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Ela apostou na carreira como gamer, encarou o machismo e hoje é sócia de agência e dona de um dos maiores times de eSports do país

Kaluan Bernardo - 12 jun 2024
A empresária e streamer Nicolle Merhy, mais conhecida como Cherrygumms (fonte: Instagram).
Kaluan Bernardo - 12 jun 2024
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Começamos a conversa falando sobre videogames, é claro. Nicolle conta que está jogando um novo game de tiro, Xdefiant, mas que seu coração sempre estará com Rainbow Six Siege. Confessa, inclusive, que adoraria voltar a ser uma jogadora profissional de R6, sigla pela qual o jogo é mais conhecido.

Quem ouve pode achar que são apenas dois nerds conversando; mas não. Esse é o começo da entrevista com Nicolle Merhy, uma das empresárias mais consolidadas no mercado brasileiro de esportes eletrônicos, ou eSports

Cherrygumms, como é conhecida na comunidade gamer, tem apenas 27 anos e acumula predicados em seu cartão de visitas: CEO do time Black Dragons, primeira embaixadora de videogames da Nike no Brasil, eleita destaque como uma das Forbes Under 30 e sócia do Grupo Dreamers, holding que reúne empresas como Artplan, Convert e Rock in Rio. 

Foi com o Grupo Dreamers que Nicolle lançou a Game Code, uma empresa especializada em construir pontes para marcas que queiram entrar no mercado gamer. “Somos uma agência completa”, diz Cherrygumms. “Fazemos desde conexão com influenciadores, campanhas 360 etc.”

Nossa conversa aconteceu na sede do grupo Dreamers, na Vila Olímpia, em São Paulo. Por quase duas horas, Nicolle falou sobre o início da sua carreira como jogadora profissional, as apostas para o mercado de esportes eletrônicos e os desafios de ser uma mulher em um dos mercados mais conhecidos pelo machismo: o de videogames. 

O MERCADO BRASILEIRO DE ESPORTS VEM BOMBANDO E DEVE MOVIMENTAR MAIS DE 100 MILHÕES DE DÓLARES EM 2024

Videogame não é nicho faz tempo. Segundo a Pesquisa Game Brasil 2024, 73,9% da população brasileira afirma jogar algum tipo de jogo digital (independente da frequência ou da plataforma). 

Dentro desse universo, 85,4% afirmam que jogos eletrônicos são uma das suas principais formas de diversão e 66,2% dizem que acompanham eSports. A pesquisa revela ainda que o público gamer no Brasil é diverso: 50,9% são mulheres, 60,6% têm mais de 30 anos e 52,4% se consideram pardos ou negros. 

Os números ajudam a entender por que o mercado brasileiro de eSports deve movimentar 104 milhões de dólares em 2024, de acordo com dados da Statista Market Insights, e por que há tantas marcas querendo entrar na festa. 

Ter um time de eSport pode ser tão lucrativo quanto ter um time de futebol. A Black Dragons, no momento, é patrocinada por marcas como Bauducco e Boticário. Além da publicidade, as equipes lucram com os prêmios e o apoio da comunidade de fãs. 

NICOLLE JOGAVA E TRANSMITIA POR DIVERSÃO, ATÉ CONQUISTAR UM PATROCÍNIO, LARGAR A FACULDADE E APOSTAR NA CARREIRA GAMER

Hoje, um(a) ciberatleta (ou pro player, termo mais usado no meio) é um(a) profissional cada vez mais valorizado(a). Mas não foi do dia para a noite que chegamos aqui. 

A Black Dragons, da qual Cherrygumms é dona, por exemplo, foi criada lá atrás, em 1997 (quando a própria Nicolle era ainda uma recém-nascida). E enquanto o mercado se desenvolvia aos poucos, ela foi trilhando a sua trajetória. 

“Comecei jogando aos 6 anos, com meu pai. Logo fui para o Quake [jogo de tiro em primeira pessoa] e fui me tornando uma das mais conhecidas”

Foi em 2014 que Nicolle entrou para a Black Dragons, que na época era apenas um clã de jogadores. 

Dois anos depois, com seu ex-namorado, ela se tornou sócia da equipe e passou a tratá-la como empresa. Foi em 2016 que percebeu que o jogo estava sério. 

“Saí na ESPN. Só dois brasileiros haviam saído lá: coldzera e FalleN. Do nada, apareceu a Cherrygumms, uma garota, falando para outras meninas não desistirem… Chorei, mostrei para minha mãe e nos abraçamos”

Nessa época, apesar do incentivo, Nicolle levava o jogo mais como diversão enquanto estudava direito no Rio de Janeiro, onde vivia. 

“Fazia minhas artes para o YouTube, transmitia tudo sozinha”, diz. “Mas veio o primeiro patrocínio, de uma loja de informática, por 500 reais. O jogo mudou.” 

Vieram outros patrocínios e, aqueles jogadores que só se reuniam por diversão agora eram profissionais com salário. 

Nesse momento, Nicolle, com 19 anos, largou a faculdade, o Rio, e veio para São Paulo começar a vida de jogadora profissional e dona de time.

ENQUANTO COMPETIA EM LIGAS MISTAS E DERROTAVA GRANDES STREAMERS, ELA LIDAVA COM ATAQUES E COMENTÁRIOS MACHISTAS

Em 2024, é comum ver times femininos de eSports. A própria Black Dragons tem um masculino e um feminino. 

Diferentemente dos esportes físicos, nos videogames as diferenças biológicas não influenciam as jogadas de homens e mulheres. Mas, ainda assim, foi necessário criar torneios femininos para garantir ambientes seguros para as atletas jogarem. 

Quando Nicolle começou, o cenário era outro. Por isso ela competia em ligas mistas. E não demorou para começar a enfrentar as consequências do machismo. 

“Lembro da primeira vez que chorei por conta do preconceito. Chorei muito, não queria levantar da cama, não queria ir treinar. Eu tinha 19 anos, e comecei a ler os comentários mais escrotos possíveis” 

Sua performance a colocava em evidência e a tornava um alvo para os ataques:

“Eu era a garota que estava em alta, no competitivo, ganhando de grandes streamers, mandando bala em todo mundo… Então começaram a fazer vídeos sobre mim, sobre meu gameplay, me atacando.”

Além disso, havia sempre comentários sobre sua aparência — elogiosos ou não. 

“Você não vê esse tipo de comentário quando é com um homem. Quando o FalleN vai e ganha, ninguém fala ‘nossa, que homem bonito’. Falam que ele é bom, que ele é ‘baludo’, mas não que é bonito. Eu, quando ganhava, já viam dizer que era gata e não sei o quê…”

Isso, obviamente, afetava de alguma forma seu desempenho. E, como resposta, a audiência dos times rivais atacava ainda mais Nicolle. Era um ciclo que se retroalimentava, embora ela continuasse em alta nos torneios. 

O cenário mudou e, na posição de empresária, Nicolle consegue olhar com outra postura. 

“Hoje olho diferente para isso e fico feliz quando vejo alguém vencendo. Mas com 19, comentavam tudo sobre a minha vida. E na época eu me expunha, gostava de atenção. Hoje vivo uma fase completamente diferente.”

HOJE, NICOLLE SE ENGAJA NA MISSÃO DE EVANGELIZAR AS MARCAS E AJUDÁ-LAS A INVESTIR NOS VIDEOGAMES

Ao falar sobre campeonatos internacionais, velocidade de games de tiro e a adrenalina da competição, Nicolle falava com empolgação e leveza. 

A primeira vez que a palavra pressão surge na conversa é quando ela começa a falar sobre a fase atual, de sócia de uma agência de publicidade. 

“É um momento de muita pressão, muitas responsabilidades. É difícil manter a empresa aquecida”

Além dela, há quatro funcionários na Black Dragons e 12 atletas. Já na Game Code, são mais sete colaboradores para gerenciar. 

Além do time da Black Dragons e da agência Game Code, Nicolle também trata sua marca pessoal, a Cherrygumms, como um produto — afinal, são mais de 246 mil seguidores no Instagram e 466 mil inscritos no YouTube. 

A agência, inclusive, surgiu em um momento em que Nicolle estava procurando investidores para a Black Dragons. “A Artplan estava tentando ganhar expertise nos games e nos encontramos no meio do caminho”, diz.

Com a agência, o time e sua marca pessoal, Nicolle faz o trabalho de evangelizar marcas para ajudá-las a entender como investir nos videogames: 

“Eu estava falando agora com uma empresa que investe em sustentabilidade, música e esporte, mas que [ainda] estava estudando como entrar nos videogames. As empresas continuam nesse momento de tentar entender como as coisas funcionam. Nesse intervalo, elas estão perdendo tempo e dinheiro — porque o público gamer está aí, gastando”

Pouco depois da entrevista, a ex-jogadora de 27 anos, que largou a faculdade de direito para gerenciar um dos maiores times de eSports, iria para o Festival de Cannes na condição de jurada. 

“Eu entendo tudo. Não entendo os números, o ROI perfeito, não sou uma publicitária graduada, mas fui chamada justamente porque entendo do meu mercado, isso é a minha vida.” 

A dada altura da conversa, Antonio Fadiga, presidente da Artplan, entra na sala para dar um abraço em Nicolle e cumprimentá-la antes de viajar. Ao voltar para a entrevista, ela comenta: 

“É esse tipo de responsabilidade. Financeira, de gestão. Estou lidando com os maiores empresários do país e tenho 27 anos. Estou aprendendo a ter uma conversa de alto desempenho”

Para Nicolle, ela tem uma dívida com seus sócios e colaboradores, da Black Dragons e da Game Code: fazer o cenário de eSports no Brasil crescer ainda mais. “Para isso, precisamos botar a mão na massa e parar de nos criticar uns aos outros.”

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