Quando Mari Pavan conversou com o Draft pela primeira vez, em 2019, seu projeto — o Agiliza Lab, que ensina técnicas de manutenção residencial com foco no público feminino — já tinha capacitado mais de 600 pessoas ao longo de dois anos de atividade.
Naquela época, Mari trabalhava em parceria com estúdios e coworkings paulistanos para realizar seus workshops, além de ministrar cursos em unidades do SESC e empresas de São Paulo.
De lá para cá, muita coisa mudou. Em março de 2022, a empreendedora inaugurou sua sede própria na Vila Romana, Zona Oeste de São Paulo. Outra novidade foi o lançamento do curso online, no final de 2020. Mari, a princípio, não cogitava a ideia de uma oficina remota:
“Sempre fui muito resistente em fazer uma versão online porque eu falava que o valor principal do workshop era colocar a mão na massa e aquilo de estarmos juntas compartilhando histórias”
Ela acabou tendo que rever esse posicionamento devido às restrições impostas pela Covid-19. “Com a pandemia, muita gente começou a me escrever dizendo, por exemplo, que o chuveiro tinha quebrado e que não conseguia consertar ou que tinha medo de chamar alguém de fora para arrumar…”
O Agiliza Lab expandiu seu alcance. Hoje, mais de 2 500 pessoas já passaram pela formação, novos formatos foram criados e o projeto chegou a outras cidades (este ano, há turmas previstas para Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Curitiba). O que permanece igual é o propósito que move Mari Pavan.
Na conversa a seguir, a empreendedora conta como o projeto cresceu e tomou corpo, compartilha as novidades de 2025 e revela o sonho de levar essa formação para crianças e adolescentes dentro das escolas:
O Agiliza Lab passou por diversas mudanças desde que você conversou com o Draft em 2019. Quais são os destaques dessa jornada?
O Agiliza cresceu para os lados, tanto em termos de produtos quanto de atuação territorial. No caso do curso de manutenção “Deixa Que Eu Faço”, ele se mantém acontecendo mensalmente, às vezes duas [vezes por mês], mas foram feitas algumas mudanças no conteúdo porque foram aparecendo demandas.
Estou falando, por exemplo, de dúvidas que muitas mulheres perguntavam e que não necessariamente estavam na programação do curso. Então, fiz um ajuste no conteúdo para conseguir cobrir as principais dúvidas e necessidades de consertos que as pessoas têm em casa.
Um passo muito importante foi a sede presencial. Naquela época, os cursos aconteciam de maneira itinerante: eu alugava um lugar ou fazia parceria para realizar os workshops. Já fiz em galpão, escola de yoga, coworking… Cada mês era em um lugar diferente
Desde março de 2022, o Agiliza passou a ter uma sede própria, onde fica o estoque e acontecem os cursos. Virou a casa do Agiliza.
Imagino que ter uma sede facilitou a execução dos workshops…
Completamente! A minha lombar nunca me agradeceu tanto na vida porque não era fácil carregar entre 130 e 150 quilos de material cada vez que ia realizar um workshop… Nossa!
Além disso, a sede facilitou a realização de cursos não programados. Então, vamos supor que você fale que fechou um grupo de amigas e quer fazer nosso workshop amanhã: eu consigo atender essa demanda. A sala está pronta!
Hoje, existe uma estrutura desenhada para receber um workshop e outros formatos quando for necessário.
Além do espaço físico, o Agiliza ganhou um “espaço digital”, correto?
No finalzinho de 2020, nasceu o curso online — que foi uma surpresa para mim. Sempre fui muito resistente em fazer uma versão online porque eu falava que o valor principal do workshop era colocar a mão na massa e aquilo de estarmos juntas compartilhando histórias.
Essa potência do grupo presencial é muito significativa, mas, com a pandemia, muita gente começou a me escrever dizendo, por exemplo, que o chuveiro tinha quebrado e que não conseguia consertar ou que tinha medo de chamar alguém de fora para arrumar… Então, apareceu todo um contexto de demandas.
Eu recebia muita mensagem de gente que dizia que adorava meu conteúdo no Instagram e que gostaria de aprender comigo, mas que morava em Recife ou fora do Brasil, na Alemanha, por exemplo. Me perguntavam se não tinha outro jeito de participar… e foi quando comecei a ajustar a metodologia para transformar aquela experiência presencial num curso online
As aulas foram gravadas seguindo uma lógica de ensinar pessoas que nunca tinham encostado em uma ferramenta. A ideia era construir um processo para que os participantes pudessem ganhar familiaridade com as ferramentas e as técnicas mesmo sem ter alguém junto com eles – começando com consertos mais simples e, à medida que iam ganhando confiança, aprendendo sobre os mais complexos.
Assim como no presencial, a versão online tem toda a parte de ensinamento teórico, com materiais complementares, e dá para tirar dúvidas pela plataforma. Foi muito legal ver esse novo formato funcionando e perceber o interesse de mulheres que moram fora de São Paulo.
Fora essa demanda de saber fazer consertos em casa, a pandemia atraiu mais interessados por conta do boom de projetos de reforma durante o período de isolamento?
Sim! E acho que isso despertou minha atenção para um braço novo de atuação nas empresas.
As mulheres se interessam pelo conteúdo do Agiliza Lab, seja motivadas pela questão de poder fazer pequenos consertos em casa, seja para saber lidar com os profissionais da área, seja pela autonomia de repaginar uma parte da sua casa. Existem vários motivos, mas o ponto é que existe esse interesse.
Então, a provocação é: por que não exploramos isso dentro das empresas? Por que, em vez de dar bombom ou flor, uma empresa não realiza um workshop como o do Agiliza? Nada contra o bombom ou a flor, mas tem mulher que gosta de elétrica, tem mulher que gosta de furadeira…
A ideia é trazer um evento que não só gere um diálogo mais qualificado sobre interesses femininos, como entregue um aprendizado que ela vai usar na vida.
Outra forma que temos trabalhado no meio corporativo é com workshops de team building. Fizemos um no ano passado com uma turma grande, em torno de 90 pessoas de uma empresa. Nessas ocasiões, conseguimos trabalhar o desenvolvimento das pessoas, o entrosamento entre o time e o aumento da comunicação entre as áreas.
Como venho de um histórico profissional que envolveu inovação social e facilitação de diálogos, fazer esse tipo de evento em empresas acaba funcionando muito bem.
Você comentou que outra grande mudança foi a expansão. Quando esse processo começou?
Primeiro, foi no Rio de Janeiro em 2019. Cheguei lá por conta do pedido das pessoas. Quando falava nas redes sociais sobre os cursos, muita gente pedia para o Agiliza ir para o Rio, até que decidi estudar a possibilidade e criei uma lista de interessadas.
Como tinha bastante gente, comecei a procurar espaços, porque um dos desafios é a especificidade do local. Preciso de uma estrutura para usar furadeira elétrica, um lugar que possa receber pó, esses resíduos do workshop… Aí, acabei encontrando um lugar por indicação de uma amiga
Quando veio a pandemia, parei de ir para lá fazer os workshops e voltei com essa programação em 2023. Esse ano, já tenho turmas previstas para o Rio, além de Belo Horizonte e Curitiba. O caminho para chegar nesses dois destinos foi bem parecido com o Rio.
Em algumas dessas cidades, nós realizamos cursos dentro do Sesc — o que acho muito bacana porque pega um público que, às vezes, é diferente do que me segue nas redes sociais. Dependendo do Sesc, tem uma faixa etária de senhoras que chegam na oficina e falam “como é que eu nunca soube disso aqui?!”
Algumas contam que ficaram viúvas ou se separaram e, agora, se veem às voltas com o desafio de cuidar de uma casa, ficam na dependência de alguém para fazer tudo. Por isso, elas queriam aprender com alguém para conseguir, elas mesmas, resolverem algumas coisas.
No Agiliza Lab, existe o cuidado de adaptar o conteúdo técnico para que se torne mais acessível. Como fazer isso considerando esse público tão diverso, com nível de conhecimento variado e faixas etárias diferentes?
Eu coloco muito esforço e cuidado na hora de fazer esses ajustes de termos que são muito técnicos e, às vezes, muito “duros”. O objetivo é simplificar, mas sem ser simplista.
Algumas preocupações que nos guiam são: como fazer um ajuste para que aquele conhecimento seja compreendido pela pessoa? Como essa pessoa pega a teoria que aprendeu e aplica na casa dela? Porque ela pode compreender na teoria, mas chegar em casa e não entender como aquilo acontece na tomada dela, por exemplo. Então, tem um ajuste e um cuidado muito grande na didática.
Uma coisa que me deixa muito feliz em cada turma é o reconhecimento desse esforço. Ouço depoimentos como “Nossa, eu estudei isso no ensino médio e não entendi nada, mas agora, dessa forma que você explicou, eu finalmente entendi”.
Acho que os materiais que produzimos ajudam muito. Muitas das coisas que fazemos no workshop, no momento prático, são representações em diagramas do que essa aluna vai encontrar em casa.
A ideia do curso é tentar criar, ali, naquele momento em que estamos juntos, um ambiente o mais parecido possível com o que ela vai encontrar na sua casa. Por exemplo, se vamos ensinar sobre o conserto de uma torneira pingando, então, todo mundo recebe uma torneira, abrimos essa torneira juntas para ver o que tem lá dentro e o que está errado
Também é importante saber ler o grupo. Se é um grupo mais de senhoras, às vezes uma referência, um meme que está super em alta não vai fazer sentido. Então, preciso saber fazer ajustes nas brincadeira, nas analogias, na linguagem para que as pessoas fiquem confortáveis.
Uma premissa que é muito importante para mim é que as pessoas se sintam seguras e confortáveis. Isso envolve a parte técnica de oferecer um ambiente seguro, que a pessoa não vai levar um choque, mas tem [também] a segurança subjetiva da participante não se sentir de fora.
Ainda sobre as novidades: você lançou um segundo módulo do workshop “Deixa Que Eu Faço”. Como foi isso?
Esse ano, nasceu um módulo avançado, atendendo a uma demanda que eu recebia há uns dois anos. Muitas mulheres que saíam do curso falavam: “Beleza, e agora quando é próximo módulo?”. Então, eu tinha essa necessidade de montar um módulo 2 – e ele finalmente nasceu!
A primeira turma ficou agendada para fevereiro deste ano. Só pode participar quem já fez o módulo 1 porque a ideia é aprofundar vários temas que não tivemos tempo de detalhar na primeira etapa, como conceitos de hidráulica envolvendo descargas — tanto descarga de parede, quanto descarga de caixa acoplada.
Na grade de conteúdo, tem algumas dicas de montagem de móveis para quem quer se aventurar nessa área, e uma passada geral sobre outras ferramentas e ferragens. Tópicos como: qual é a diferença entre uma porca e uma arruela? Qual eu uso em cada momento?
Na parte de elétrica, vamos falar, por exemplo, sobre como duplicar o bocal de uma lâmpada, como fazer a instalação de plafon de LED e de luminárias de diferentes modelos, como duplicar tomadas com segurança, e assim por diante. A ideia é aumentar um pouco esse repertório que começou a ser formado lá atrás.
Vi que, no site, tem uma área de contatos de profissionais mulheres que fazem manutenção residencial. Como surgiu essa ideia?
Essa é outra coisa que apareceu de 2017 para cá. A lista é uma grande vitrine de mulheres que prestam serviço em áreas que costumam ser dominadas por homens, como elétrica, pintura residencial, mecânica… Enfim, coisas que instintivamente são associadas ao público masculino.
Ela nasceu quase de um acaso: eu conheci algumas mulheres que prestavam serviço nessa área por conta de um post nas redes sociais.
Por volta de 2019, fiz uma postagem dizendo que, como muitas pessoas me pediam indicação de profissionais mulheres, reuni algumas recomendações: tinha mulher que fazia carreto, que era eletricista, que trabalhava com pequenos reparos… Eram quatro ou cinco indicações de gente que eu conhecia.
Só que esse post explodiu! E as pessoas começaram a deixar comentários compartilhando indicações da cidade delas.
Foi aí que fiz um novo post explicando que a coisa tinha tomado outra proporção e seguido por um caminho que eu nem imaginava. Para organizar as informações, pedi para as pessoas concentrarem as indicações naquele novo post porque eu iria compilar tudo numa lista no site do Agiliza e disponibilizar o conteúdo
Depois, virou um formulário e o processo de entrada nessa lista ficou mais estruturado. Só é importante explicar que não se trata de uma lista com recomendações especificamente minhas. Está mais para uma planilha organizada por estado, cidade, tipo de serviço etc.
Quando você entra nessa planilha, vai ter acesso aos contatos da prestadora de serviço — o Agiliza não faz nenhuma intermediação, não recebe comissão, nada. A intenção é ajudar as mulheres a encontrarem prestadoras de serviço.
Você costuma dizer que aprende muito nas trocas com as alunas. Quais foram os seus maiores aprendizados ao longo dessa jornada?
O Agiliza faz oito anos agora em 2025. Ao longo dessa história, fui crescendo junto com as alunas. Cada turma tem mulheres com histórias diferentes e que vêm por motivos diferentes, com vontades e com dores diferentes — isso traz um crescimento pessoal, para mim, absurdo.
O Agiliza revela o poder que existe em efetivamente colocarmos a mão na massa e vermos as coisas funcionando. É enorme o impacto que isso tem no nosso senso de potência, de autoestima, de capacidade. Aquilo de falar ‘eu consigo fazer isso aqui, eu sou capaz’. Acho que isso é muito poderoso
Ao longo da história do Agiliza, atendemos mulheres de contextos socioeconômicos, faixas etárias, enfim, com características diferentes – mas muitas experiências são comuns às mulheres.
Por exemplo, essa coisa de, muitas vezes, você se sentir diminuída, se sentir questionada, se sentir meio boba quando vem um prestador de serviço e você não sabe exatamente se a conduta [dele] está correta ou se o preço é condizente…
Você pensa em levar esse tipo de experiência para um público mais jovem? Por exemplo, para crianças e adolescentes na escola?
Olha, é um sonho meu. Na verdade, acho que esses conteúdos deveriam ser incorporados na grade escolar! Eu queria muito levar para adolescentes, mas, antes, precisarei mexer na metodologia e ajustar o material. Fora a questão da equipe de apoio.
Hoje, na turma dos workshops, conto sempre com, pelo menos, uma profissional que me auxilia na dinâmica. No caso das escolas, seria necessário um número maior.
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