancer, ela realiza ou já realizou trabalhos com recorrência para alguns clientes, como o Portal Lunetas, a consultoria 7.1 e a ONG Childhood. E está sempre aberta a novas demandas.
Outra forma de vender suas artes é participando de evento deste nicho, como a Perifacon, a CCXP, a Miolos e a Printa-Feira (o evento acontecerá entre 16 e 17 de dezembro no Sesc24 de Maio, em São Paulo, e é o último do ano do qual Paloma irá participar).
A artista também tem uma lojinha online, onde vende prints, adesivos, cadernos e bottons com estampas e ilustrações criadas por ela. E ainda mantém uma campanha de financiamento coletivo no site Apoia.se, na qual os apoiadores podem contribuir com valores mensais e receber como recompensas artes de sua autoria para baixar, usar de forma digital ou imprimir.
Mesmo com tantas frentes, ela diz que ainda é um desafio sobreviver com suas criações. “Uma vez por mês, eu penso em prestar curso público, por que não?”, diz. Desafio maior do que vender, no entanto, é precificar seu trabalho.
“Isso entra muito na questão da autoestima. Tive que levar este assunto até para a terapia. Mas é mesmo muito difícil cobrar o que realmente a arte vale”
Por enquanto, Paloma não faz grandes planos, mas tem sim um desejo latente. “Quero conseguir me manter, ser autossuficiente para não ter que me viabilizar de tantas formas. E claro, desejo chegar em mais lugares, seja por meio de ilustrações em livros ou em outras plataformas.”
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