Até o fim de 2015, Danilo Costa vinha construindo o que parecia ser uma carreira promissora no setor financeiro. Estagiou na área de equity do BTG Pactual, depois atuou por quase dois anos no Itaú BBA e outros dois na gestora de recursos RBR.
Na cabeça dele, porém, as coisas não iam tão bem. Foirmado em direito pela FGV, e neto de professores, ele se sentia desconectado da trajetória que vinha traçando, uma jornada até ali sem espaço para o propósito social. “Por isso, decidi arrancar o band-aid e fazer uma loucura.”
Assim, em novembro de 2015, Danilo largou o mercado financeiro e lançou a Vereda Educação. A proposta era levar ensino integral a estudantes dos ensinos fundamental e médio, incluindo alimentação e foco em matérias como português, inglês, matemática e educação física, com mensalidades acessíveis.
A Vereda hoje tem três escolas na Grande São Paulo. Danilo permaneceu no negócio até o início de 2020, quando vendeu sua parte para um grupo de investidores, logo antes da pandemia chegar ao Brasil. Ele já estava com outra ideia na cabeça: empreender para atenuar o peso das mensalidades das escolas particulares de ensino básico.
Foi com esse ideal em mente que, em março de 2020, Danilo fundou o Educbank, uma fintech que se propõe a pagar em dia o valor cheio das mensalidades de escolas que integram sua rede de clientes. No final do ano, os inadimplentes quitam o que estão devendo, valor que então vai todo para o Educbank, ou fazem um acordo com a escola.
A fintech cobra uma taxa sobre o preço das matrículas para financiar o serviço que oferece. Entre as vantagens para a educação, Danilo identifica uma maior segurança para investir no ensino e na infraestrutura da escola, o que também eleva o nível de satisfação dos pais.
Hoje, o Educbank tem parceria com centenas de escolas em 22 estados do Brasil. Em julho de 2022, o projeto captou 200 milhões de reais numa rodada de investimentos liderada pela empresa brasileira de educação básica Vasta e acompanhada pelo fundo Marrakech Capital.
Recentemente, Danilo, que hoje tem 34 anos, foi reconhecido pelo prêmio Inovadores com menos de 35 na América Latina, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), e recebeu homenagem no Empreendedor do Ano da EY.
A seguir, leia a conversa de Danilo Costa com o Draft:
Como foi sua trajetória pessoal dentro da educação brasileira? Você veio de uma família que tinha esse background educacional, certo?
Eu cresci nesse ambiente. Meus avós eram professores e sempre tive o sonho de trabalhar com educação. Mas, como não tinha herança, precisava fazer o meu.
Então me formei em direito na FGV em vez de embarcar logo cedo num projeto de educação básica, que era o meu sonho. Até porque nenhum pagaria tão bem quanto o mercado financeiro.
Fui trabalhar uns anos no mercado, mas me senti um peixe fora d’água. E senti principalmente muita falta de propósito e impacto social na minha vida. Por isso decidi “arrancar o band-aid” e fazer uma loucura…
Em 2016, criei a rede Vereda, um conceito pioneiro no Brasil, uma escola em tempo integral voltada para famílias de baixa renda, onde a criança tinha café da manhã e almoço, alimentação de primeiro mundo a um baixo custo
Além disso, os alunos tinham aulas de inglês todos os dias, bons professores, muito esporte, e tudo dentro de centros urbanos, próximos das casas dessas crianças.
Acertamos em cheio, era exatamente do que a família brasileira precisava naquele momento e acabou virando muito rapidamente uma das principais redes de escolas no estado de São Paulo. Dei uma sorte muito grande de vender a rede Vereda em janeiro de 2020, dois meses antes da pandemia.
Hoje vários grupos do setor exploram esse conceito de escolas de baixa renda em tempo integral, mas quando fiz era uma coisa muito inovadora.
E como você saltou dessa posição de mantenedor escolar para entrar novamente no mercado financeiro, mas com uma visão de impacto educacional?
Depois que vendi a Vereda, não podia mais ser mantenedor, a coisa pela qual mais me apaixonei na vida até então.
Então decidi criar o Educbank para resolver um problema que senti na pele e que enxergo como o maior entrave da educação no Brasil: a escola não ter acesso a capital. Até por toda a inadimplência que existe no setor
Hoje os pais podem atrasar as mensalidades ao longo do ano letivo, mas no final precisam quitar o débito em aberto com a escola para rematricular a criança para o ano seguinte.
Por conta disso e pela inexistência de linhas de crédito para escolas, o gestor educacional brasileiro passa mais tempo lidando com capital de giro e cobranças do que com a educação em si.
Nenhuma democracia na história conseguiu se consolidar sem uma educação básica de qualidade, e não é diferente no Brasil. Então vesti meu quimono e entrei nesse tatame, criando outro conceito inovador no Brasil em 2020, que foi uma linha de crédito para escolas
No começo, me chamaram de louco, foram seis meses ouvindo xingamento. Diziam que, se fosse possível, o Itaú já teria feito. Eu era o jovem estudante de direito tentando desafiar o status quo do sistema.
Como a experiência que você teve no mercado financeiro ajudou na criação do Educbank?
O mais importante foi perceber — trabalhando do outro lado da mesa, nos grandes bancos — que se você consegue dar linha de crédito, acesso a capital e fomentar de frigoríficos a postos de gasolina e lojas de cosméticos, por que não fazer o mesmo com a educação básica?
E, afinal, qual a principal proposta do Educbank? Como ele traz disrupção para esse mercado?
Basicamente, a gente alavanca a escola. Mesmo que as famílias não paguem as mensalidades, continuamos depositando o valor integral no início de cada mês, fazendo com que não exista mais inadimplência.
A experiência de ser um gestor educacional apoiado pelo Educbank é transformadora. Aqueles 50% da agenda que antes você dedicava à cobrança e capital de giro agora vão todos para a educação, aquilo que a pessoa sabe e gosta de fazer. Então o desempenho educacional da escola se transforma.
As escolas do Educbank todos os anos já crescem muito acima da inflação. Significa ter um gestor educacional animado e com capital no bolso para fazer a escola destravar todo seu potencial
No final do ano, todos os inadimplentes ainda precisam quitar o que estão devendo para se rematricular ou então fazem um acordo com a escola. Aí o Educbank retém essa quitação que a escola já recebeu antecipadamente, então o efeito é líquido.
Por estarmos apoiando a escola, injetando capital e dando mais orçamento, elevamos o nível de satisfação dos pais de alunos. A tendência é, com o apoio do Educbank, o engajamento das famílias e a taxa de rematrícula ficar ainda maior.
O que vocês fizeram para vencer as desconfianças do mercado no início?
Tentaram cancelar a gente no começo. Mas, se você quer deixar um colaborador do Educbank motivado, é só dizer não para ele.
A gente não aceita não como resposta, está no nosso DNA desafiar o status quo. Se diziam que não era possível um produto financeiro voltado para a educação básica, o Educbank provou que era.
Os fundadores estão presentes no dia a dia do negócio, o que cria uma virtude sólida do ponto de vista de cultura da empresa. Isso inspira. Não à toa existem vários outros hoje começando a fazer o que a gente faz
Toda semana chega mensagem de alguém pedindo ajuda e mentoria. Também recebo convites para fazer parte de conselhos ou apoiar empreendedores que querem copiar nosso modelo de negócio na Argentina, Colômbia, Peru, México…
É muito legal tudo isso, fazer com humildade, reconhecendo que o legado maior é ter um setor hipertrofiado, em que todo mundo ganha. Essa causa é mais forte do que qualquer outra coisa, isso une as pessoas.
O Educbank passou ao longo da vida por algumas crises de dar frio na barriga, de ter só 30 dias de caixa ou precisar rever o modelo de negócio do dia para a noite, reestruturar o conceito do produto, pivotar diversas vezes
Várias empresas não conseguem superar desafios como esses, tanto que a mortalidade das startups no Brasil é muito grande. Por isso muita gente me pergunta como o Educbank conseguiu chegar onde está.
Respondo que a transparência entre as pessoas gera uma confiança e um engajamento que faz com que, nos momentos em que todo mundo teria todas as desculpas para desistir, isso acaba deixando a gente ainda mais forte.
Ao longo da nossa trajetória, isso aconteceu pelo menos umas quatro vezes.
Que impacto você enxerga em um projeto como esse para a educação brasileira?
Vejo efeito não só na educação brasileira, mas na América Latina como um todo.
Primeiro, provamos que dá para acreditar na educação básica. Como falei, quando começamos a empreender no setor, fomos muito criticados. Todo mundo falava mal, dizia que era um setor arriscado para investir. Se a escola não te paga, não tem como fechá-la. Por isso, nenhum grande banco até hoje quis se dedicar ao setor.
Então, essa ruptura foi a primeira coisa. E ainda inspiramos mais gente boa, projetos interessantes e jovens talentos a se dedicar à educação básica no país. Isso já está acontecendo
Depois que o Educbank surgiu, vários outros projetos e empresas passaram a fazer o que a gente faz. Tem pelo menos quatro de médio e grande porte seguindo exatamente a ideia que inventamos lá em 2020.
Alguns enxergam por um prisma de concorrência, mas a gente vê com muito orgulho, porque o setor e o Brasil ganham.
Outros países da América Latina, inspirados nesse conceito, hoje também já vêm trabalhando dentro de sua educação básica com projetos parecidos. Estamos ajudando a alavancar a educação básica no continente como um todo.
E qual o impacto na vida das famílias e dos próprios estudantes?
Eles ganham uma escola mais capitalizada, com orçamento e capacidade de investir em novos recursos, expandir e levar esse serviço a uma parcela maior da população. Têm também condições de acesso a ferramentas mais modernas. Ou seja, ganham uma escola melhor.
Você lembra de exemplos de escolas que mudaram radicalmente com a chegada do Educbank?
Tenho vários. Muitas das nossas escolas conseguiram criar laboratórios, bibliotecas e investiram em novos projetos usando o capital de giro do Educbank como principal fonte de recursos. E também algumas que estavam para fechar as portas. Só não fecharam por causa da empresa.
Volta e meia, recebemos depoimentos de mantenedoras dizendo que era para ser seu último ano de atuação, mas o Educbank veio como um alento, uma inspiração muito grande.
O Educbank não tem um ‘negócio’, mas sim uma causa. Somos uma companhia com propósito, e esse propósito é ampliar o acesso à educação básica de qualidade no Brasil. Essa é nossa razão de existir
Hoje, só 8% da população brasileira tem acesso a uma escola de padrão internacional de qualidade, segundo dados da OCDE. Isso não é certo.
Hoje você acredita que o setor privado pode fazer mais do que o próprio poder público pela educação básica no Brasil?
No passado recente, eu via uma postura muito vitimista no setor. “Ah, o governo deveria criar escolas públicas melhores, então a culpa é só do poder público por não fazer o papel dele…”, “A escola particular é muito boa, mas custa caro” etc. E eu não gosto desse discurso, gosto de pegar para mim.
Se você vai ser coadjuvante ou protagonista do filme da sua vida, cabe a você decidir. Decidimos que, no filme do Educbank, íamos protagonizar esse movimento
E vamos cumprir nosso papel para ampliar a educação básica de qualidade até 2030, em linha com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável número 4 da ONU [orientação que visa uma educação inclusiva e equitativa e de qualidade].
Sua própria experiência dentro do processo educacional moldou a visão que você tem sobre a educação?
Fui muito privilegiado com a faculdade que fiz, o curso de direito na FGV. Um curso muito vanguardista para a época, todo baseado em diálogos socráticos. Começando pelo vestibular, que tinha uma prova oral em que caíam temas como cinema e história da arte. Estudei muito para conseguir entrar, era um sonho.
Foi uma faculdade com uma vertente bem ampla. Isso com certeza estimulou meu lado acadêmico, justo o que me fez sentir como um peixe fora d’água no mercado financeiro e ter uma paixão pela educação que em certo momento não pude mais evitar.
Com o passar do tempo, essa visão foi mudando de alguma forma?
Duas coisas aconteceram de dez anos para cá na educação básica. Uma foi macro, a outra micro.
A micro foi que projetos como o Educbank e a Vereda começaram a aparecer. Isso é muito importante porque cria precedentes, inspira e atrai mais gente para fazer aquilo. Isso gera concorrência, mais gente falando do mesmo assunto.
O fator macro foi um reordenamento da indústria de educação como um todo. Há dez anos, o ensino superior era o principal nicho do mercado e a educação básica, o patinho feio. Hoje, isso se inverteu
O ensino superior vem passando por uma revisão de prioridades, com uma Geração Z que está aprendendo por habilidades e competências, um aprendizado ao longo da vida. Das dez profissões mais bem remuneradas hoje no mercado, boa parte não depende mais exclusivamente do ensino superior.
Essa mudança estrutural nos últimos tempos foi fundamental. O ensino superior ceder espaço a outros nichos faz com que a educação básica — que não tem esse nome à toa, porque é a base de tudo — se hipertrofie ainda mais.
Quando o pós-colégio deixa de ser prioritário ou obrigatório, essa base de valores, habilidades e competências é o que faz mais diferença num mundo cada vez menos orientado por certificações acadêmicas.
Em 2021, o Educbank foi eleito pela London School of Economics and Political Science como uma das companhias mais inovadoras do mundo. Em 2022, você foi reconhecido no prêmio Inovadores com menos de 35 anos pelo MIT e agora acaba de ser homenageado no Prêmio Empreendedor do Ano. Como você encara esse reconhecimento? E quais os próximos passos?
É positivo principalmente para o setor. Quando essas instituições reconhecem nosso trabalho, a mensagem que isso passa e o protagonismo que gera para a educação básica são muito importantes. Só convida e provoca mais gente boa e recursos humanos e econômicos a voltar sua atenção para um setor que ainda carece tanto de oportunidades.
O sonho do Educbank nos próximos anos é apoiar 25% das escolas brasileiras. Nosso próximo passo até chegar nesse sonho é executar o plano que traçamos desde o início
Somos ambiciosos, mas muito humildes. Se todo dia dermos um passinho a mais nessa direção, já seremos mais felizes. Hoje estamos presentes em 22 estados brasileiros, com centenas de escolas.
Movida pelo lema “siga sua paixão”, Letícia Schwartz foi viver nos EUA e fez sucesso com livros sobre gastronomia. Até que se apaixonou pela educação e fundou uma consultoria que ajuda alunos a ingressar em faculdades americanas.
Criado no interior gaúcho, Alsones Balestrin fez do seu doutorado na França um trampolim para voos mais altos. Foi secretário de Inovação, Ciência e Tecnologia do RS e hoje capacita empreendedores por meio da edtech Startup Academy.
A falência do pai marcou a infância e mudou a vida de Edu Paraske. Ele conta os perrengues que superou até decolar na carreira – e por que largou a estabilidade corporativa para empreender uma consultoria e uma startup de educação.