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Ela criou uma startup de identificação de madeiras que poderá ajudar no combate ao desmatamento ilegal

Aline Scherer - 15 abr 2025
Fernanda Onofre, fundadora e CEO da Wood Chat.
Aline Scherer - 15 abr 2025
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Dona de uma das maiores biodiversidades do mundo, a Floresta Amazônica possui, a cada hectare, de 40 a até 300 espécies de árvores diferentes (em comparação, florestas em países de clima temperado não têm mais do que cinco a 25 espécies por hectare). 

Muitas dessas árvores são protegidas por lei. Outras, porém, podem ser derrubadas e comercializadas, dependendo do estado e desde que a espécie e o local de onde a árvore foi removida estejam devidamente identificados no Documento de Origem Florestal (DOF). 

Mas como garantir que aquela carga bate com as informações do documento? Para trazer mais confiabilidade a esse processo, a engenheira acreana Fernanda Onofre, 30, desenvolveu a startup Wood Chat.

A partir de uma foto da madeira ou de um corte transversal do tronco da árvore, a plataforma (dotada de visão computacional, machine learning e deep learning) lê a “impressão digital” da espécie, a partir de suas ranhuras, identificando seu nome e outras características, como o tempo de vida. 

O usuário do sistema ainda pode tirar dúvidas sobre por meio de um chatbot com IA Generativa

SEGUNDO A EMPREENDEDORA, A IA DA WOOD CHAT APRESENTA 98% DE ACURÁCIA NAS IDENTIFICAÇÕES 

A Wood Chat foi criada há menos de um ano.  Fernanda explica que a solução chega para facilitar um trabalho que hoje é realizado a olho nu:

“As madeireiras costumam ter um engenheiro florestal que faz o reconhecimento da espécie na hora em que a árvore sai do manejo florestal, e na hora em que chega ao pátio e é preparada para seu destino final”, afirma. “Quando a carga passa na Polícia Rodoviária Federal, também é feito um reconhecimento.”

A Wood Chat pode vender sua tecnologia para ambas as partes, e também para terceiros que comprarem as madeiras, como importadoras europeias, aumentando a agilidade e acurácia da identificação para os trâmites legais. 

“Nesses processos podem ocorrer discordâncias que precisam ser analisadas em laboratório. Enquanto isso, a carga, que já está paga pelo consumidor final, fica presa e tem atraso na sua entrega… Além da multa milionária a que a empresa é submetida, até que se consiga provar quem estava errado, o Ibama ou a madeireira”

A IA da Wood Chat, segundo Fernanda, apresenta até aqui 98% de acurácia nas identificações; para isso, foi necessário construir um banco de dados de 2 mil imagens de cada espécie catalogada.  

Até o momento, cinco madeireiras estão utilizando a ferramenta por meio de assinaturas que variam de 250 reais a 5 mil reais, conforme o volume de espécies identificadas e fotos enviadas.

ELA DECIDIU DESBRAVAR UMA ÁREA AINDA DOMINADA PELA PRESENÇA MASCULINA

Criada em Rio Branco, capital do Acre, Fernanda chegou a cursar um ano de arquitetura, antes de trocar a faculdade por outra em que as mulheres ainda costumam ser minoria: engenharia civil.

Enquanto estudava engenharia na Uninorte (eram 16 mulheres entre 120 alunos), Fernanda conta que penava para conseguir um estágio:

“Por ser mulher e jovem, às vezes, as pessoas não nos levam a sério. Mas eu parava nas obras e pedia estágio sem remuneração, porque aí era mais fácil para eles me deixarem ficar lá todo dia”

Ela era a única mulher nas primeiras obras em que trabalhou. Formou-se em 2020 e depois foi indicada para um cargo comissionado na Prefeitura de Ji-Paraná, em Rondônia, num projeto de pavimentação, sua especialidade. 

Um dia, de férias no Guarujá, litoral paulista, Fernanda conheceu seu futuro marido, Miguel Isoni Filho, cofundador de duas empresas de tecnologia — a Fabwork e a Neoron — com sede em João Pessoa, na Paraíba. “E aí a gente ficou namorando a distância.” 

Fernanda se casou e foi morar na capital paulista, trabalhando na área comercial da Neoron, empresa especializada em chatbots.

EMPREENDER A WOOD CHAT FOI UMA OPORTUNIDADE DE SE RECONECTAR ÀS RAÍZES

Um dia, conversando com outra pessoa da região Norte no InovaBra, ficou sabendo de um edital que buscava soluções tecnológicas e sustentáveis para a Amazônia.

Era o edital do Programa Prioritário de Bioeconomia (PPBio), uma iniciativa da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa); coordenada pelo Idesam, com o apoio do Manaus Tech Hub, visa fomentar investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) para a geração de novos produtos, serviços e negócios na área da bioeconomia. 

Ao saber do edital, Fernanda convidou o irmão (Fabio Onofre, desenvolvedor), o marido e a equipe da Neoron para participar do desafio e criar um protótipo que reconhecesse espécies de madeira dentro do WhatsApp.

A primeira prova de conceito foi validada numa madeireira no interior do Amazonas indicada pelo Manaus Tech Hub, a Mil Madeiras, pertencente à Precious Wood Holding, empresa suíça de capital aberto. 

Quinta maior madeireira do Brasil, a Mil Madeiras tem suas atividades certificadas pelo FSC (sigla em inglês para Conselho de Manejo Florestal) desde 1997, sendo a primeira com certificação na Amazônia. Fernanda diz:

“Validamos a tecnologia, a Suframa nos apresentou para o Sebrae Acre, em Rio Branco, e o que era um projeto de pesquisa virou uma empresa”

Além da chance de empreender, era uma oportunidade de Fernanda trabalhar com algo relacionado ao seu estado natal.

EM UMA FEIRA DE AGRONEGÓCIOS, FERNANDA USOU CRIATIVIDADE PARA ATRAIR O PÚBLICO AO SEU ESTANDE

Logo no início da trajetória da startup, Fernanda foi convidada pelo Sebrae para participar da ExpoAcre, maior feira de agronegócios do estado, realizada em setembro do ano passado.

Levar somente pedaços de madeira das duas únicas espécies cadastradas até ali não chamaria muita atenção, ela pensou. 

“Percebi que naquele contexto o reconhecimento da madeira não servia para eu fazer conexões. E tudo acaba girando em torno de conexões”

Desde agosto, as queimadas na Amazônia vinham gerando uma fumaça que cobriu o Brasil, do Acre até o Sul, além da fumaça de incêndios na Mata Atlântica. A empreendedora então teve a ideia de criar um chatbot de conscientização ambiental, e o batizou de Violeta. 

No evento, Fernanda sorteou um vinho e duas taças para os visitantes que participassem de um quiz pelo celular; por trás havia a tecnologia do ChatGPT configurada para responder perguntas sobre a Amazônia e o Acre, além de fazer recomendações educativas. 

“Eu queria fazer algo que envolvesse as pessoas, para que elas se interessassem em conversar comigo. Sobretudo porque nesta época era justamente a época de queimadas, de seca, em que pessoas queimam a floresta para fazer pasto, porque o agronegócio é mais forte [do que a bioeconomia]”

Assim, conseguiu atrair visitantes para seu estande, fazer com que eles salvassem o contato da Wood Chat no Whatsapp, e ampliar seu banco de dados de contatos locais para usar em futuras iniciativas.  

DA EXPOACRE AO WEB SUMMIT, EM PORTUGAL, ELA FOI FAZENDO NETWORKING E DANDO VISIBILIDADE À EMPRESA

Entre os visitantes da ExpoAcre estava o engenheiro florestal Jorge Viana, ex-senador, ex-governador do Acre, ex-prefeito de Rio Branco e hoje presidente da Apex Brasil, a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos.

Assim, a Wood Chat apareceu num post nas redes sociais da Apex, e Fernanda foi convidada para participar do programa Mulheres e Negócios Internacionais, iniciativa para ampliar a inclusão de gênero nas relações comerciais. 

Também passou em um programa de mentoria da agência e num edital que patrocina a ida de empresas a eventos. Foi assim que conseguiu participar do Web Summit Lisboa, em Portugal. 

“Meu estande era o primeiro no pavilhão Brasil, da Apex Brasil, no Web Summit Lisboa. Aí, eu já usei a Violeta para conversar com as pessoas em inglês e foi outro sucesso, muito bom para fazer contatos com as pessoas da Europa, dos Estados Unidos, da Austrália”

A frente de chat fez ainda mais sentido quando a Wood Chat ganhou o desafio Whatsapp pela Amazônia, criado pela Meta Plataformas, em parceria com o Instituto de Tecnologia e Sociedade

O prêmio foi o equivalente a 250 mil reais em serviços – cerca de 1 milhão de conversas por mês, durante um ano, no Whatsapp Business, facilitadas pela Turn.io, plataforma que ajuda organizações a usar apps de mensageria para gerar impacto social.

A Wood Chat também participa do Sinapse Bio, de pré-incubação da Fundação Centro de Referência em Tecnologias Inovadoras (CERTI), em parceria com instituições financeiras para  impulsionar o empreendedorismo inovador na região da Amazônia Legal. A startup recebeu 60 mil reais de recursos não reembolsáveis, além de capacitações e suporte.

“A gente conseguiu usar pra comprar um novo computador pra mim, pagar um desenvolvedor, além de uma designer e uma especialista em marketing.” 

UM DOS DESAFIOS É FORTALECER A BASE DE DADOS E ESCALAR A QUANTIDADE DE ESPÉCIES HOMOLOGADAS PELO SISTEMA

A ambição de Fernanda é tornar a Wood Chat uma certificadora e fazer a rastreabilidade da madeira. Para isso, precisa chamar a atenção do Ibama, a autarquia federal de proteção do meio ambiente, e aumentar de forma robusta a sua base de dados. 

Por enquanto, 16 espécies de madeira podem ser reconhecidas pela Wood Chat, e a meta da empresa é que até o fim do ano haja 100 espécies homologadas no sistema. Mas para ser uma certificadora, vai precisar ter todas as 300 espécies, reconhece a empreendedora. 

Até aqui, a startup contou com doações de amostras de 20 espécies por parte das madeireiras com as quais já trabalha. Com a parceria do pesquisador Francisco Tarcísio Mady, professor do Departamento de Ciências Florestais da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), especialista em anatomia, identificação, física, química e preservação da madeira, Fernanda vem aprendendo mais sobre madeira e floresta:

“Ele tem um laboratório de madeira dentro da UFAM. E quando a gente fez contato ele, de imediato, abraçou o projeto, adorou. É um profissional que recebe muitas dessas espécies de cargas que ficam presas, o Ibama envia para ele para fazer o reconhecimento”

Hoje, Fernanda vive em Rio Branco, onde fica a sede da Wood Chat, participa da Aquiri Valley, comunidade de startups no Acre, e busca influenciar o ecossistema local

Ela conta que, quando o Sidia (Samsung Instituto de Desenvolvimento de Informática para Amazônia, com sede em Manaus) manifestou o interesse em fazer uma parceria para se tornar desenvolvedor em IA de sua startup, em um novo hub do Instituto em Porto Velho, Rondônia, Fernanda solicitou criação de um novo hub também em Rio Branco. 

“Assim, aumenta a inovação aqui”, diz a empreendedora. “É preciso adquirir a visão e a consciência de crescermos juntos. Ecossistema não tem dono.”

 

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