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Elas criaram um ateliê de pesquisas para ajudar as marcas a decifrar as sutilezas que se escondem por trás dos hábitos de consumo

Marcela Marcos - 21 out 2024
Julia Ades (à esq.) e Helena Dias, as fundadoras do ateliê de pesquisa Apoema.
Marcela Marcos - 21 out 2024
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Diante do alto volume de informações às quais estamos submetidos, sobretudo através da telinha do celular, até parece que valorizar o “olho no olho” e “ouvir com presença” virou uma atitude fora de moda. 

Nesse sentido, é como se as publicitárias Julia Ades, 33, e Helena Dias, 37, estivessem remando contra a maré. Mas é justamente esse modo “fora de moda” que diferencia e norteia a Apoema, a empresa da qual elas são sócias. 

Trata-se, por definição própria, de “um ateliê de pesquisa de comportamento de consumo que aproxima o universo corporativo das diferentes realidades de seus consumidores”. 

Os caminhos de ambas se cruzaram em outra agência de pesquisa, onde elas trabalhavam. Em 2016, Julia pediu demissão para viver como freelancer. E entendeu que não faria mais tanto sentido prestar serviços como pessoa física. 

Assim, ela tirou um CNPJ e descobriu que precisava de um nome. Escolheu Apoema, de origem tupi-guarani, que segundo ela significa “aquele que vê mais longe”.

UMA PESQUISA DE SEIS MESES PARA A NIKE PERMITIU INVESTIGAR A JORNADA DOS ATLETAS PATROCINADOS PELA MARCA

“A empresa nasceu meio sem querer, sem um plano de negócios organizado”, diz Julia. 

Não houve exatamente um investimento inicial porque ela já trabalhava nos projetos como autônoma – e, naquele momento, apenas decidiu mudar a chave e atuar como empresa. 

Julia criou o site com a ajuda de um amigo e chamou Helena para colaborar como freelancer; depois, a convidou para formar sociedade. 

Helena lembra que vinha de uma temporada em Portugal:

“Eu tinha passado um período na Europa, mas senti que meu tempo por lá já estava no fim. Decidi aceitar, no meio da pandemia”

A entrada de Helena coincidiu com a negociação do maior projeto que elas já tinham fechado até então: uma pesquisa sócio-histórica, de seis meses, para a Nike. A ideia era investigar a jornada de atletas patrocinados pela marca. 

A dupla montou uma equipe e entrevistou mais de 30 atletas, além de outras pessoas ligadas a eles e especialistas no tema, que era o nascimento e desenvolvimento do esporte desde os anos de 1800. 

Então recém-chegada, a publicitária conta que o tempo maior para o levantamento permitiu fazer o estudo com mais profundidade. 

“Na maioria das vezes, é tudo ‘pra ontem’, mas, quando a gente se juntou para esse projeto, queria entender cada detalhe. Pudemos acompanhar os atletas nos treinos, ter um contato maior com eles”

Julia complementa: “Até chegamos a pensar que não daríamos conta, mas foi essa pesquisa que mudou tudo, porque, antes dela, pegávamos um volume muito grande de trabalhos para agências [de publicidade] e, com a Nike, passamos a trabalhar diretamente com as marcas.”

PARA CAPTAR SUTILEZAS, É PRECISO SABER LER NAS ENTRELINHAS

Uma vez que elas recebem a demanda de um cliente, a metodologia para o que precisam pesquisar é definida em conjunto. 

Eventualmente, existe a necessidade de fazer um estudo mais tradicional (como o etnográfico), mas, em grande parte dos casos, há espaço para uma abordagem mais criativa. 

O diferencial, segundo Julia, é ter sempre “um olhar mais humano”, o que pressupõe enxergar até mesmo as contradições nas falas e comportamentos dos entrevistados que compõem a pesquisa? 

“A gente tende a achar que vai ouvir das pessoas literalmente o que elas estão sentindo, mas há muito por trás disso que a fala literal não dá conta de expressar” 

Um exemplo é um projeto que elas fizeram para a Natura, com o objetivo de mapear símbolos de sensualidade para mulheres. 

“Algumas delas nos trouxeram pedaços de renda como resposta; outras, a imagem de alguém específico”, diz Julia. “Nos interessa entender por que cada uma chegou àquela resposta. As entrelinhas daquilo que não é dito são simbolismos, sutilezas e subjetividades que a pesquisa qualitativa permite entender.”

Ainda com relação a metodologias de pesquisa, a fundadora da Apoema conta que elas não se apoiam tanto em tecnologia. 

“Não cedemos muito a processos automatizados, porque a gente entende que, para realmente conectar pessoas, é preciso focar mais no off” 

Na estrutura da operação, ela cuida do conteúdo e Helena fica com a parte mais administrativa, inclusive gerenciando parcerias e a equipe, que é terceirizada e varia conforme o projeto. Elas não têm escritório fixo, até porque Helena fica baseada em Florianópolis e Julia, em São Paulo. 

A precificação dos serviços considera a metodologia escolhida, o período de desenvolvimento, a quantidade de entrevistas necessárias e se as fontes são fáceis de encontrar. 

Uma entrega mais simples costuma sair em torno de 40 mil reais e um estudo mais complexo pode chegar a até 300 mil reais, em média. Em termos de receita, a expectativa é fechar este ano com 1,5 milhão de reais.

“OS COMPORTAMENTOS REFLETEM URGÊNCIA, PARECE QUE NÃO HÁ MAIS OS RITMOS NATURAIS” 

Recentemente, a Apoema passou a desenvolver pesquisas próprias, além daquelas feitas para os clientes. Uma delas foi a “Aldeias do Cuidado: o universo corporativo como apoio à parentalidade”, feita em parceria com a MindMiners e a Maternidade nas Empresas. 

A principal descoberta foi a de que as companhias brasileiras precisam avançar significativamente em relação à parentalidade, já que, segundo o levantamento, desde que se tornaram figuras parentais pela primeira vez, mais da metade (51,1%) dos entrevistados não foi promovida ou teve reajuste salarial. Julia afirma:

“É um exemplo da falta de integralidade em relação ao colaborador versus ser humano”

A pesquisa ouviu 1 mil mães e pais de todo o país, que trabalham com carteira assinada. Ao avaliar a distribuição por gênero, o estudo ressalta um olhar ainda enviesado: 54% das mulheres afirmam não ter recebido nenhuma promoção ou reajuste salarial desde que tiveram filhos, em comparação a 48% dos homens.

Paralelamente a isso, as publicitárias à frente da Apoema observam mudanças comportamentais que não necessariamente estão descritas em pesquisas que fizeram, mas que partem do contato com entrevistados em geral. 

Segundo Helena:

“Principalmente no pós-pandemia, vemos meninas procurando produtos antissinais cada vez mais novas. A tecnologia tem tornado as pessoas mais antenadas, mas também gerado uma ansiedade generalizada. Os comportamentos refletem urgência, parece que não há mais os ritmos naturais”

Seguindo na contramão disso tudo, o objetivo das sócias no horizonte próximo é, de acordo com Julia, “continuar crescendo com todo cuidado que é preciso, preservando a humanidade – e sem se corromper”.

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