Uma maquete singela, retrô, inspirada na capital paulista dos anos 1940, é o mundo onde vivem Pedro e Rosa, dois bonecos de madeira que parecem destinados a se amarem à distância, presos aos trilhos que cortam o cenário.
Cabe ao espectador dar uma força ao casal — com ajuda da tecnologia.
Essa é a premissa de A Linha, curta interativo de animação do estúdio Arvore, que arrebatou em setembro o Emmy na categoria “Inovação em Mídia Interativa”.
“Não é o tipo de história que se imagina quando se pensa em VR”, diz Ricardo Laganaro, diretor do filme e sócio do estúdio, com escritórios em São Paulo e Los Angeles. “A gente sabia que, por mais simples que fosse, seria inusitado — porque não tinha lasers, tiros, nem viagens para dentro de vulcões.”
De fato, A Linha cria um universo mais delicado, que parece saído de um filme da Pixar. Em 2019, a produção já tinha sido agraciada como a “Melhor Experiência Imersiva para Conteúdo Interativo em VR” no Festival de Veneza e causado algum rebuliço na Mostra de Cinema de São Paulo.
Na visão de Ricardo, o mercado de realidade virtual parece prestes, enfim, a decolar. O hype atingiu seu pico em 2014, com a aquisição da Oculus pelo Facebook por 2,3 bilhões de dólares. Se a tecnologia até aqui foi um entrave, ela agora se tornando cada vez mais acessível (o novo Oculus Quest 2, lançado em setembro, custa 299 dólares).
A seguir, o sócio da Arvore fala sobre a produção premiada com o Emmy, os desafios de empreender com realidade virtual e as expectativas diante da evolução desse mercado.
Como você começou a trabalhar com realidade virtual?
Comecei no boom da internet, fazendo o site da TV Cultura. Logo na sequência, trabalhei na produtora Trattoria de Frame, que misturava técnicas quando isso ainda era bem raro. Estávamos na transição do analógico para o digital no cinema.
Com esse know-how de misturar computação gráfica com set de filmagem, entrei para coordenar o departamento de computação gráfica e ser supervisor de efeitos especiais na O2. Em 2012, o Fernando Meirelles me chamou para dirigir a apresentação no domo do Museu do Amanhã no Rio de Janeiro.
No começo de 2014, experimentei um óculos de realidade virtual e percebi que, com ele, a gente conseguia prototipar em realidade virtual esse domo [do museu] e visualizar o que seria a produção, com senso de escala e tempo
No ano seguinte, fui para o South by Southwest, e todo mundo lá estava falando do VR como o futuro do entretenimento. Foi um feliz acidente. Voltei para o Brasil e comecei a fazer muitos projetos em 360º, fiz um clipe para a Ivete Sangalo e outros projetos comerciais.
Quando abrimos a Arvore em 2017, poucas pessoas tinham tanta experiência em VR. Eu já tinha feito o curta em 360º Step to the Line em parceria com a Oculus — fiquei uma semana no campus do Facebook e rodei o filme dentro de presídios de segurança máxima.
Como vocês lidaram com o risco de lançar uma empresa de VR no Brasil, considerando a dificuldade de acesso à tecnologia?
Fugimos do modelo tradicional de produção. Um dos fundadores vinha do mercado financeiro, e por isso entendemos que a única forma de funcionar era na lógica de startup, com rodadas de investimento de um fundo de venture capital e family offices que depois foram entrando em outras rodadas.
Assim, acompanharíamos o mercado enquanto este ainda não fosse rentável, vendendo experiências para o consumidor final global. Até começarmos a faturar mais, com o lançamento do Pixel e do A Linha, sobrevivemos com esses aportes.
A Linha acaba de ser premiado com um Emmy. Como vocês veem o reconhecimento no evento e também no Festival de Veneza, em 2019?
Foi uma comprovação de que não estávamos loucos. Por mais que a gente acredite na nossa visão e na tecnologia, uma coisa é você saber que vai dar certo e outra é sentir na pele.
Dá sim para ser protagonista nesse novo formato sendo brasileiro, porque não existem os gigantes da indústria que sufocam quem está começando, como acontece em outros formatos
A Linha estreou na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo em 2019. Quando acabar a pandemia, devemos fazer um tour, para as pessoas poderem colocar o óculos e experimentar por todo o Brasil.
Como foi o processo de criação e desenvolvimento do projeto?
Ao contrário de um filme, um projeto de VR tem várias etapas de lançamento. A primeira foi no lançamento para o Festival de Veneza, uma première para a versão PC, que durou sete meses em produção.
Hoje existem três grandes eventos de VR vinculados a festivais de cinema: Sundance, Tribeca e Veneza. Com nosso know-how, tínhamos capacidade de criar uma experiência narrativa interativa para estar em um deles, imprimindo o nome da empresa nesse universo pela primeira vez
Demos a sorte de ser aceitos de cara no festival que mais queríamos: Veneza, o festival de cinema mais antigo do mundo — e o que tem a maior área de VR. E acabamos ganhando, então vimos que valia continuar
Aí a Oculus viu que valia investir numa versão [da produção] para o Quest. Tivemos que adaptar a experiência e descobrimos que eles iam lançar uma tecnologia nova de rastreamento de mão.
Estreamos como um dos quatro títulos do lançamento global desse novo feature. Acabou sendo a história perfeita para “vender” esse projeto de inovação no Emmy.
A gente queria contar uma história como num filme, mas usando as mecânicas de um jogo para trazer uma camada a mais de emoção. Daí veio a ideia de fazer uma história simples, de amor, com que todo mundo pudesse se identificar
Decidimos fazer essa história em São Paulo. Diferentemente do cinema e da TV, o VR começou igual no mundo todo. Botamos o Brasil como cenário para ver se, como Nova York nos filmes, conseguimos ver cenários brasileiros naturalmente numa narrativa em VR.
Aí surgiu a ideia de ser uma maquete, com personagens em trilhos. Como eles vão se encontrar se se amam, mas estão em trilhos opostos?
Eles vão ter que aprender a sair desse caminho, e o usuário sente isso na pele, porque aprende a manipular aquela maquete. A pessoa tem dúvida de como mexer naquilo, algo intrinsecamente ligado à história e que potencializa a emoção.
Qual foi o maior desafio nesse processo?
A maior dificuldade foi mudar a mentalidade como criador, que vem do audiovisual. Não dá para escrever um roteiro e executar.
O que fazemos é um processo de software, chamado iterativo e incremental, em que você cria uma versão, testa e reescreve. A cada nova versão, você entende melhor o que funciona, sempre em testes com o usuário.
No começo éramos eu e mais um roteirista para pensar a história. A principal solução foi trazer uma terceira roteirista, que ajudava a entender o que tinha que mudar na narrativa e o que precisava ser resolvido tecnicamente. É um trabalho de produção que acompanha a execução do projeto até o fim.
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Como a pandemia afetou as produções e os negócios da empresa?
Tínhamos quatro lojas de uma rede chamada Voyager, que desativamos por causa da pandemia. Sabíamos que era um mercado que estava indo bem, na lógica do cyber café, quando as pessoas não tinham dinheiro ou equipamentos para usar a internet em casa.
Tínhamos aberto a quarta loja um pouco antes da pandemia, e estávamos começando a experimentar um modelo portátil.
Existia uma demanda em muitos lugares por quiosques de VR. Mas como somos uma startup que funciona com dinheiro de investidores; se ficássemos segurando as lojas, corríamos o risco de quebrar o estúdio. Assim, decidimos rapidamente fechar
Ainda não sabemos se vamos reabrir as lojas. Temos que esperar o contexto de retorno da pandemia, o momento da empresa, do mercado e do Brasil, para só então descobrir se vale a pena.
Hoje o mercado de uso doméstico é o foco. Estamos vendo um crescimento de dispositivos e conteúdo para acessar em casa, algo [inicialmente] projetado só para daqui a três anos.
O Pixel, um jogo só para PC e PlayStation, demorou mais de um ano e meio para se pagar. Quando lançamos o episódio dois, durante a pandemia, já no Quest, o jogo se pagou em três meses. É brutal a diferença.
Sobre novos projetos, o próximo é um jogo chamado Yuki, que traz o corpo do usuário para dentro da experiência. Vai ser preciso realmente se mexer para a “coisa” acontecer. Também estamos trabalhando em ferramentas colaborativas para usarmos na pandemia.
Quais são as principais tendências e oportunidades do mercado de VR hoje?
Como está todo mundo trabalhando de casa, fazem falta ferramentas colaborativas em VR. Telas como o Zoom são muito ruins para isso, a sensação de presença é pequena.
Imagine modelar um objeto 3D vendo outro avatar no mesmo espaço que você, podendo manipular esse objeto virtual juntos. É muito poderoso o uso social do VR para construir coisas
Em festivais, também presenciamos ações de teatro em VR. Já existem plataformas onde se faz essa experiência coletiva, como o VRChat, em que você entra num novo mundo sem sair da sala.
Essas produções criam cenografias virtuais, onde pessoas te conduzem ao longo da história. O público varia de seis a 20 pessoas, dependendo do tipo de história e interação.
Em algumas ocasiões, eu, que estou sozinho em lockdown, tirei o óculos parecendo que tinha voltado do teatro, com um sorriso após ter interagido com outros seres humanos.
O que falta para esse mercado crescer de forma mais acelerada?
Até o ano passado, o que faltava era um dispositivo barato, leve e confortável, com uma experiência que justificasse botar esse negócio no rosto. Não falta mais, o Oculus Quest acabou sendo esse dispositivo. Desde que lançaram, nunca conseguiram produzir mais do que a demanda.
Antes dele, os outros [acessórios disponíveis] eram para quem tinha que lidar com uma série de problemas técnicos.
O Quest mudou esse jogo 100%, e vimos um crescimento exponencial brutal no consumo de conteúdo em VR, inclusive o nosso. Neste ano já vemos as outras marcas lançando equivalentes. Inclusive devem sair em outubro óculos mais leves, poderosos e 100 dólares mais baratos que o Quest.
Hoje sabemos que existe um mercado rentável e que, de agora em diante, os dispositivos só vão melhorar. Estamos saindo do vale da desilusão e iniciando um crescimento muito mais sustentável do que o hype de 2014, quando se imaginava que, de um ano para o outro, todo mundo estaria de óculos na cara
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