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Depois de se desencantar com o funcionalismo público, ele empreendeu e abraçou a missão de requalificar as praças de SP

Cláudia de Castro Lima - 11 nov 2019 Cláudia de Castro Lima - 11 nov 2019
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Até abril de 2017, das 2 112 pessoas que em média passavam diariamente pela Praça Villaboim, em Higienópolis, na região central de São Paulo, 84% estavam apenas fazendo isso: passando. Poucas tinham, de fato, a ideia de aproveitar o local como um destino. E apenas 1% delas eram crianças.

Em abril de 2018, um ano depois, o cenário era outro: 58% das pessoas começaram frequentar a Villaboim para desfrutar do espaço. As crianças agora são 26% do público diário – que, aliás, cresceu para 3 090 pessoas. De 30 atividades (como recreação, práticas esportivas ou eventos comerciais), hoje são 231.

O que aconteceu? Simples: moradores e comerciantes das redondezas e os frequentadores da praça resolveram se mobilizar e reformar o local. Para isso, contaram com uma ferramenta digital, o Praças.co, uma das soluções oferecidas pela Cidades.co, startup de impacto criada pelo urbanista Marcelo Rebelo.

Formado em arquitetura e urbanismo pelo Mackenzie, Marcelo, 33, sempre quis trabalhar com habitação social. Como trabalho de conclusão de curso, escolheu fazer um plano urbanístico para Heliópolis, a segunda maior favela da cidade, na zona sul de São Paulo.

De tanto interagir com a Prefeitura atrás de dados para seu TCC, ele recebeu (assim que se formou, em meados de 2010) uma oferta de emprego para integrar a equipe de urbanização de Heliópolis.

EM QUATRO ANOS NO PODER PÚBLICO, DECEPÇÃO E DOIS APRENDIZADOS

Nos quatro anos de trabalho público, Marcelo chegou a coordenador do projeto. Mas, após dois anos na Prefeitura, viu sua área se “desmantelar”. E deu-se conta de que, com as trocas de governo, não conseguiria ter uma carreira estruturada:

“Virei o estereótipo do funcionário público ineficiente: chegava às 11h, saía para almoçar ao meio-dia e ia embora às 15h. Minha saúde emocional ficou abalada, estava infeliz. Não queria continuar naquela situação”

Dessa experiência, Marcelo tirou dois aprendizados. Um: não há como ter um trabalho constante quando se depende de governo, porque eles mudam a cada quatro anos — e sua área, habitação, poderia ou não ser prioridade. Dois: o que ele mais amava fazer na vida era requalificar espaços públicos. “É o que sei fazer na vida, o que me encanta, onde me encontrei.”

Com essas certezas, ele decidiu pedir demissão. “O que passava na minha cabeça era: vou procurar uma empresa que trabalhe com urbanismo em espaço público e mandar meu currículo.”

Marcelo só não contava com o fato de que, na época, não existia nenhuma empresa assim no país.

DECISÃO “INGÊNUA”: JÁ QUE NÃO EXISTE UMA EMPRESA ASSIM, VOU CRIAR

Foi quando, aos 28 anos, sem experiência ou preparação, ele resolveu empreender pela primeira vez na vida. A “decisão superingênua” (“se não tem empresa do jeito que procuro, vou criar a minha”) se deu meio de supetão, em setembro de 2014:

“Minha cultura empreendedora era zero. Sou o primeiro a fazer isso na família. Meu pai trabalha há 40 anos na mesma empresa; minha mãe ficou 28. Mesmo assim, sentei a bunda na cadeira e falei: ‘Minha empresa começa hoje’”

A cadeira, aliás, ficava numa empresa de administração de condomínios de um amigo de infância, que serviu como seu escritório por dois anos. Os primeiros seis meses, conta, foram basicamente de estudo. “Eu tinha apenas uma vontade, não tinha um produto.”

Nesse mergulho na teoria, Marcelo fez um curso online sobre smart cities oferecido pela Universidade de Harvard. No trabalho de conclusão, desenvolveu uma plataforma de processo participativo online aplicado a espaços públicos:

“A Prefeitura trabalha com audiência pública para a comunidade participar das decisões da cidade — um processo pouco eficiente, burocrático, sem ambiente de construção coletiva.” A ideia dele era incorporar, com tecnologia, os inputs da população desobrigando o cidadão de se deslocar de casa. “Era como uma audiência pública online. As opiniões podiam gerar estatísticas — e projetos a partir disso.”

FOCO NAS PRAÇAS — MAS OLHANDO PARA O PÚBLICO ERRADO

A Cidades.co nasceu com essa ideia de unir tecnologia e espaços públicos. Mas Marcelo não fazia ideia de como torná-la realidade. Não conseguiu audiência com ninguém da Prefeitura para divulgar a ideia.

Os primeiros dois anos da empresa foram muito difíceis, já que o empreendedor não sabia quem pagaria por seu serviço. Ele só não quebrou porque reduziu drasticamente o custo de vida e tinha economias da época do funcionalismo público. Mesmo assim, teve que pegar trabalhos à noite como barman para pagar as contas.

A Praça Horácio Sabino, na Vila Madalena, foi reformada por um grupo de vizinhos e ganhou acessibilidade, novos espaços de convívio e um parquinho melhor.

Marcelo fechou então o seu foco nas praças. O processo seria facilitado porque já existia uma legislação para adoção desses espaços, embora pouco usada por empresas. Em geral, elas preferem adotar canteiros centrais de avenidas por dois motivos: baixo custo de manutenção e grande visibilidade da placa com seu nome.

A plaquinha no meio da praça, por outro lado, era uma contrapartida fraca, já que só é vista por quem passa por ali…

“Passei muito tempo tentando bolar estratégias para que adotassem praças. Minha ideia era que a empresa contratasse minha consultoria e eu fizesse todo o processo participativo com a comunidade, atuando como intermediador. Mas, em dois anos, não fechei nenhum contrato de fato”, ele conta, rindo.

AS MELHORES PRAÇAS SÃO AQUELAS ADOTADAS POR PESSOAS

Ele foi percebendo o que funcionava, melhorando o modelo, interagindo com comunidades. Conseguiu, de uma empresa de advocacia, R$ 15 mil de patrocínio para reformar a praça Acibe Ballan Camasmie, no Brooklin. “Fiz milagre com esse recurso, rendeu seis meses.”

Seis mutirões depois, com 200 voluntários cada, Marcelo tinha um projeto-piloto para apresentar. E entendeu que mesmo empresas interessadas em atuar em espaços públicos não queriam fazer investimentos recorrentes para manutenção.

“As empresas querem fazer ações aliadas com a estratégia de marca e branding. Uma do segmento pet, por exemplo, estava disposta a fazer uma intervenção em uma praça focada em animais de estimação. Não adiantava forçar as empresas a contratar algo que elas não queriam.”

Assim, há três anos, Marcelo mudou de tática:

“Comecei a notar que as melhores praças da cidade são aquelas adotadas por pessoas. Em várias formatos: desde associação formal de amigos até coletivos informais. O próprio usuário é o responsável pela operação e gestão do espaço”

O que costuma acontecer é uma mobilização, com grupo de Facebook ou WhatsApp, acerca de uma praça, gerando uma vaquinha para coletar recursos. “Muitas praças têm grupos em redes sociais para debater sobre ela, mas poucos fazem projetos que geram impacto de fato.”

A SOLUÇÃO PERMITE SIMULAR UMA “ASSOCIAÇÃO DE AMIGOS DA PRAÇA”

A maior parte das pessoas quer fazer algo, diz, mas se assusta com a burocracia para abrir uma associação, criar um CNPJ, manter um contador – um custo inicial de pelo menos R$ 5 mil.

A solução Praças.co, um dos serviços do Cidades.co, faz exatamente essa parte “chata”: simula uma associação de amigos da praça, com diretoria (as lideranças) e os amigos (associados, que contribuem financeiramente).

“As pessoas querem gastar seu tempo planejando piquenique, não correndo atrás de papelada. Com dois cliques, o usuário tem toda essa estrutura, essa cadeia hierárquica, e já consegue começar a conquistar apoiadores para a causa”

A solução hoje tem três etapas, para comunidades em estágios diferentes. Para quem ainda não sabe por onde começar e busca apoiadores, o serviço é a “Mobilização”. “O usuário cria um projeto para a praça que quiser e começa a mobilizar a comunidade. A plataforma ajuda a criar um banco de dados de contatos.”

A segunda etapa é a “Cocriação”, para atender grupos com objetivos já traçados. É aí que entra aquela ideia da plataforma de processo participativo. “A comunidade faz esse processo para chegar num projeto, numa visão estratégica de melhorias e prioridades.” A terceira etapa é “Transformação” – a captação de recursos para a reforma e manutenção.

O MODELO INCLUI FINANCIAMENTO COLETIVO, PATROCÍNIO E VERBA PÚBLICA

A startup adota um modelo misto, com três fontes de recursos: financiamento coletivo (com verba da comunidade), patrocínio privado (de empresas) e verba pública.

“Estudamos o projeto e fazemos captações específicas: para uma determinada área podemos ir atrás de uma empresa, para outra corremos atrás do poder público, e assim por diante”

O papel do negócio de impacto de Marcelo é uma tecnologia que facilita o processo todo, fornecendo ferramentas de comunicação, captação e gestão de recursos, ao mesmo tempo em que dá suporte, orientação e consultoria para que a comunidade se estruture e seja bem-sucedida no projeto.

A remuneração da Cidades.co vem de um percentual do financiamento coletivo (de 13% ou 18%, dependendo da funcionalidade que a comunidade escolher) e de uma comissão em cima das captações de patrocínio privado, que varia conforme o trabalho gerado pelo projeto.

UM APORTE DE R$ 180 MIL ESTÁ SENDO INVESTIDO EM TECNOLOGIA

Em cinco anos, a Cidades.co já trabalhou com 26 espaços públicos. Recentemente, lançou as plataformas Ruas.co (para ruas, esquinas e escadarias) e Parques.co, que busca seu primeiro cliente.

Para colocar a empresa de pé, Marcelo gastou R$ 7 mil de seus recursos – valor recuperado quando, no fim de 2015, ganhou um prêmio de R$ 13 mil do Social Good Brasil Lab.

Antes um local “de passagem”, sem presença de crianças, a Praça Villaboim, em Higienópolis, se transformou num ambiente de permanência, onde os pequenos são 26% do público.

Há um ano, ele recebeu um aporte de um investidor-anjo de R$ 180 mil que, na prática, funcionou como uma doação, porque veio sem contrapartida. Marcelo investe parte dessa grana em tecnologia, para ampliar a abrangência do negócio – algumas funcionalidades da plataforma ainda são manuais.

A Cidades.co opera hoje apenas em São Paulo; a ideia é expandir para outras cidades. O faturamento varia bastante, mas vem crescendo. Em setembro foi de R$ 32 mil. “Tivemos lucro nos últimos três meses.”

A startup já captou, no total, R$ 1,5 milhão para as praças (a média mensal é de R$ 30 mil), e a curva é de crescimento. Ao todo, mil pessoas já doaram, e 450 são doadores ativos. Ser financeiramente sustentável sempre foi um desafio.

“Estamos em um momento legal. O melhor dinheiro é o do cliente, por isso evito fazer captação externa, com rodada de investimento. Prefiro fazer que o projeto dê certo para ganhar no volume, ter mais praças, gerar mais dinheiro e pagar a conta com isso. Essa é a luta diária.”

 

DRAFT CARD

  • Projeto: Cidades.co
  • O que faz: Cria ferramentas para que cidadãos sejam protagonistas de transformação em suas cidades.
  • Sócio(s): Marcelo Rebelo
  • Funcionários: 4
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: 2014
  • Investimento inicial: R$ 7 mil
  • Faturamento: R$ 32 mil (setembro/2019)
  • Contato: [email protected]
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