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Ela fez carreira ajudando a orientar políticas públicas a partir de dados. Agora, vai aplicar esse olhar para o impacto no setor privado

Marina Audi - 4 jul 2024
Adriana Conconi, diretora de dados e mensuração de impacto social da VR.
Marina Audi - 4 jul 2024
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Assumir um novo cargo cercada de muitas expectativas pode assustar. Porém, Adriana Conconi, 40, parece ter tirado o desafio de letra ao assumir a Diretoria de Dados e Mensuração de Impacto Social da VR. Ela chegou há dois meses à empresa com a missão de implementar a estratégia de gerar impacto a partir da inclusão social e do progresso de trabalhadores e suas famílias. 

Nascida na Argentina, a economista Adriana atuou por 13 anos em centros de pesquisas – entre eles OPHI (Oxford Poverty and Human Development Initiative), na Inglaterra; Harvard’s Center for International Development, nos EUA; e PNUD, a agência da ONU dedicada à erradicação da pobreza e à promoção do desenvolvimento sustentável. 

Seu perfil se alinhou com a intenção da VR de incluir o olhar de impacto na estruturação de novos produtos. Em entrevista à Istoé Dinheiro, em 2023, o presidente Claudio Szajman resumiu: “Hoje vemos uma oportunidade de aproveitar essa gênese e posicionar a VR como um ecossistema, de múltiplas formas de atuação, como uma companhia social”

Sobre a “gênese”: a VR surgiu em 1977 como uma organização privada que entregava dignidade alimentar. Fazia apenas um ano que o governo federal criara o PAT, o Programa de Alimentação do Trabalhador, que segue em vigor e visa melhorar a situação nutricional dos trabalhadores, promover a saúde e prevenir doenças profissionais por meio da concessão de incentivos fiscais para as empresas participantes.

A VR cresceu e virou sinônimo de categoria. Em 2007, vendeu sua carteira de clientes para a concorrente Sodexo, mas manteve a marca. Em 2013, decidiu voltar ao mercado de cartões de benefícios.

Em 2021, a companhia adquiriu quatro empresas: a Pontomais (atual VR Gente), de controle de ponto online; a Audaz (agora VR Mobilidade), que automatiza o processo de compra de vale-transporte e incentiva o uso de transportes alternativos; a Global Points (hoje VR Shopping), de soluções como cashback, programas de fidelidade e marketplace; e a VExpenses, de gestão de despesas corporativas.

Com a construção do ecossistema de soluções que apoiam o empregador e olham para a qualidade de vida de uma base de trabalhadores concentrada na classe C, a VR se reaproximou de sua origem. Houve um entendimento de que era primordial assinar o Pacto Global da ONU e comprometer-se com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – três em especial: Erradicação da Pobreza; Trabalho Decente e Crescimento Econômico; e Redução das Desigualdades.

Medir o impacto gerado na vida das pessoas também se tornou prioridade. É assim que o nome de Adriana Conconi entrou no radar da companhia. O foco dela, em sua carreira, sempre foi implementar, junto a governos, ferramentas de mensuração como o Índice de Pobreza Multidimensional (IPM), que inclui indicadores de saúde, educação e padrão de vida. 

A seguir, a nova diretora da VR fala sobre essa transição e seus desafios:

 

Após anos atuando em organismos internacionais e centros de pesquisa, você aceitou um cargo em uma empresa privada brasileira, a VR. Por quê?
É, de fato, diferente do que eu fazia antes, mas acho que é bem complementar. Minha trajetória é só um reflexo de uma transformação bem relevante, e talvez ainda maior, que está acontecendo – criar uma sociedade que tenta melhorar e desenvolver as nossas comunidades, para além das responsabilidades que têm os próprios governos.

A agenda de desenvolvimento da ONU, os 17 ODSs, fazem a diferença das agendas anteriores e botam o foco numa parceria multissetorial na qual os governos são ainda responsáveis, mas o setor privado tem um papel super relevante… e a sociedade civil, ONGs, todo mundo realmente contribui para levar esses objetivos para frente.

Minha pesquisa de mestrado [entre 2006-09, na Universidad Nacional de La Plata] já tentava entender a pobreza como uma problemática que não tem a ver só com falta de renda – que é obviamente central –, mas também com falta de acesso à saúde, escolaridade, problemas de moradia como falta de eletricidade, esgoto, água potável…

Para mim era muito importante ter vinculação com implementação, ter um impacto real na vida das pessoas.

Eu me lembro da época em que ainda fazia pesquisa na Argentina e meu pai – que é engenheiro e uma pessoa muito curiosa, com uma visão ampla e interessada no mundo – me perguntava: “Adri, alguém do governo lê esses relatórios, pesquisas e estudos que vocês fazem? Alguém está realmente usando isso para orientar políticas e ajustar as coisas?”

Isso foi algo que me marcou, sabe? Eu fiquei pensando… queria garantir que o meu próprio papel fosse relevante.

A pesquisa acadêmica tem uma relevância fundamental, porque é a base rigorosa de tudo que vai ser feito depois. Mas eu queria ser mais a ponte – traduzir essas evidências rigorosas e científicas em aprendizados que poderiam ser aplicados por pessoas que estavam no governo ou em instituições que podiam fazer diferença

Foi seguindo esse roteiro que eu cheguei em Oxford e tive a sorte de poder colaborar com muitos países. Isso foi o que me levou para a Harvard Kennedy School (HKS), porque eu quis justamente ir para uma das principais instituições de ensino e pesquisa em políticas públicas e administração pública no mundo. Para mim, aquele foi um espaço maravilhoso para engajar pessoas e aprender como levar as coisas um passo mais pra frente.

Passados dois anos, tive a oportunidade de ir pra ONU, trabalhar no escritório regional da PNUD para América Latina e Caribe. Trabalhei justamente como especialista em ODS, tentando avaliar, monitorar o progresso na região em termos de alcançar os objetivos e como os países podiam tentar ajustar o caminho para alcançar esses objetivos, melhorar a situação das suas comunidades e aliviar esses problemas de desenvolvimento que a região enfrenta.

De fato, os governos sozinhos não vão conseguir fechar ou reduzir essas brechas de desenvolvimento – que existem não só na América Latina, ou no Brasil, mas no mundo todo. Mas vai além disso: as empresas se envolverem nessa agenda de desenvolvimento abre oportunidades para elas crescerem, aproveitarem e se posicionarem também

Nesse sentido, isso aqui é, sem dúvida, diferente do meu caminho até aqui ou das minhas experiências anteriores, mas é complementar. Na VR, o que foi para mim particularmente atraente foi o nível de compromisso da liderança, em termos de torná-la uma empresa de impacto, reconhecida por colocar o trabalhador, as pessoas no foco das suas ações.

Quando falei com as lideranças da empresa ficou evidente o nível de compromisso nessa transformação. Senti que tinha um interesse real em tentar trazer metodologias científicas para orientar futuras ações baseadas em evidência rigorosa. Havia um interesse real em ser uma empresa inteligente que usa os dados para avaliar as suas iniciativas – e se vincular a essa agenda de desenvolvimento.

É um desafio tentar ver como encaixar a minha experiência anterior dentro desse novo âmbito.

Em termos de métricas, as que você observava antes com o IPM são diferentes das métricas que você vai ajudar a VR a olhar agora, porque se trata de um negócio, não de um governo. Imagino que isso talvez exija de você uma adaptação para olhar outras facetas. Concorda?
Claramente as métricas vão ser diferentes, ainda estamos desenvolvendo qual vai ser a metodologia de mensuração de impacto específica que será implementada nesse caso. Mas a ideia é que as metodologias podem ser implementadas em diferentes contextos.

O mesmo método pode ser usado no setor público para avaliar a eficácia de uma política pública ou ser implementado no setor privado para avaliar a eficácia de uma iniciativa que tenta melhorar a vida dos trabalhadores brasileiros

A VR tem um foco muito forte nos trabalhadores, tentando entender melhor as suas jornadas, acompanhar as necessidades, as dores que eles enfrentam em cada momento do dia e tentar oferecer uma plataforma de soluções para melhorar o acesso, que eles tenham soluções para empoderá-los economicamente.

Dentro dessa visão mais de impacto social, as mesmas metodologias e formulações científicas que se usa no setor público ou em centros de pesquisa podem ser aplicadas nesse contexto também, sem muito problema. É simplesmente adaptar um contexto a dados diferentes e a um olhar um pouco diferente.

Obviamente a empresa vai manter objetivos comerciais, que vão justamente complementar uma visão que tem a ver com a métrica de impacto social, que é a área que vou liderar.

Pouco se fala em IPM no Brasil. Fala-se mais em IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Agora que você vive aqui, consegue fazer uma análise mais acurada do porquê?
O IDH foi um índice criado pela ONU, justamente pela PNUD, nos anos 1990, para se ter uma visão mais holística do bem-estar das pessoas, olhando três dimensões: uma que tem a ver com PIB per capita; a expectativa de vida; e a escolaridade.

A ideia foi ampliar um pouco a visão e não olhar só para a renda, só para a parte monetária, e tentar atingir outras coisas relevantes na vida das pessoas. Havia o entendimento de que era uma concepção bem básica, mas era o possível com os dados disponíveis na época.

É um índice que tem sido atualizado todo ano pela PNUD desde então. Ele é super relevante, porque posicionou a ideia da necessidade de olhar para desenvolvimento, para nos desenvolvermos como pessoas, além do valor mínimo para não ser pobre.

Isso foi a fundação de muitas outras metodologias para avaliar bem-estar mais holisticamente. Há múltiplas medidas de bem-estar e de qualidade de vida e teve toda uma vertente de acadêmicos que olharam para a questão de pobreza multidimensional, olhando além da renda

Sabina Alkire, a diretora acadêmica do OPHI, desenvolveu uma metodologia com James Foster, um economista americano, para avaliar pobreza multidimensional, que virou um dos pilares [globais] para isto. Mesmo a ONU incorporou isso e, desde 2010, eles lançam junto com o IDH os resultados do IPM global, computado para mais de 100 países em desenvolvimento. E eu liderei essa pesquisa por alguns anos, em Oxford.

Em paralelo, tem o trabalho que todos os países ou governos locais fazem para criar suas próprias medidas, adaptadas a seus contextos. As dimensões de pobreza não serão as mesmas em Butão, na China ou no Brasil, porque as coisas relevantes para caracterizar pobreza são diferentes em cada contexto. Cada governo faz sua própria medida.

O governo do Brasil, como muitos outros países do mundo, ainda está mais focado na concepção mais tradicional de pobreza por renda. Tem um olhar para a falta de renda, até porque a entrega de muitos programas sociais está diretamente vinculada com dimensões que têm mais que ver com renda

Mas isso não é um problema: as medições de renda são incrivelmente informativas ainda. Obviamente, as medições multidimensionais complementam essa visão – e trazem outro ângulo. Tem muitas pessoas que, mesmo tendo o mínimo de renda para não ser pobres monetários, ainda estão em situações de privações muito sérias em outros aspectos da sua vida.

E só para te contar, tem tido vários esforços aqui no Brasil – tanto dentro do governo quanto em alguns centros de pesquisa – de fazer experimentos e pilotos aplicando essas mesmas metodologias multidimensionais, com diferentes fontes de dados.

Não existe uma medida oficial de pobreza multidimensional no Brasil, mas sim tem havido esforços e conversas nesse sentido. É algo que tem estado no radar de diferentes pessoas em diferentes governos nos últimos anos.

Eu acho que seria bem útil eventualmente ter uma ferramenta nesse sentido.

Você trabalhou durante muito tempo analisando o IPM e seus componentes. O quanto isso vai te ajudar a olhar para o que a VR pode atingir de impacto?
Eu acho que muitas das ferramentas mais metodológicas e científicas que têm a ver com avaliação, com mensuração, com análise de dados que eu usei tanto para o IMP quanto para outras pesquisas que eu fiz também de avaliação de impacto, vão ser bem úteis também no contexto da VR, porque são metodologias que podem ser implementadas nesse contexto também.

Outro elemento que vai ser bem útil é a minha experiência justamente em traduzir esses resultados mais científicos em conclusões, em insights para tomada de decisões de pessoas que não são técnicas.

Já tive conversas com mandatários, ministros, presidentes, secretários de Estado, tendo que explicar o índice de pobreza multidimensional, os resultados estatísticos – e nem todos eles conversavam tão diretamente com essas metodologias

O desafio era apresentar para eles – em termos simples, objetivos e comunicáveis – qual a relevância disto e como podia ser útil para a tomada de decisões.

Esse é o objetivo da minha área, agora na VR. É tentar avaliar os dados, trazer insights para a tomada de decisões estratégicas, em termos de como melhorar a vida dos nossos trabalhadores, como ter um impacto positivo na vida deles e de suas famílias.

Nesse sentido, me parece interessante você ter trabalhado tantos anos com o índice de pobreza multidimensional, porque se você olha mais facetas, ou mais dimensões que não só renda, provavelmente vai conseguir gerar insights para as áreas de negócios da VR proporem soluções que ainda não existem.
Exatamente, e de fato a plataforma de soluções da VR, que começou como um voucher alimentar, já evoluiu absurdamente. 

Agora [a empresa] tem soluções de mobilidade, solução que tem a ver com marketplace, solução de portais de RH, que tem a ver com cashback, que tem a ver com um monte de outras coisas que vão bem além da questão da renda.

A ideia é conhecer cada vez mais os trabalhadores, suas necessidades e fazer uma oferta de soluções que realmente acompanhe ele nas suas jornadas… tentando responder às necessidades que vão além da renda, que tem a ver com outras questões na sua dinâmica diária.

É resolver a dor que dói mais…
Exatamente, e que muitas vezes tem a ver com questões alimentares, questões de renda, mas muitas vezes vai bem além disso. 

O propósito da minha área é tentar colaborar em ter um melhor entendimento dos trabalhadores brasileiros da classe C e poder oferecer um pacote de soluções para facilitar a vida deles

Em geral, se faz o planejamento e as operações e, depois, se vê que estratégias de ESG se tem para compensar as nossas operações. Mas tudo tem de estar bem integrado, uma coisa conversando com a outra, para esses esforços adiantarem.

 

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