Ele escolheu sair do Brasil. Foi peão de obra e hoje é um empreendedor de sucesso na Nova Zelândia

Rafael Alvez - 29 abr 2015Aurélio Maciel escolheu sair do Brasil e não se arrependeu.
Aurélio Maciel deixou o Brasil para trás há 14 anos. Sofreu, mas não se arrepende.
Rafael Alvez - 29 abr 2015
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Aurélio Maciel tem 44 anos, é mineiro de Sete Lagoas e, a exemplo de muitos de seus conterrâneos, tentou a vida como imigrante ilegal nos Estados Unidos. Sem dominar a língua e sem diploma, ralou muito, trabalhou no que pôde, levantou algum dinheiro, melhorou um pouco a vida de sua família, mas seu sonho de ‘fazer a América’ acabou sendo interrompido. Determinado a construir sua vida e seus negócios fora do Brasil, resolveu recomeçar do outro lado do mundo, na Nova Zelândia. Hoje ele é dono de uma hotelaria estudantil e vê com orgulho o caminho trilhado. Não, não foi fácil. Foi preciso especialmente muita persistência, como ele conta neste depoimento ao Draft, a seguir:

“Moro fora do Brasil há 14 anos. Primeiro fui para os Estados Unidos tentar a vida em subempregos: fui entregador de jornal, estoquista, trabalhei na noite, fui churrasqueiro. Cheguei a trabalhar 90 horas por semana. Nos três anos que morei em Massachussets, com visto de turista, levei uma vida de trabalho-casa-trabalho, sem praticamente ter experiências com a língua nem com a cultura do país. Meu único foco era juntar dinheiro para melhorar a vida da minha família. Depois de um tempo, visitei o Brasil para matar as saudades e tomar um fôlego.

Quando voltei, por ter vivido lá ilegal na primeira vez, fui deportado ali mesmo, no aeroporto. Fiquei mais seis meses no Brasil, tentando legalizar minha situação e cogitei imigrar para o Canadá, mas não consegui nem uma coisa nem outra. A Nova Zelândia veio como opção pois o filho de um amigo morava por aqui e disse que poderia me ajudar nas primeiras semanas. Então, pela facilidade de entrar neste país, me mudei para cá com a ideia de juntar 10 000 dólares para, depois, tentar novamente entrar nos EUA pelo México, como ilegal, com a ajuda de um coyote.

Logo na minha primeira semana na Nova Zelândia, consegui um emprego na construção civil, como peão de obra. Com o passar do tempo, fui ganhando a confiança dos meus empregadores e pedi que me ajudassem a ficar no país legalmente. Eles resolveram investir em mim e bancaram um curso que me qualificou como carpinteiro. Depois disso fizeram uma oferta formal de emprego, o que me ajudou a conseguir um visto de trabalho. Da minha chegada até o visto foram apenas nove meses.

Aurélio faz "selfie" com alguns hóspedes da pousada que administra.

Aurélio em uma “selfie” com alguns hóspedes da pousada que comprou e administra com a esposa.

Na época, eu ainda pensava em voltar para os Estados Unidos. Depois de um ano, no entanto, vi que poderia ter uma boa qualidade de vida por aqui e comecei a considerar ficar no país que me deu essa oportunidade. Segui trabalhando nessa empreiteira mais cinco anos, até conseguir o visto de residência. A partir daí, pude começar a pensar na possibilidade de ter meu próprio negócio.

O brasileiro se adapta em qualquer lugar porque pensa rápido e é versátil. Com as dificuldades que enfrentamos no nosso país, temos habilidades para superar todas as barreiras. Tenho orgulho do que faço e parabenizo todas as pessoas que de alguma forma conseguiram empreender em outros países. Nos países de primeiro mundo as pessoas, em geral, são mais centradas, mas menos criativas.

Se soubemos usar nossa malandragem para o bem, temos tudo para dar certo pelo mundo

Eis que uma oportunidade apareceu. Um amigo tinha uma agência de intercâmbio que oferecia acomodação própria aos estudantes. Como ele estava retornando ao Brasil, em 2009, colocou o negócio à venda. Observei o potencial do mercado e, mesmo sem ter experiência com o ramo de hotelaria, resolvi topar o desafio. Assim nascia a Luau Accommodation.

Sala de TV da pousada, que fica em Auckland.

Sala de TV da pousada, que fica em Auckland.

Num investimento de risco, acreditando na carteira de clientes que herdaria, apostei 23 000 dólares neozelandeses (sempre estaremos falando desta moeda, que equivale a cerca de 0,77 dólar americano). A quantia deveria retornar em um ano, caso contrário a empresa seria devolvida aos antigos proprietários.

O começo foi difícil. Nos primeiros meses, percebi que negócio não estava tão bom quanto eu imaginava, já que a imagem da empresa estava queimada, pois a reputação entre as agências e os estudantes era ruim. Tivemos, eu e minha esposa, que é minha sócia, que reconstruir tudo. Fizemos um trabalho de corpo-a-corpo explicando aos parceiros que o negócio estava sob nova administração, melhoramos o padrão das acomodações, criamos regras rígidas para os hóspedes, investimos para que a localização, a limpeza e o acolhimento dos estudantes fossem as melhores possíveis.

Conseguimos renegociar a dívida e o investimento inicial se pagou em 18 meses, embora o trabalho de reposicionamento da empresa tenha durado praticamente três anos. Como resultado aumentamos muito nossa atuação e hoje temos 48 parceiros diretos ao redor do mundo – entre agências de intercâmbio e escolas.”

COMO É EMPREENDER FORA DO BRASIL

A Luau Accommodation tem três apartamentos em Auckland, cidade mais importante de um país em que o fluxo de estudantes estrangeiros cresce cerca de 12% ao ano. A empresa de Aurélio lucrou 90 mil dólares em 2014, com uma taxa de ocupação superior a 70%. Seus apartamentos compartilhados têm, somados, 58 camas ao custo médio de 35 dólares o pernoite. Aurélio acredita que uma das chaves do sucesso da empresa é a padronização no modelo de parceria.

“Não temos nenhum tratamento diferenciado entre as agências. O acordo é igual para todos. Toda venda de acomodação é feita mediante um comissionamento de 15 dólares, coisa que as acomodações familiares e outras hotelaria estudantis não fazem. Assim as agências acabam nos representando e recomendando a Luau como opção preferencial para estadia dos estudantes”, diz ele.

Ao comentar sobre os feedbacks negativos que recebe, Aurélio os atribui a uma das maiores dificuldades dos brasileiros (que são 60% da sua clientela) quando chegam a um país mais desenvolvido. “A maioria das críticas é sobre as regras dos apartamentos. Infelizmente, nossa cultura não gosta muito de cumprir regras, então o choque na chegada é grande, pois aqui elas são de fato seguidas”, conta.

Aurélio gosta de mostrar as coisas que conquistou com sua vida de empresário bem sucedido. Aponta orgulhoso a nova moto vermelha que acabara de comprar, enumerando seus atributos e dizendo que “no Brasil ela custa um fortuna”. Sempre que pode, ilustra suas dicas de passeios mostrando suas próprias fotos em seu celular. “Essa aqui foi em Samoa, resort bacana, praia paradisíaca. Partindo daqui é muito barato!”.

Os momentos de relaxamento, entretanto, não ocultam os traços pesados de sua expressão, marca de quem sofreu e trabalhou muito. No trato com seus hóspedes ele se mostra respeitoso e paciente. Com um jeito sisudo, evita brincadeiras e explica as regras dos apartamentos todos os dias aos novos inquilinos — quem não lavar a própria louça, por exemplo, paga 50 dólares de multa. Ele comanda o negócio com pulso firme, fazendo de tudo um pouco: do gerenciamento das parcerias à recepção dos hóspedes, passando pelas vistorias dos quartos e as compras de materiais de limpeza. Se precisar, até mesmo o lixo dos apartamentos ele põe para fora. Sua mulher, Luciana, é responsável pelo trabalho administrativo e financeiro.

Ele diz que a vida de empresário expatriado exigiu que abrisse mão de muitas coisas, especialmente do convívio com as filhas:

“O mais triste foi não ter podido acompanhar o crescimento das minhas filhas, já que quando saí elas eram bebês, mas foi o que eu me propus a fazer para imigrar”

Depois de alguns anos longe, o relacionamento ficou instável e, por causa da distância, ele se separou da primeira mulher. Casou-se de novo, não teve filhos, e segue com a nova vida. “O que mais importa é que, graças a minha decisão, lá no Brasil hoje minhas filhas têm escola, saúde e conforto”, diz ele. Aurélio pretende ficar na Nova Zelândia mais alguns anos, trocando tempo por dinheiro, mas no futuro ele quer não ter que estar presente para administrar seu patrimônio. “Quero um dia poder vender a Luau ou fazer franquias. Meu objetivo como empreendedor é ter ativos, diversificar, para quando chegar aos 50 e poucos anos, ter mais tempo para desfrutar da vida e trabalhar menos.”

EXISTE A SAUDADE DE CASA, MAS NEM TANTO

Aurélio diz que o mais difícil para um imigrante é o choque cultural, a dificuldade com a língua, a saudade da familia e dos amigos e o preconceito. “Mesmo com tudo isso, ainda não penso em voltar para o Brasil. A visão que tenho hoje é de um país totalmente desestruturado, com uma economia instável e políticos irresponsáveis e oportunistas”, diz, sem muita esperança, por ora. “O que me impede de voltar ao Brasil é a falta de qualidade de vida, de respeito ao ser humano e, acima de tudo, a falta de segurança.”

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