Decidi mudar de país em 2017, logo após a falecimento do meu sogro. Meu marido já estava em pedaços, pois seis meses antes a mãe dele havia falecido de forma inesperada também.
Como ele estava desempregado e sem perspectiva de encontrar um emprego à altura da qualificação que tinha, ficar em São Paulo (morávamos em Cotia) já não fazia sentido para ele.
Neste momento, me vi numa situação em que teria que dar uma guinada na vida. Ou me mudava, ou me separava. Eram as duas opções que eu tinha naquele momento
Decidi mudar. E para onde? Como?
Foi quando me lembrei que uma conhecida tinha ido morar há pouco tempo no Canadá. Verifiquei com ela como eu, meu marido e meu filho, que, na época, tinha 8 anos, faríamos para nos mudar.
Conseguimos vender a casa em que meus sogros moravam e com aquele dinheiro iríamos recomeçar em outro país. O plano parecia perfeito.
Fizemos teste de proficiência em inglês, passamos e decidimos que meu marido iria estudar (o pré-requisito era de que um dos cônjuges estudasse para que o outro pudesse trabalhar).
Enquanto isso, eu iria trabalhar e meu filho poderia estudar na escola regular. Fizemos o processo através de uma agência que nos explicou tudo e seguimos com o plano até que, em fevereiro de 2018, com tudo pronto, aplicamos para o visto, com a certeza de que seria aprovado.
Depois de dois meses, recebemos a notícia de que o visto havia sido negado. Fiquei muito mal, mas não desisti. Se estávamos de acordo, por que foi negado?
Procurei na internet como aplicar para o visto e decidi eu mesma fazer tudo sozinha, sem a ajuda de um despachante, como da primeira vez.
Estava tão certa de que o visto seria aprovado que até passagens aéreas havíamos comprado. Mas, após um mês e meio, no dia 23 de maio, recebi a notícia de que mais uma vez havia sido negado… Meu mundo caiu e desabei a chorar
Mas aí, eu já estava certa de que mudar era a solução para nossos problemas. Então, abri meu computador e decidi encontrar outro país que nos aceitasse.
Depois de excluir os Estados Unidos, Austrália e Inglaterra, achei que a Irlanda fosse uma boa opção. Não pensei duas vezes e comecei a procurar informações sobre o país: emprego, moradia, visto etc.
Encontrei uma reportagem mencionando que havia muita oportunidade para chefs de cozinha (minha formação), e que o governo irlandês havia liberado a emissão de visto para esses profissionais.
Perfeito! No mesmo dia troquei a passagem, do Canadá para a Irlanda. Mais especificamente, Dublin!
Mas não seria tudo tão fácil… A princípio, iria adquirir um curso de inglês para permanecer legalmente no país até que conseguisse um estabelecimento que decidisse me patrocinar com um visto de trabalho.
O plano era o seguinte: eu iria viajar primeiro, 20 dias antes dos meninos (meu marido e meu filho), faria as entrevistas de emprego que tinha conseguido ainda no Brasil e encontraria uma casa para morarmos.
Meu marido também entraria com o visto de turista, deixaria meu filho comigo e depois sairia para voltar como estudante. Loucura, né?! Mas era o único caminho que havíamos encontrado
No dia 26 de junho de 2018, peguei minhas malas e fui para a Irlanda. Por incrível que pareça, na primeira semana já consegui um emprego em uma cafeteria — e, após outra semana, eles decidiram aplicar para meu visto. Que maravilha!
Até chegar no paraíso, no entanto, tinha chão… Com a oferta, a cobrança aumentou. Eu trabalhava 60 horas por semana. Mas como reclamar, não é? Eles me dariam o visto — pagariam a metade do valor e eu arcaria com a outra.
Fora o trabalho, antes eu ainda tinha que frequentar a escola todos os dias, das 8h30 às 12h30. Andava em média 5 quilômetros por dia e só voltava para casa às 23h30.
Perdi muito peso nesta época, pois não tinha tempo nem para comer, e o cansaço era tão grande que preferia dormir a me alimentar.
Alguns dias antes de meu marido e filho embarcarem, falei com uma amiga que estava indo para a Itália e perguntei o porquê de ela ficar lá tanto tempo (mais de seis meses).
Ela me explicou que iria tirar a cidadania italiana dela por direito herdado do bisavô. Pedi mais explicações sobre o processo e, logo que desliguei o telefone, liguei para meu marido e perguntei: “Quem é o italiano na sua família? Afinal de contas, você se chama Marcelo Tessarotto”. Ele me disse que era o bisavô dele. “Pois então, cancele sua passagem porque você vai para a Itália!”
Mudamos todo o plano novamente e mandei meu marido ir atrás dos documentos dele e verificar a real possibilidade de aplicar para a cidadania italiana
Dois meses (e várias buscas) depois, ele conseguiu reunir as documentações necessárias e partiu para a Itália com meu filho.
Mesmo sabendo que esta seria a melhor opção para nosso futuro, estar sozinha aqui na Irlanda me causou muita dor. Primeiro por ficar tanto tempo longe do meu filho e, segundo, por me sentir tão só.
Não sobrava tempo para mais nada além de trabalhar e estudar. Foram sete meses desta vida louca, antes de finalmente eles terem se tornado cidadãos italianos e desembarcado na Irlanda.
Outra saga muito difícil foi a questão da moradia. Quando cheguei, fiquei 15 dias em um Airbnb; depois, fui para uma casa com nove pessoas — e apenas um banheiro.
Dormia em um beliche num quarto com outras quatro pessoas estranhas. A casa fedia, o quarto fedia… Aí, parava para pensar no que estava fazendo da minha vida. Larguei minha casa linda no Brasil para passar por isso aos 39 anos!
Após dois meses, com muita procura, achei um apartamento para alugar, mas teria que dividir com outras pessoas… achei que seria um pouco melhor. A saga do fedor, no entanto, continuou.
No Brasil, dividir casa não é algo comum como aqui. Mesmo depois de meu marido e filho chegarem na Irlanda, dois anos se passaram até que pudéssemos pagar um apartamento sozinhos.
Somente quando decidi fazer o sorvete em casa, vi que ter outras pessoas estranhas seria um problema de higiene. E decidimos que era hora de termos nosso próprio espaço.
Na cafeteria em que trabalhava, já existia um mindset de sustentabilidade muito forte em relação a fornecedores, produtos oferecidos para os clientes, embalagens compostáveis etc. Para mim, tudo aquilo ainda era um mundo novo.
Um dia, eu precisava preparar um banana bread e a fruta que o fornecedor costumava me trazer era muito verde, então pedi uma mais madura.
No dia seguinte, ele me trouxe 10 quilos de banana muito madura e simplesmente me deu. Eu falei que ele deveria cobrar do café e, para a minha surpresa, ele disse que estava me doando porque aquilo acabaria indo para o lixo
Eu fiquei em choque e questionei o porquê. Ele falou que se a banana não fosse usada naquele dia, seria perdida. Mas para fazer o próprio banana bread, congelar ou bater uma vitamina, esse é o melhor estágio da fruta.
Foi aí que tive um estalo e pensei: é isso que quero fazer com alimentos, reaproveitá-los. No início, a ideia ainda estava bem crua na minha cabeça, mas quis ir atrás de entender qual era o volume de alimentos que ia para o lixo.
Se um pequeno fornecedor estava jogando 10 quilos de banana, quanto mais não fariam fornecedores maiores?
Comecei todo um trabalho de pesquisa e descobri dados absurdos: 45% de tudo o que é produzido no mundo é jogado fora; o desperdício de alimentos é responsável por 30% da emissão de gás carbônico na atmosfera
Essas pesquisas me levaram a um restaurante em Amsterdã que utilizava o desperdício de comida como base para criar o menu. Fiquei uma semana acompanhando as atividades do estabelecimento e trabalhando lá para entender a proposta, como ir atrás desses alimentos, o que era viável em termos de vigilância sanitária…
Depois desta imersão, percebi que fruta não era um ingrediente tão utilizado por eles por ser um alimento mais delicado e com uma vida útil mais curta. Aí tive meu segundo insight — vou mexer com frutas — e o questionamento: o que posso fazer com esse tipo de alimento?
Cheguei a cogitar press juice (sucos prensados), mas isso não aumentaria muito a vida útil do produto. Então, como brasileira, me veio à cabeça sorvete.
Antes de apostar minhas fichas, eu precisava saber qual era a relação dos irlandeses com esse alimento, já que quando faz frio aqui, faz frio mesmo!
Descobri que o sorvete é algo super consumido entre os irlandeses. Aliás, descobri que os países que mais consomem sorvete são os mais frios, por incrível que pareça!
Estava decidido! Iria fazer sorvetes. Como chef, até sabia algumas receitas, mas não produzir em larga escala. Então, fui atrás de um curso e descobri que, em Bolonha, na Itália, existia uma universidade chamada Carpigiani Gelato University
Feliz da vida, me registrei para começar meu curso em abril de 2020. Mas, como todo mundo sabe, veio a pandemia e eu não consegui embarcar…
Em maio, no entanto, eles abriram o curso online. E comecei a assistir às aulas para entender como eu resgataria frutas maduras e as transformaria num gelato.
No início, peguei iogurte, leite, abacate, uva, mexerica, laranja, banana, maçã… e fui testando. O primeiro sabor criado, claro, foi o de banana — e o resultado não poderia ter sido melhor!
Até que em setembro de 2020, já tendo investido o equivalente a 16 mil reais no negócio, lancei o site da Cream of the Crop, que em português seria algo como “o melhor dos melhores”.
Posso dizer que o nome fez jus à aprovação dos irlandeses. Eles gostaram da proposta de sustentabilidade e deram valor ao fato de a ideia ter sido criada e desenvolvida aqui, pois valorizam os negócios de pequenos empreendedores locais (mesmo eu sendo brasileira).
Hoje, já são mais de 20 sabores, entre eles caramelo salgado, brownie e algumas opções veganas. Todos têm ao menos um ingrediente que iria para o lixo, mas que eu capto por meio de doações e insiro nas receitas. Além disso, não levam corantes nem aromatizantes artificiais.
Com esse movimento, já consegui evitar que quase 10 toneladas de alimentos fossem para o lixo. Passei a adotar também embalagens compostáveis e sacolas térmicas reutilizáveis
Como a empresa cresceu, saí da cozinha da minha casa para uma fábrica de 160 metros quadrados, que me permite uma produção de 10 mil potes por mês. Além disso, o que antes eu fazia sozinha hoje é dividido entre uma equipe de cinco pessoas.
Já tenho planos de exportar para outros países da Europa, além de ideias para outros produtos… Depois do sorvete, já criei, por exemplo, as Bananitas, bananas desidratadas envolvidas com chocolate.
A pegada da sustentabilidade não é uma modinha, é um caminho sem volta. Vejo que há muito espaço para crescer mostrando que há soluções criativas — e saborosas — para um consumo mais consciente.
Giselle Makinde é fundadora da Cream Of The Crop, sorveteria sediada na Irlanda que cria sabores utilizando alimentos que iriam para o lixo.
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