• LOGO_DRAFTERS_NEGATIVO
  • VBT_LOGO_NEGATIVO
  • Logo

Ela uniu os conhecimentos como química e a paixão por tecnologia para criar um aplicativo que avalia a qualidade da água em 30 minutos

Juliana Afonso - 27 dez 2022
Elaine Freitas, empreendedora do Marai (foto: Renata Karoline).
Juliana Afonso - 27 dez 2022
COMPARTILHAR

Moradora de Manaus, Elaine Freitas, 38, sempre se preocupou com a poluição dos cursos d’água e o que fazer para que esse problema não se agrave no futuro. 

Ela resolveu então combinar seus conhecimentos acadêmicos como química e a paixão por tecnologia para criar o Marai, um aplicativo que pretende avaliar a qualidade da água em até 30 minutos.

A ideia germinou durante o Trabalho de Conclusão de curso na faculdade de Química. quando Elaine criou uma metodologia para avaliar a qualidade da água a partir de uma série de variáveis ambientais. Em seguida, desenvolveu um primeiro aplicativo, lançado em 2017.

Para assegurar sua proposta de oferecer serviço gratuito à população, ela percebeu que precisava estudar empreendedorismo mais a fundo, criar novos recursos e valor para as empresas. Assim, conseguiria incrementar – e monetizar – o aplicativo. 

“Entendi que precisava reformular o negócio para as coisas ganharem dimensão e causarem os impactos que eu queria”, diz Elaine. 

Em 2018, ela convidou o engenheiro ambiental Thalle André Alves para participar do edital do Programa Centelha. O projeto contemplado previa o desenvolvimento de um sensor capaz de analisar características físico-químicas da água. 

Os dois se se tornaram sócios e fundaram, em 2021, a Chemical Treinamento e Inovação Tecnológica. O aplicativo é o carro-chefe da empresa. O Marai já recebeu investimentos e mentorias do Ocean Launch e do Inova Amazônia, e conquistou os prêmios Mulheres Inovadoras e Legado de Empreendedorismo Social. 

Recentemente, em dezembro de 2022, a dupla de empreendedores lançou seu sensor IoT e um novo modelo de plano de assinatura, com o objetivo de escalar o negócio. 

Leia a seguir o papo de Elaine Freitas com o Draft:

 

A proposta de desenvolver um produto para apoiar a preservação do meio ambiente surgiu em um Trabalho de Conclusão de Curso, mas sua preocupação com o tema é anterior. Por que o interesse pelo assunto?
Eu tinha feito Engenharia Química, mas acabei abandonando os estudos para ser mãe. Depois de uns anos, falei pra mim mesma: “Preciso voltar a estudar, preciso mudar essa realidade”. 

Então, voltei a estudar, com 27 anos, e fui fazer faculdade de Química na UniNorte [Centro Universitário do Norte]. No segundo semestre da faculdade, consegui uma bolsa pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, o INPA, para trabalhar com análise de água. Comecei a fazer pesquisas na orla da cidade de Manaus e vi que a gente tinha um problema sério.

A minha pesquisa era bem teórica e o meu TCC seria na área de ensino. Eu pensava: “Como levar tudo que eu aprendo no laboratório para a sala de aula, para a minha realidade?” Comecei a elaborar um conteúdo para ensinar química em campo, voltado para o meio ambiente 

Foi quando desenvolvi um formulário para aplicar com os alunos de uma escola pública de Manaus, no bairro Coroado, onde era meu estágio. Levei cerca de 30 alunos para três tipos de ambientes diferentes: natural, impactado e intermediário. Eles tinham que preencher um formulário de 15 questões, todas baseadas na legislação ambiental, na química e em conteúdos sobre o meio ambiente. 

Naquele dia eu vi o quanto eles tiveram uma visão diferente de química. Eles diziam: “quer dizer então que a gente pode usar química para isso?”

Comecei a dar cursos sobre isso, sobre impactos ambientais, e tive um insight: por que não transformo isso em um aplicativo? Eu não tinha recursos, era uma recém-formada, fui procurar apoio, mas não tive apoios. Aí, pensei: “Quer saber de uma coisa: eu mesmo vou fazer” 

Sou autodidata em informática. Então, sentei na frente do computador, e desenvolvi um aplicativo funcional, na plataforma Android.

Você se inspirou em alguma tecnologia similar para criar o Marai?
Eu fiz do zero. Apesar de ser química, sempre fui uma amante de tecnologia. Eu já tinha feito um curso de informática e lógica de programação aos 12 anos, só que a tecnologia evoluiu e, para desenvolver o aplicativo, precisei fazer novos cursos. 

Primeiro eu baixei o Android Studio, mas estava dando erro. Então, meu filho me disse: “Mãe, tem uma plataforma muito fácil de fazer aplicativo pelo próprio Google”. Eu executei, paguei, criei um banco de dados, um site e um blog, onde até hoje eu coloco as pesquisas. 

Na época eu paguei tudo com meus próprios recursos, cerca de 760 reais. Lancei o aplicativo em 2017, na Play Store, em um evento sobre recursos hídricos e meio ambiente, organizado pelo Instituto Soka Amazônia, em Manaus. Não tinha cara de um aplicativo de alta performance, mas funcionava e eu aplicava com os alunos.

Dos elementos observados para atestar a qualidade da água, quais deles você incluiu no aplicativo?
Hoje as pessoas se baseiam muito na parte química da água, mas o que impacta não é só a química, é todo o contexto. 

Eu entendia que avaliar só a água não era suficiente, a própria legislação cobra também outros parâmetros, como vegetação no entorno, presença de lixo, cor da água, turbidez 

Da parte química, coloquei o pH da água, a condutividade elétrica e o oxigênio – que são os três parâmetros-base entre os mais de 100 parâmetros químicos que você pode avaliar –, mas fui avaliando toda essa outra parte e traçando perfis para determinados ambientes.

E como funciona o aplicativo?
Você entra no aplicativo e tem duas opções. Uma delas é “continuar sem cadastro”, que é a parte gratuita, justamente para a população utilizar. Você preenche com seu nome e ele vai te pedir uma foto do local. 

Depois que fizer isso, ele traz várias questões: qual a densidade populacional? Tem muitas ou poucas casas? É área de sítio? São dez perguntas básicas e, no final, ele vai gerar o resultado ali na tela do celular. Essa avaliação é feita em 30 minutos, às vezes em menos tempo.

Na plataforma avançada, que é para a indústria, ela já conta com a parte química. Aí eles vão assinar por plano de assinatura e receber um sensor. Através de algoritmos, o sensor vai enviar os dados automaticamente para o aplicativo nas etapas que exigem a parte química da água 

As empresas não têm como manipular os dados porque é tudo automatizado. Cada sensor tem um número de série, cadastrado por cliente. Essas empresas podem solicitar o laudo, de acordo com o plano de assinatura, e também ter acesso ao banco de dados.

Quando você percebeu que a proposta poderia ser transformada em um produto de mercado?
Quando fiz o lançamento, em 2017, eu só visualizava essa parte social, da educação. Esse era o propósito: gerar uma nova cultura de respeito ao meio ambiente e à água. 

Porque a gente vê o quanto isso impacta, né? Já está tarde, mas se começarmos a fazer alguma coisa agora, talvez as próximas gerações não encontrem mais essa contaminação. 

Nessa época eu não tinha intenção financeira. Quando comecei a participar de alguns cursos de empreendedorismo foi que entendi que precisava reformular o negócio para as coisas ganharem dimensão e causarem os impactos que eu queria 

Então, comecei a estudar empreendedorismo. Muitas pessoas me perguntaram por que eu não abria mão do social. E eu falava: “Quero que a população tenha acesso a essa ferramenta, se eu cobrar não vou alcançar o meu propósito.” Isso é o mínimo que precisamos fazer quando a gente estuda: dar retorno para a população.  

Reformulei o negócio e, em 2019, fiz uma proposta para o edital do Programa Centelha, que era parceiro da Finep [Financiadora de Estudos e Projetos]. Eu precisava de dinheiro para avançar na proposta comercial e desenvolver um sensor. 

Por isso, fui fazer também um curso de robótica, para entender como funcionava a comunicação dos sensores com o aplicativo e fechar o sistema para não ter manipulação de informações 

Muita gente disse na época que eu estava ficando louca e que não ia funcionar… O resultado do edital saiu em plena pandemia. Foram quase mil empresas inscritas só no estado do Amazonas. 

Quando recebi o e-mail falando que tinha sido aprovada, falei “Vamos lá, vamos fazer esse negócio acontecer agora”. Foi uma realização.

A primeira versão do aplicativo foi lançada em 2017. De lá para cá, o Marai conquistou prêmios e investimentos. Poderia contar um pouco sobre esse processo?
Eu já tinha feito mais de cinco atualizações quando reformulei o aplicativo. Eu mesma investi mais de 30 mil reais, para pagamento anual de domínio de página, banco de dados, tudo isso. 

Se for contabilizar investimento de tempo com estudo, pesquisa, levantamento de dados, foi mais ou menos 300 mil reais de dedicação.

Além do aporte financeiro do Programa Centelha, que recebi em 2021, fui selecionada no mesmo ano pelo Ocean Launch, em uma parceria da Samsung com a Universidade do Estado do Amazonas [UEA]. 

Eles ofereceram espaço físico para a incubação e uma série de capacitações sobre negócios, com mentores e professores da universidade 

Recebemos também o Inova Amazônia, do Sebrae, que ofereceu uma bolsa de empreendedor durante seis meses em 2021. Foram em torno de 72 mil reais, para mim e para o meu sócio, 6 500 reais para cada um por mês, para a gente desenvolver o negócio. 

Simultaneamente, eu me inscrevi no programa das Mulheres Inovadoras, da Finep. Foram cerca de 900 startups inscritas e as 30 selecionadas receberam capacitações e treinamentos durante os meses de junho e julho. 

Ao final, a gente tinha que fazer uma apresentação com um pitch de 15 minutos para uma banca de avaliadores, que selecionou três startups por região. Fomos uma das contempladas e recebemos um prêmio de 120 mil reais

Logo depois, participamos do Prêmio Legado de Empreendedorismo Social 2022, que selecionou três iniciativas: Legado Amazônia, Legado Mata Atlântica e Legado Nacional. Ganhamos como Legado Amazônia e recebeu um prêmio de 10 mil reais. 

Eu até digo que foi um valor simbólico, porque na realidade o que a gente recebeu de mentoria e capacitação foi o maior valor. Foram três dias seguidos de mentoria.

Também participamos de bootcamps de internacionalização e da Future Females Business School, uma escola para mulheres de negócios feita em parceria entre o governo britânico e a embaixada brasileira. Tivemos acesso a uma plataforma com cursos e mentorias durante três meses. 

2022 foi um ano de muita capacitação, muita coisa boa que nos fez sair da parte científica, da academia, e ampliar o negócio.

Os serviços do Marai são disponibilizados por meio da empresa Chemical Treinamento e Inovação Tecnológica, fundada em 2021. A atuação da empresa vai para além do aplicativo Marai? Quais produtos e serviços ela oferece?
O aplicativo é o nosso carro-chefe, mas a gente não quer ficar só na água. Eu fui aprovada para um doutorado em 2020, no Programa de Pós-graduação em Clima e Ambiente da UEA/INPA. Meu estudo é sobre gases CO2 e metano, inclusive na água. 

Temos uma projeção de evolução da empresa para monitorar a qualidade do ar também. Então hoje estamos com a água, mas conforme a gente consegue mais aportes financeiros, vamos avançando 

Até 2024, pretendemos estar com essa plataforma de monitoramento do ar adaptada para a população e para as empresas. Queremos ser a maior empresa de inovação tecnológica na área de meio ambiente e sustentabilidade. 

Hoje, temos o aplicativo Marai, mas daqui um tempo podemos desenvolver outras tecnologias.

Quais empresas ou instituições têm buscado os serviços da Chemical e por qual motivo? Poderia citar algumas e como vocês monitoram os dados?
Tem algumas instituições que a gente pretende ter como cliente. Já estamos prospectando grandes indústrias de alimentos e bebidas, mineradoras como Vale, empresas como a Suzano, órgãos de fiscalização como o Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] e o IPAAM [Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas]. 

Não vamos competir com o laboratório, muito pelo contrário. A gente quer otimizar o trabalho e criar uma nova cultura de monitoramento, ligada ao ESG das empresas 

O que os laboratórios fazem vai continuar. Nós vamos aquecer o mercado de análise, porque estamos levando uma ferramenta, de muito fácil acesso, que vai ajudar muitas pessoas, tanto as indústrias quanto a população.

Quanto a empresa fatura atualmente?
Lançamos a nova versão do aplicativo com sensor IoT no dia 6 de dezembro, então não estamos faturando ainda. Investimos todo o valor que a gente recebeu no negócio. 

A perspectiva é que, com a entrada de novos investimentos e contratações, a gente consiga faturar até 14 milhões [de reais] no primeiro ano, ou 4 milhões na menor expectativa.

Como a empresa se organiza e como vocês precificam os serviços?
A gente oferta o serviço por plano de assinatura. Quando a pessoa assina o plano, ela recebe o sensor, que é um equipamento que desenvolvemos para medir  dispositivos variáveis físico-químicas.

Nos planos de assinatura básica à premium, o valor varia de 5 mil a 12 mil de reais por ano. O cliente pode fazer vários diagnósticos no mesmo dia, em vários locais diferentes, e solicitar o laudo de acordo com o ambiente que ele quiser 

No plano de assinatura especial, os valores variam de acordo com a demanda de manutenção. Esse plano é para as grandes indústrias, governos e órgãos de fiscalização que não vão querer um sensor, vão querer 10 sensores. Nele nós oferecemos manutenção da instalação, armazenamento dos dados, envios frequentes e tudo.

Você comentou que o Marai não vai competir com os laboratórios, e sim aquecer o mercado de análise e monitoramento. Quais as diferenças e semelhanças entre o produto que vocês oferecem e o de um laboratório?
O laboratório faz análise a partir de vários parâmetros e gasta de 15 a 30 dias para entregar um resultado, dependendo da demanda. 

A gente consegue classificar se a água está ou não contaminada em cerca de 30 minutos. Ou seja, temos uma ferramenta que vai fornecer isso com preço muito inferior, sem a necessidade de uma toda equipe envolvida, porque já temos uma base de estudo desenvolvida 

Mas a gente não quantifica, por exemplo, o quanto tem de ferro e de alumínio na água. Se a empresa precisa provar isso, ela vai contratar o serviço de um laboratório. 

Numa das mentorias que participamos, um rapaz falou exatamente isso, que a gente vai aquecer o mercado, porque as pessoas vão perceber que elas precisam conhecer a qualidade da água naquele ambiente, elas vão exigir isso, e o laboratório vai ter mais saída de análise do que o normal. 

Quantas pessoas já foram beneficiadas com a proposta? Vocês conseguem quantificar esse tipo de dado?
Já aplicamos o curso para cerca de 500 alunos, técnicos e professores em Manaus e mais de 1 500 pessoas na região metropolitana. 

De maneira indireta, levando em conta que cada uma dessas pessoas comenta sobre o tema com outras, é possível dizer que chegamos a umas 5 mil pessoas na região metropolitana de Manaus

A gente prevê também que a cada mil downloads conseguimos alcançar mais de 10 mil pessoas de forma indireta.

Para além da quantidade de pessoas impactadas, vocês têm alguma relação com os usuários dessa tecnologia? Algum processo de escuta?
Ainda não temos um canal de escuta, mas a ideia é que as pessoas possam passar seu feedback nos nossos canais de mídias sociais. 

O que a gente fez agora, que também tem a ver com o propósito do negócio, foi doar cinco sensores para escolas públicas no Brasil. Vamos fazer isso justamente para ter o feedback desses professores e alunos.

Para dar conta disso tudo, em termos de equipe, vocês são quantos e como vocês se organizam?
No momento somos eu e meu sócio, em tempo integral. Temos três colaboradores nas áreas de comunicação, logística e comercial e relações internacionais. Estamos com captação aberta para conseguir investimento para aumentar a equipe em mais cinco a dez pessoas e acelerar o negócio. 

Você já tem  a patente da ferramenta?
Eu já fiz o pedido. Leva um tempo para ter a resposta, entre um a dois anos. 

Você  comentou algumas vezes ao longo da entrevista sobre ampliação do escopo de atuação da empresa. Quais são as próximas etapas e onde vocês almejam chegar?
Para 2023, vamos avançar em inteligência artificial, ou seja, as pessoas só vão precisar tirar foto e já vai ter o resultado. Também já vamos iniciar a expansão do negócio, inclusive para mercados externos. 

A nossa visão é fazer em torno de 500 a 1 000 vendas no próximo ano. Em 2024, a gente já vê uma escalada mundial, com cerca de 5 a 10 mil vendas, com um faturamento acima de 20 milhões [de reais]

Também queremos ampliar nosso escopo de atuação para monitoramento do ar. Além disso, vamos lançar um livro com a pesquisa que eu e meu sócio fizemos a partir de uma viagem para ver a realidade dos impactos ambientais no Brasil, como parte de um projeto da Finep. 

Como você se enxerga neste negócio nos próximos anos? E como você se sente em chegar até aqui?
É uma mistura de sentimentos. O primeiro é de realização, né? Foram muitos nãos, muitos sins, muitos desafios. Passamos pela reformulação do negócio, de uma parte acadêmica para o empreendedorismo na área feminina, que é um grande desafio hoje em dia. 

Lá em 2017, fiz algumas projeções e tudo que eu planejei é exatamente o que está acontecendo agora. Não só o lado financeiro – o financeiro é uma consequência; acredito realmente que estamos ajudando a construir uma mudança para o futuro 

Isso é o que me deixa mais motivada. É uma satisfação enorme.

COMPARTILHAR

Confira Também: