Desde criança sempre gostei de me desafiar. Gostava de fazer planos, de participar de concursos e de me esforçar para superar meus limites. A ambição sempre esteve em mim.
Venho de uma casa com muita voz ativa da figura feminina. Fui criada em um ambiente em que não havia nenhuma distinção do que era esperado de mim e o que seria esperado de um homem.
Fui uma criança bem moleca, com várias cicatrizes nos joelhos e pontos na boca, que hoje são lembranças de uma infância feliz. Eu gostava de brincar no mato, subir em árvore, chupar manga sentada no tronco da árvore
Cresci. Minha vida acadêmica e profissional fluíram de forma boa e planejada. Me formei em Marketing e fui selecionada para um dos melhores programas de trainees de uma grande multinacional.
Ao longo dos anos, tive a oportunidade de trabalhar em empresas excelentes, onde aprendi a pensar de forma estratégica e a focar meu olhar nos desejos e necessidades dos consumidores.
Trabalhei muito, aprendi, errei bastante também, corrigi e fui evoluindo nos cargos e complexidades das entregas. Tive a oportunidade de liderar equipes para marcas de sucesso, de conhecer muitas novas culturas e hábitos. Me especializei em inovação e construção de marcas.
Mas, com o tempo, percebi que havia dentro de mim uma vontade de realização enorme e que só idealizar e lançar produtos não me satisfazia mais… Nem tudo são flores, né?
Grande parte do meu tempo era dedicada a alinhamentos e realinhamentos internos, pesquisas muito longas que, embora válidas, demoravam tanto a dar uma resposta que se perdia o timing do mercado e a competitividade frente a outros concorrentes.
Acho que tem um componente de idade também. Conforme fui ficando mais velha, sentia que tinha mais apetite para tomar mais risco e usar meus conhecimentos para entregar resultados. Menos escritório, mais bater perna na rua
Em 2015, o Guilherme [de Almeida Prado] me chamou para montar com ele a Central da Catarata. O projeto, embrião do que viria a ser a healthtech que temos hoje — a Central da Visão –, busca favorecer o acesso de quem não tem plano de saúde a cirurgias de visão, por meio de parcelamento e condições facilitadas de pagamento.
Já éramos amigos há muitos anos e tínhamos nos dado bem trabalhando juntos como cliente e fornecedor. Ao mesmo tempo em que eu desejava testar modelos diferentes de trabalho, tinha medo de não dar certo.
Eu já tinha passado por uma experiência anterior como empreendedora não muito positiva… Diante do medo de não ser feliz tentando algo novo, agradeci e disse não. Ele seguiu adiante e montou a empresa.
Alguns meses se passaram. Decidi fazer um processo de coaching com uma colega de trabalho muito talentosa, a Andrea Bueno. Me lembro como se fosse hoje…
Ela me pediu para avaliar minha vida de vários ângulos. Eu sentia que, pelo aspecto pessoal, tudo estava ótimo. Amava meu marido e meu filho pequeno, o Leo, na época com 3 anos. E queria seguir crescendo profissionalmente, mas estava difícil colocar tudo na mesma balança.
Percebi que a urgência de ser mãe de novo era maior. O relógio biológico estava correndo. O tempo não é o que a gente escolhe. Podemos até fazer planos na vida, mas quando eles vão acontecer… Isso nem sempre depende da gente
A Andrea dizia: coloque seus planos no papel. Se você sente que precisa mudar sua vida e sua carreira, isso pode acontecer, mas você precisa querer. Aquilo parecia tão distante para mim. Mais tarde, porém, fez todo sentido.
Na época, eu tinha uma boa proposta de trabalho que demandaria muitas viagens e equipes grandes, muitos benefícios e bom salário. Mas (tem sempre um “mas”…) eu nunca conseguiria ser mãe de novo se continuasse trabalhando em vagas assim.
Como tive muita dificuldade para engravidar da primeira vez, resolvi dar uma pausa na carreira para me dedicar à maternidade.
“Será que se eu parar agora eu consigo voltar bem depois?”. Essa pergunta ronda a cabeça de toda mulher que faz uma pausa na carreira em algum momento para se dedicar aos filhos
A maternidade, no entanto, sempre foi o meu maior sonho. E eu, já perto de 40 anos, com um filho pequeno e muita vontade de me dedicar mais a ele e tentar um novo bebê, decidi parar tudo para aquietar o turbilhão de pensamentos, que é uma constante na minha vida, e ter tranquilidade para engravidar de novo.
Felizmente, a Gabi, a caçula da família, chegou com saúde e de forma tranquila. Pode ser que eu tenha perdido oportunidades de trabalho. Mas ser mãe me faz imensamente feliz e eu sinto que não poderia ter tomado outra decisão. Era o melhor para mim.
Em 2018, estava curtindo as dores e as delícias de um bebê novo em casa quando o Guilherme voltou a me procurar. Ele tinha sido convidado por um banco para montar um marketplace de crédito e queria que eu o ajudasse.
Ele foi esperto. Se tivesse pedido para empreender junto, eu traria de volta todos os meus temores e teria dado desculpas para não aceitar. Mas era “só” uma consultoria, uma vez por semana.
Nos encontrávamos no Le Pain Quotidien, o papo era ótimo, as ideias fluíam… Tudo aconteceu muito rápido e, em pouco tempo, um dia por semana virou dois, depois três. Em alguns meses, o projeto estava de pé com contratos assinados com bancos, sistema desenvolvido, marca e estratégia traçada.
Senti logo de início as belezas de trabalhar numa startup: flexibilidade, maior informalidade, zero tempo dedicado a politicagens e uma agilidade grande para tomar decisões
Senti também o lado não tão bom das startups: dos perrengues de ter que planejar, implementar, executar, controlar, minutar tudo ao mesmo tempo.
Até hoje, acho que este é um lado bem cansativo desse ecossistema, porque a carga de trabalhos operativos é gigante, e eu já estava num momento da carreira em que tinha tido equipes grandes reportando a mim.
Já havia esquecido como fazer algumas coisas. Agora, precisava arregaçar as mangas de novo.
Tudo era muito mais volátil e imprevisível… sinto que esta experiência foi muito válida para meu amadurecimento. Era um levar a vida mais leve. Ter menos expectativa do tempo das coisas
O fato de sempre ter uma vida planejada e guardar dinheiro me permitiu experimentar esta nova fase e tomar riscos de uma forma tranquila.
Passados mais alguns meses, estávamos nos dando bem e o Guilherme me pediu para ajudar a reestruturar a Central da Catarata, aquele projeto para o qual ele já tinha me convidado antes.
A Central tem um propósito muito bonito de impacto social positivo. Quando comecei a me envolver e fazer entrevistas em profundidade com os pacientes que tinham operado de catarata e recuperado a visão, me emocionei muito.
Percebi que, mais do que uma startup, eu estava diante de um projeto que ajuda a ressignificar a vida, a devolver autonomia, alegria e capacidade de trabalho aos pacientes
Aprendi que a condição de pagamento era o que fazia o telefone tocar, mas o que as pessoas queriam era serem ouvidas, tratadas com dignidade, carinho. Elas precisavam de apoio para tomar a decisão de sair da fila do SUS e operar no particular.
Entendi que a empresa podia crescer muito mais se juntasse o lado tech, da agilidade e automatização, com o lado touch, da empatia e acolhimento.
E que sorte a minha, porque a contribuição que eu podia dar era o que a empresa precisava.
Fizemos um lindo trabalho de construção de marca, de adequação do tom de voz, e humanizamos muito o tratamento — sem perder a agilidade. Criamos uma jornada completa de orientação e acompanhamento desde o primeiro contato até o pós-operatório em base 100% digital
Comecei a negociar novas parcerias, estruturar a equipe, tudo junto, num escopo de trabalho ágil e com muita autonomia.
Os três dias da semana viraram cinco e, desde então, me dedico em tempo integral à Central da Visão.
Aquela inquietude que eu sentia, de buscar um modelo diferente, passou. De repente, a mudança que eu buscava se concretizava à minha frente.
E agora eu já sabia o que esperar. A falta de staff e de processos claros já não me assustavam mais. E as garantias de CLT e benefícios já estavam há tempos distantes da minha realidade. Foi até melhor assim, para não pesar na decisão.
Depois de um tempo trabalhando juntos, o Guilherme me convidou a ser sua sócia. Aceitei e, desde então, sou empreendedora.
Naquele momento, a empresa fazia 20 cirurgias de catarata por mês. Fomos nos estruturando e crescendo. Logo, chegamos a mil. Expandimos
No fim de 2019, tivemos a entrada de mais um sócio na nossa empresa, o Ronaldo. Somando esforços, contratamos um time de pessoas incríveis e comprometidas, crescemos ainda mais, expandimos para 13 estados e hoje temos 40 clínicas afiliadas e mais de 150 cirurgiões operando pacientes da Central da Visão no Brasil.
Já mudamos a vida de mais de 5 mil pessoas pela cirurgia de visão. Difícil explicar em palavras o orgulho que eu sinto de todo o impacto social que estamos gerando.
Aí você me pergunta: tem dias em que eu acordo preocupada e nervosa por empreender? Sim, muitos!
A Covid quase quebrou nossa empresa duas vezes; a cada rodada de captação de investimentos, a gente novamente passa por ciclos de estresse. Hoje, temos 33 funcionários, com famílias que dependem diretamente do trabalho gerado pela Central. É uma responsabilidade que traz preocupação.
Mas eu adoro meu trabalho. Me encontrei como empreendedora social e me realizo com as muitas histórias de transformação de vida que a gente gera.
Aprendi que o tempo no qual as coisas acontecem nem sempre é o tempo que eu gostaria. A gente tem muito pouco controle sobre isso. Mas aprendi também que fazendo planos, na linha do tempo, a gente pode agir para mudar positivamente nossa vida.
Mudanças maravilhosas aconteceram na minha vida após os 40 anos. Gosto muito mais da Marta que sou hoje do que daquela de dez anos atrás
Mudei e tive que mudar muita coisa ao meu redor. Mas não mudei meu gosto por recarregar as energias no meio do mato e por comer manga colhida do pé. E continuo ambiciosa e gostando de desafios.
Enquanto escrevo este texto, faço planos para a Central da Visão realizar 100 mil cirurgias em cinco anos. Por que não? Planejando, aprendi que a gente consegue.
Marta Luconi é CEO da Central da Visão.
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