Ele fez do mar o seu escritório. Conheça Henrique Pistilli, o “homem peixe” da TV

Phydia de Athayde - 27 abr 2015Henrique Pistilli saindo do mar em Fernando de Noronha (foto: Gisella Sá)
Henrique Pistilli saindo do mar em Fernando de Noronha (foto: Gisella Sá)
Phydia de Athayde - 27 abr 2015
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Henrique Pistilli tem 36 anos e a partir desta semana poderá ser visto às terças-feiras 22h30 na TV a cabo, apresentando a segunda temporada de Homem Peixe. Exibido no Canal Off, o programa mostra Henrique viajando o mundo em busca das melhores ondas para praticar o bodysurf, o surf de peito ou jacaré. Enquanto entrevista as lendas do esporte e cai no mar só de sunga e pé de pato, Henrique mostra que a vida pode ser simples e te entregar muito — desde que você saiba receber o que ela tem para dar.

Por trás das câmeras há de fato um homem apaixonado pelo mar, mas também alguém que teve de inventar um caminho que não existia. Transformar em produto algo que era apenas sentimento. Não foi fácil, e no processo de hackear a própria profissão (ele é formado em Administração), Henrique percebeu que só seria feliz quando conseguisse unir o seu talento (para se comunicar com as pessoas) com a necessidade vital de praticar esporte e estar perto do mar. O processo é íntimo, é verdade. Mas o caminho que abriu para si transformou-se no seu negócio: Henrique vive de dar cursos de autoconhecimento para grupos pequenos (na beira do mar, bingo) e palestras de motivação para empresas e ONGs.

Quando não está viajando para treinar bodysurf no Havaí e na Indonésia, nem para gravar o programa (a segunda temporada se passa na Austrália, Tahiti e Havaí), ele pode ser encontrado em Fernando de Noronha atendendo pequenos grupos com sua nova profissão: sea coach. Isso mesmo, ali no paraíso de quem ama praia e surf.

Nascido no Rio de Janeiro, seu pai foi durante 30 anos executivo da Souza Cruz e a mãe trabalhava com RH, na área de treinamento. “Ele sempre gostou de mar, a gente andava de barco todo fim de semana. Minha mãe fez 10 anos de nado sincronizado quando era adolescente. Tenho uma herança deles, tanto de treinamentos como da relação com a água”, conta Henrique, que sempre surfou, e foi atleta da equipe de pólo aquático do Tijuca Tênis Clube antes da faculdade.

Henrique Pistilli na praia, onde se sente mais feliz e realizado  (foto: Alan Rangel)

Henrique Pistilli na praia, onde se sente mais feliz e realizado (foto: Alan Rangel)

Enquanto cursava administração na UFRJ, aos 17 anos, ele conheceu a Aiesec (uma organização mundial que promove intercâmbios e desenvolve a liderança em jovens universitários) e “se encontrou”: “Pra mim, a faculdade foi muito mais a Aiesec do que o curso. Eu passava o dia inteiro lá, trabalhava com treinamento e, em seis meses, já estava coordenando processo seletivo deles”, conta. Ele se sentiu atraído pelo aspecto do desenvolvimento humano e passou a atuar como facilitador em workshops, treinamentos e eventos. “O facilitador é aquela pessoa que está ali, neutra, imparcial, que ouve todo mundo e busca chegar em um ponto comum para o grupo. Muito cedo fui jogado nesse lugar e adorei.”

O envolvimento no trabalho e na organização afastaram Henrique do mar. Engordou quase 20 quilos durante a faculdade. Mas não percebeu. Estava ativo e ocupado descobrindo talentos e temas com os quais queria trabalhar. Além de facilitador, ia se tornando também um coaching. “A palavra coaching nem era muito usada, mas o facilitador é um coaching de grupo”, diz. Depois da Aiesec, Henrique foi atrás e concluiu uma formação como consultor. Nessa fase, conheceu o Instituto EcoSocial, identificou-se, e logo começou a trabalhar como consultor. Ao ajudar pessoas e organizações a encontrarem soluções para seus problemas, ele naturalmente se viu falando muito sobre propósito. A onda seguinte seria começar a empreender.

A VIDA SÓ SE AJUSTOU QUANDO ELE UNIU SEU TRABALHO COM O MAR

“Meu forte sempre foi empreendedorismo. Trabalhei sete anos na Artemisia, como consultor de desenvolvimento para empreendedores, e também na Startup Farm”, conta. Sua primeira aposta como empreendedor propriamente dito foi a ConnAction, uma consultoria na qual ele já falava em propósito, estilo de vida e trabalho com significado. “Era muito difícil as pessoas entenderem, às vezes nem eu mesmo entendia”, lembra. Isso no ano 2000.

Em Fernando de Noronha, Henrique Pistilli dá cursos para jovens de baixa renda (foto: Gisella Sá)

Em Fernando de Noronha, Henrique Pistilli dá cursos para jovens de baixa renda (foto: Gisella Sá)

Fazendo um salto para o presente, Henrique está hoje à frente de cinco empreendimentos diferentes, mas todos entreligados: o curso Waterman Experience (que une bodysurf a autoconhecimento), o programa Kaha Nalu (protagonismo e bodysurf para jovens de baixa renda), a consultoria corporativa Kailo (focada em inovação e novas gerações), o programa Emerge (curso para construir novas relações de trabalho) e o site IOU-Estilos de Vida.

Lá atrás, no entanto, não seria nada fácil fazer a conta fechar. Depois de dois anos trabalhando no primeiro negócio próprio, ele viu que algo estava errado. A coisa não decolava, o dinheiro que entrava não pagava as contas, e o corpo sinalizava uma estafa. Os mais de 100 quilos (para quem costuma pesar 80) começaram a pesar de verdade e Henrique passou a questionar a carreira que estava construindo para si. Era hora de largar tudo e recomeçar.

“Me chamam de corajoso, mas eu chamo de inconsequência. O que fiz foi seguir meu coração e o que meu corpo dizia. Engordei muito nessa época, então tinha algo errado”

Em companhia de sua namorada na época, ele deixaria o Rio de Janeiro para reorganizar a vida em Florianópolis, onde já tinha contatos por conta de consultorias. Com demandas para trabalhos de coach e palestras em São Paulo, ele fez as contas e percebeu que sairia mais em conta morar na praia e visitar a capital paulista a trabalho do que se tornar paulistano (algo que ele nem sequer conseguia imaginar). “Passava uma semana por mês em São Paulo, trabalhando, e as outras três em Floripa. Voltei a a treinar waterpolo e me reaproximei do esporte”, conta.

O caminho do bodysurf veio aos poucos na vida de Henrique. Em 2005, após se separar, ele vendeu o carro que tinha e foi para o Havaí. Se já havia se encontrado profissionalmente (como facilitador e consultor), a viagem ao Havaí o fez encontrar-se fisicamente. “Depois dessa vez, fui 10 anos seguidos para o Havaí. Percebi que, para a minha vida, era muito importante estar perto das ilhas oceânicas e do mar. Minha conta passou a ser ‘quantos dias de consultoria preciso fazer por mês para pagar para custear minha viagem para fora’. Nessas viagens, eu comprava uma van, tirava os bancos, e morava ali durante dois meses numa boa”, conta.

Como consultor e palestrante motivacional, ele traz o  bronzeado e as experiências do mar para as corporações.

Como consultor e palestrante motivacional, ele traz o bronzeado e as experiências do mar para as corporações.

Ele passou dez anos em Florianópolis (antes de se mudar para Fernando de Noronha) e lá começou a desenvolver um trabalho com jovens de baixa renda. Trabalhava com a metodologia de fazê-los, a partir da interação com a água e com o bodysurf, pensar na própria vida e tomar melhores decisões. Isso daria origem ao Waterman Experience, que uma a mesma metodologia em um processo para adultos.

O produto que Henrique oferece é um mix de sua busca pessoal com conceitos que ele aprendeu com a Antroposofia e o Goetheanismo. “A partir da observação neutra da natureza, Goethe identificava arquétipos, que são padrões de desenvolvimento na natureza, de plantas e animais, e a partir disso você entende como o ser humano funciona”, diz ele, que começou a observar o surf e sua relação com o mar de outra maneira após se aprofundar no estudo dessas metodologias.

A LIBERDADE VEIO QUANDO ELE PAROU DE TER MEDO DE NÃO TER DINHEIRO

A certeza de que isso poderia ser uma profissão veio aos poucos, conforme Henrique ia juntando suas mudanças de atitude (por exemplo, perceber que longe do esporte e da água ele não ficava feliz) com a observação de traços biográficos (por exemplo, olhar a própria história para reconhecer padrões e ciclos). Em 2010, em sua temporada anual fora do país, na Indonésia, ele consegui formar a primeira turma, de quatro pessoas, para o curso Waterman Experience, que une bodysurf e autoconhecimento. “Acordei e falei: é isso. Se eu puder estar na praia, dando esse curso, misturando desenvolvimento com esporte, é o que quero fazer da vida”, diz. “Esse foi o grande insight. Eu tinha 28 anos.”

Ainda que já soubesse o que queria fazer da vida, isso ainda não era uma carreira. Não havia certeza alguma de que este sonho de vida pudesse se tornar realidade. Ele conta que durante muito tempo ficou tentando eliminar o medo de que as coisas dessem errado. Até que começou a se dar conta de que a segurança financeira não viria de nada externo, como um contrato de trabalho ou um cliente, mas sim de dentro dele mesmo.

É Henrique Pistilli na foto. Olhe de novo: ele está na onda.

É Henrique Pistilli na foto. Olhe de novo: ele está na onda.

“Se eu tivesse feito as escolhas pelo medo, provavelmente estaria sendo um consultor de change management e morando em São Paulo. Mas estaria sem esporte e sem isso do facilitador. Talvez estivesse com muito mais patrimônio, mas não estaria feliz”, diz ele.

Até encontrar o equilíbrio entre o que queria para a vida e o que sua conta bancária precisa ter, Henrique enfrentou dificuldades financeiras. Enquanto construía sua trajetória profissional, ele teve três relacionamentos longos nos quais os negócios e o envolvimento se misturaram. “Algumas pessoas fazem isso muito bem. Mas envolver a pessoa com quem você se relaciona na sua vida profissional, para mim, não funcionou”, conta.

Como seu trabalho, hoje consolidado, ainda depende muito dele, Henrique continua programando a vida de uma maneira relativamente simples: ele leva em conta seus objetivos (por exemplo, viajar para o Havaí ou manter os treinos em Noronha) com o quanto de dinheiro precisará levantar para cumpri-los.

“Quanto menor o seu custo mensal, maior a sua liberdade. Não significa ser miserável, mas não deve esquecer como é viver com pouco. Sabendo tirar o que não é tão importante, você vai manter só o que realmente importa”

A fórmula funciona especialmente para momentos de transição, que é onde Henrique avalia estar desde que passou a alternar a rotina de consultor e coach com a agenda de gravações para o programa no Canal Off. “Estou no final dessa transição, mas tem sempre um momento em que você é preciso se jogar”, afirma. A exposição na TV trouxe consequências inesperadas para ele. A negativa é que os pedidos de consultoria corporativa diminuíram (“as pessoas acham que estou gravando o tempo todo e não chamam”). Os trabalhos, que eram mais contínuos, começaram a se transformar em palestras que hoje podem custar de 5 a 15 mil reais, dependendo do tema e do cliente. “Minha história com esporte e com a TV gerou um novo produto, que é eu contar e gerar reflexões e inspiração, e conseguir cobrar mais por isso”, diz.

A primeira temporada na TV foi ao ar em janeiro de 2014 após o convite acontecer na praia mesmo (onde mais?), um ano antes. Um amigo de faculdade, que também tinha trabalhado na Aiesec, estava recém-separado e viera a Fernando de Noronha passar uma semana com Henrique para repensar a vida. Ao ver a rotina de Henrique, o amigo percebeu a conexão com o que o canal Off exibe (lifestyle na natureza, surf, por do sol). “Ele trabalha com cinema, conhecia uma das produtoras do canal e me apresentou. O processo foi acontecendo e deu certo”, conta Henrique. A segunda temporada está aí. As ondas continuam vindo, e ele segue surfando. “Hoje, a maior parte do meu tempo tem a ver com fazer trabalhos na praia, que eu amo e faria até de graça, está ótimo.”

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