“Hoje, eu poderia me hospedar em praticamente qualquer hotel do mundo, mas a que custo?” O questionamento de Anna Laura Wolff, 30, não é sobre dinheiro, mas sim sobre busca por sentido.
Quando a pandemia começou, a jornalista já comandava um dos maiores blogs de viagens do Brasil – o Carpe Mundi, que acumula quase 7 milhões de visualizações por ano e que foi premiado pelo Concurso Europa de Jornalismo.
Em paralelo, faturava com o Programa de Associados do Airbnb, que pagava um percentual (entre 25% e 30%) sobre as taxas de anfitriões para influenciadores que indicavam acomodações e experiências da plataforma. A iniciativa, porém, foi encerrada em março de 2021.
O fim do programa foi o estopim para um novo começo: Anna Laura se uniu a outras duas jornalistas de turismo – Virginia Falanghe, 31, e Tati Sisti, 34 – e juntas elas criaram a Holmy, uma plataforma especializada em curadoria de aluguel de temporada que conecta hóspedes verificados aos anfitriões.
Para empreender a Holmy, o trio investiu 200 mil reais do próprio bolso. Com uma equipe totalmente feminina, o site tem hoje cerca de 12 mil usuários cadastrados e mais de 700 casas.
As hospedagens oferecidas são categorizadas por dezenas de filtros, como apartamentos, cabanas, casas na árvore, sobre rodas e vilas de luxo. Inicialmente, os destinos se concentravam na região Sudeste do Brasil; recentemente, a Holmy expandiu para o Sul e dois estados do Nordeste (Bahia e Alagoas).
A seguir, Anna Laura conta ao Draft sobre a nova empresa, e os prazeres e perrengues de quem trabalha como viajante “full-time”:
Como você começou sua carreira como jornalista? Em que momento resolveu trabalhar por conta própria, depois de passar pelas redações de publicações como CARAS Online e Viagem e Turismo?
Sempre quis fazer algo ligado a viagens internacionais. Fiz intercâmbio em Paris quando estava na faculdade de jornalismo, cursei um semestre do curso lá, focado em política e questões internacionais.
Quando voltei ao Brasil, consegui um estágio na Viagem e Turismo. Trabalhei na revista por quase dois anos, cuidando das redes sociais e, quando saí de lá, lancei o Carpe Mundi.
E o que impulsionou a criação do blog?
Na Viagem e Turismo eu já conhecia muita gente desse mercado, tinha os contatos, então já sabia tudo o que precisaria fazer. Eu cuidava do Instagram da revista e do meu perfil pessoal, que começou a crescer, então comecei a ter certa influência no assunto.
Na descrição do blog, você destaca o fato de ter um feed “milimetricamente pensado”. Na prática, como isso acontece? Há uma equipe para cuidar do blog e das redes sociais?
Realmente dou muito valor para estética, design, então, sempre afirmo isso, mas muita coisa vai mudando com o tempo, também. Tenho equipe no blog [de três pessoas], mas do perfil pessoal eu mesma cuido.
Qual foi o lugar mais caro onde você já se hospedou de graça, por ser influenciadora de turismo?
Eu fiquei na maior vila de bangalô sobre a água do mundo, a Private Reserve, nas Ilhas Maldivas, em 2018. Em baixa temporada, custa 15 mil dólares por noite.
Geralmente [esse tipo de viagem] acontece em parceria, com permuta. Às vezes tenho uma viagem programada para determinado país e começo a prospectar hotéis, entro em contato com representantes no Brasil, mas também costumo receber convites e acabo unindo o útil ao agradável.
Como você conheceu suas sócias? Já haviam trabalhado juntas antes de empreenderem?
Nós três somos jornalistas de viagem, já tínhamos blog e nos seguíamos.
No começo da pandemia, o Airbnb abriu um programa de afiliados, em que blogueiros e jornalistas eram comissionados.
Estava indo bem, tinha gente com equipe profissional só para isso, era algo realmente próspero. Aí, do dia para a noite, o Airbnb fechou o programa, o que acabou sendo um prejuízo para todo mundo que trabalhava com isso
Foi quando nós três nos juntamos e pensamos: “A gente tem tudo: público, expertise… então, vamos criar a própria plataforma”.
A Holmy tem a preocupação de oferecer curadoria especializada, com “suporte personalizado e amigo”. Antes de criar o negócio, você já passou por experiências ruins enquanto viajante, que a fizeram dar importância maior a uma boa curadoria?
Sim, muitas! Acho que a parte da curadoria é para facilitar, é para você chegar lá e não ter que ficar pesquisando plataformas como Airbnb, Booking.com, em que você tem um milhão de opções e acaba se perdendo.
A curadoria existe para selecionar coisas realmente legais, o que não tem a ver com dinheiro, mas com a experiência.
Um dos perrengues que passei foi em Nova York, quando aluguei um apartamento infestado de percevejos. Fiquei cheia de mordidas pelo corpo e precisei trocar de hospedagem no meio da viagem, o que foi um gasto a mais
Pior do que perder o dinheiro é não ter um suporte, não ter para quem ligar. Então, na Holmy, a gente bate muito na tecla do suporte. Temos concierge praticamente 24 horas por dia.
E buscar curadoria especializada é diferente de procurar uma hospedagem com base em avaliações…
Exatamente! Minhas sócias e eu temos expertise na área, a gente vem do mercado e sabe o que está fazendo. Nossa avaliação leva critérios mais profissionais em conta.
O filtro de preço por noite na busca da Holmy vai de 100 reais a 16.530 reais. O perfil dos clientes é tão variado quanto as faixas de valores? Ou há um público principal?
Hoje, nosso carro-chefe são cabanas na terra, principalmente na região Sudeste, como na Serra da Mantiqueira.
Mas também temos vilas de luxo, que são um produto que queremos tentar explorar melhor. No caso delas, há a Vila do Japão, que é privada e fica em Angra dos Reis (RJ).
É claro que, neste caso, o público é bem seleto, mas disponibilizamos para que as pessoas possam entender que existe. Mesmo um glamping [conceito que combina glamour + camping] de 100 reais por noite, até uma ilha…
Tudo precisa ser diferenciado, ter uma vista etc.
A plataforma oferece mais de 12 tipos diferentes de hospedagem. Porém, há algo que as casas devam ter em comum para estar na Holmy? O que é imprescindível?
Acho que a palavra é “experiência”. Se for um apartamento, por exemplo, não pode ser comum.
Mesmo que faça parte do filtro de hospedagens urbanas, precisa ser bem decorado, para fazer com que você se sinta na praia, ou precisa ter um projeto moderninho e simpático com uma vista legal da cidade
É como se você entrasse em uma plataforma e ficasse lá caçando [a hospedagem], passando o feed para o lado e favoritando uma ou outra opção. A Holmy já faz o filtro.
Em um ano, a startup teria transacionado 2,5 milhões de reais. A quais fatores você atribui isso, ainda mais em um período difícil e de isolamento como a pandemia?
Minhas sócias e eu temos milhares de seguidores no Instagram, somos bem relacionadas, tivemos ajuda para divulgar a Holmy desde o início.
Só agora estamos começando a fazer anúncios no Google, então, acho tudo isso bem poderoso, porque, para uma startup, não ter investido um real em marketing no primeiro ano e transacionado 2,5 milhões de reais é uma vantagem grande.
Sua bio no Instagram tem a frase “viajo pra fora pra me encontrar dentro”. Quais foram as maiores lições de autoconhecimento que você tirou das viagens que fez?
Trabalho viajando há quase dez anos, já fui para muitos lugares, tive experiências com que muitas pessoas sonham, mas, em muitas dessas viagens, eu não estava feliz.
Então, sabe quando você está lá, mas, por dentro, não está feliz? Foi como eu me senti por muito tempo, até entender que não era sobre o lugar. Você pode estar no lugar mais incrível do mundo e se sentindo triste, em ruínas, sabe?
O autoconhecimento foi um caminho muito importante para mim. Desenvolver a espiritualidade, no sentido de me conhecer, entender o meu funcionamento, querer aprender mais e criar mais consciência foi fundamental, e é por isso que eu uso essa frase.
E quais experiências você destaca?
Por exemplo, passei dois meses [em 2022] na Índia para fazer um curso de formação em ioga e fiquei em um Ashram, foi surreal!
Outra experiência que eu destaco foi ter passado meu aniversário de 30 anos em Tulum, no México, com minhas melhores amigas. Consegui parcerias para hospedagem, restaurante, e foi muito legal poder proporcionar tudo isso através do meu trabalho.
Você acredita que haja uma romantização da profissão que você tem hoje, de blogueira de viagem? Qual é o “lado B”?
Com certeza! Tem horas em que isso te exige muito, não tem férias, nem horário de parar e descansar, porque sempre tem que aproveitar para produzir o máximo de conteúdo.
É uma viagem atrás da outra, então você vai ficando doente, não dá para seguir uma rotina, e vai perdendo eventos importantes de amigos, de família, por nunca estar presente… É uma produção de conteúdo maluca!
Mas cheguei a uma fase em que seleciono minhas viagens. Digo isso porque recebo muitos convites e, sem querer soar prepotente de maneira alguma, acho que poderia ficar em praticamente todos os hotéis do mundo, por ter um papel importante no turismo, mas seria a troco de quê?
Hoje, vejo que meu trabalho tem que fazer sentido, além de ser sustentável financeiramente.
E você consegue tirar férias, ficar um período realmente offline, sem produzir conteúdo?
Antigamente eu não conseguia, porque fazia aquelas viagens de 15 lugares em 20 dias e é um horror, você fica descabelada e doente no fim do dia. Já tive até episódios de sonambulismo, de tão ansiosa que eu ficava.
Mas minha vida passou por muitas transformações, principalmente no último ano. Hoje, eu tento viajar com mais calma. Na viagem para a Índia, por exemplo, tirei vários dias totalmente off das redes sociais.
Embora você se defina como “viajante full time”, como é a sensação de voltar para casa?
Eu tinha casa em Juquehy [no litoral norte de São Paulo], lá era o meu pequeno paraíso, foi realmente “meu lugar”, uma casa com que sonhei muito, mas me separei [no início de 2022] e a casa ficou com meu ex.
Desde então, passei a me permitir tudo o que eu tinha vontade e viver as experiências que eu queria. Não tenho mais este lugar para chamar de casa, mas sei que vai aparecer de novo, no momento certo.
Quais são os próximos passos da Holmy? Há planos de expandir para além do Brasil?
A gente acabou de abrir expansão para outros destinos do Brasil, outros estados e cidades, então já é muita coisa! Acho que, primeiro, a gente tem que estruturar melhor nossa equipe e buscar investimento para melhorar nossa tecnologia.
Não dá nem para querer tentar algo fora do Brasil, tem todos os trâmites jurídicos… meu Deus do Céu! Hoje não faz sentido, mas, quem sabe, um dia?
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