Era para ser um dia como outro qualquer. Recém-chegado de uma das minhas viagens semanais à sede da empresa, em Maringá (PR), na manhã quente daquela quinta-feira, após tomar o café da manhã com a família, algo me incomodava muito.
Já estava sentindo, há alguns dias, uma coceira generalizada, que dominava todas as partes do meu corpo. Naquele dia, no entanto, ela estava incontrolável. Mesmo assim, deixei minha casa rumo ao nosso escritório na capital paulista.
No caminho, uma sensação de calor e frio foi me dominando, juntamente com uma dor de cabeça que apareceu do nada. Meu coração começou a disparar. Tudo isso aliado à coceira que não passava.
Nossa, há algo de errado comigo, pensei. Como o escritório fica no Morumbi, resolvi passar no Hospital Albert Einstein para ver o que acontecia.
Conforme fui me aproximando do hospital, tudo foi ficando ainda pior. Cheguei a descer do carro no pronto atendimento auxiliado por uma enfermeira e sentado em uma cadeira de rodas. A sensação era de que eu iria morrer.
DEPOIS DE UMA SÉRIE DE EXAMES O VEREDICTO: EU NÃO TINHA “NADA”…
Entrei em uma espécie de fast-track e logo estava sendo medicado, acometido por todos aqueles sintomas, mais uma tremedeira que fez com que os médicos colocassem uns três cobertores sobre mim.
Após algumas horas de hospital, fazendo os mais variados exames para tentar encontrar um diagnóstico para aquele quadro inexplicável, chegou o veredito…
“Senhor Marcos, fizemos todos os exames possíveis no senhor e tenho uma coisa para lhe dizer: o senhor não tem absolutamente nada. Não há qualquer problema físico identificado em seus exames.”
O diagnóstico parecia tão impossível para mim quanto para o médico que o apresentava. Com um olhar desconfiado, ele me perguntou: “O senhor está passando por algum problema familiar? Na empresa? Está muito preocupado com algo? Já pensou em visitar um psiquiatra?”.
Nossa, aquilo soava como uma loucura para mim.
AINDA QUE RELUTANTE, FUI PROCURAR UM PSIQUIATRA
Estava vivendo sim uma questão com meu filho adolescente que me aborrecia por suas atitudes (quem não passa por isso?), além de alguns problemas na empresa. Com mais de 29 anos de carreira, acabei me especializando em projetos complexos de estruturas societárias pujantes, M&A e turnarounds, o que certamente me fazia sempre ter problemas nas empresas.
Mas isso nunca tinha me afetado psicologicamente (ainda que me tirasse do sério algumas vezes).
“Psiquiatra? Nossa, será para tudo isso?”, pensei. Mas como sempre fui decidido e determinado, encarei a briga interna de procurar um médico da saúde mental pela primeira vez na minha vida
O verdadeiro diagnóstico não tardou a chegar. Bastou uma consulta de duas horas com um profissional brilhante para que eu tivesse o veredito:
“Marcos, você está com TAG (Transtorno de Ansiedade Generalizada), agravado pelo consumo excessivo de bebidas alcoólicas. Vou te dar um remédio para o controle, mas você precisa parar imediatamente com a bebida.”
NÃO TINHA PERCEBIDO COMO A BEBIDA ME FAZIA MAL
Nunca imaginei que o que eu bebia estava me fazendo mal. Nunca fui alertado de que havia passado da conta.
Jamais saí cambaleando ou fora do meu juízo, de uma festa ou evento social. Minha esposa nunca me pediu para deixar de beber por eu ter passado da conta.
Como assim? Parar de beber? Eu adorava beber. Bebia, sim. Bebia em almoços de negócios em restaurantes finos, bebia em happy-hours com o time da empresa, bebia frequentemente em casa quando chegava para contar as novidades do dia para minha esposa… Parar por quê?
Não via isso como algo possível, sob qualquer hipótese. Eu toparia até dar um tempo para sair daquele quadro — mas parar, de forma alguma. E o mais importante: eu não conseguia ficar um único dia sem beber.
Mesmo assim, resolvi começar a ler e entender tudo o que levava as pessoas ao alcoolismo, o que as fazia retornar após longos períodos de abstinência e quais eram as técnicas indicadas para se livrar do vício.
Percebi o quanto o ambiente corporativo que eu vivia me afetava, sim, psicologicamente. E decidi pedir demissão para me concentrar na cura.
INICIEI UMA ROTINA DE AUTOCUIDADO E DEIXEI A BEBIDA DE LADO
Comecei a estudar o tema e marquei uma data. O dia do meu aniversário seria o início de uma jornada contra a bebida.
Convenci minha esposa a encarar este desafio junto comigo e ela, mesmo sem precisar, topou de imediato, demonstrando a verdadeira companheira que tenho ao meu lado.
Criei uma rotina de autocuidado que levava apenas 15 minutos por dia. Acordava mais cedo, garimpava meus textos a respeito do vício, ansiedade e controle de abstinência
Na sequência, fazia minha meditação de 10 minutos e, como um bom cristão, pedia a Deus apoio naquela jornada.
Terminada a atividade, escrevia meu aprendizado do dia em uma nota no meu celular. E assim cortei o álcool da minha vida de forma súbita e muito tranquila, o que nunca imaginei poder fazer.
Poucos dias depois do início dessa rotina, foi decretado o lockdown total da pandemia de Covid-19. Não demorou muito para que eu notasse que as pessoas iriam intensificar seus hábitos com a bebida e com o cigarro durante o confinamento, afinal o home office proporciona esta liberdade. Assim como não custou perceber que elas precisariam de ajuda para deixá-los.
DECIDI ORGANIZAR MINHA METODOLOGIA PARA AJUDAR OUTRAS PESSOAS
Foi aí que nasceu a ideia de reunir tudo o que me custava um tempo longo para fazer em uma só ferramenta, capaz de trazer a mensagem do dia, os exercícios de meditação direcionados para o tema e a reflexão diária escrita em um livro da jornada.
Comecei a buscar um time que comprasse esta ideia comigo. Afinal, tínhamos que definir os temas, escrever as mensagens e ter um time técnico forte para validar — pelo lado médico e psicológico — todo o nosso conteúdo
Também precisei reunir uma turma fera em tecnologia, pois minha ideia era ter um aplicativo robusto para a entrega do conteúdo.
E assim iniciei o desafio de montar a D1T – Dei um Tempo. Uma healthtech que busca ajudar pessoas a ressignificar suas relações com hábitos indesejados, sem selar um compromisso eterno.
TIVE MEUS TROPEÇOS NA ÂNSIA DE FAZER MAIS DO QUE UM MVP
Comecei também errando profundamente. Saí gastando muito para colocar um time competente em campo e definindo um produto que era um projeto completo, robusto e escalável, muito mais do que um simples MVP.
Eu credito o erro à minha busca por excelência e capacidade de planejamento. Foi quando me dei conta da primeira lição: nO mundo das startups, estas duas qualidades, tão valorizadas no mundo corporativo, não querem dizer absolutamente nada — e ainda podem te prejudicar
Sabia também das dificuldades de startups focadas exclusivamente em B2C no Brasil, devido ao alto custo da aquisição de clientes. Sendo assim, montei o projeto já preparado para caminhar ao mundo B2B e B2B2C.
Outra grande besteira. Pensar em alternativas neste ecossistema significa perder o foco e estimular o atraso no desenvolvimento — novamente o contrário do que eu vivia no mundo corporativo. Essa foi minha segunda lição.
Fizemos todo o conteúdo em poucos meses, gravamos intensamente os vídeos diários com equipamentos de primeira qualidade, duas câmeras, cenários diversos e muita edição para tornar tudo atrativo e dinâmico. Montei um time de peso no conteúdo que se mostrava cada vez mais competente. Tudo caminhava bem nesta área.
EMPREENDER EM TECNOLOGIA É UMA BRIGA DE GIGANTES
Paralelamente, como acontece com toda startup, eu sofria na tecnologia para tentar segurar os desenvolvedores na empresa.
Mesmo com participação no equity da companhia e salários compatíveis aos do mercado, eles deixavam a D1T. Tristes porque amavam o projeto, mas com propostas irrecusáveis de empresas estrangeiras pagando em dólares ou de startups brasileiras que haviam conseguido aportes multimilionários.
Eu perdi praticamente todo o time de desenvolvedores até o lançamento. Nem o CTO da empresa ficou comigo, mesmo tendo 20% de participação sem ter feito qualquer aporte
E foi aí que aprendi a terceira lição: empreender em tecnologia, nos dias de hoje, é uma briga de gigantes. Ou se tem muito dinheiro para gastar, ou não se meta com o tema.
DA CONCEPÇÃO AO LANÇAMENTO EM APENAS OITO MESES
Apesar disso, minha capacidade de execução fez o projeto sair de forma robusta e no tempo que queríamos: foram apenas oito meses da concepção ao lançamento.
O aplicativo foi ao ar com uma qualidade incrível e ganhou elogios de profissionais competentes do mercado devido à sua bonita interface e à experiência de usuário.
Com pouco mais de três meses desde o lançamento e tendo oferecido seus programas em formato freemium para popular a plataforma, a Dei um Tempo já atraiu mais de 12 mil interessados em suas jornadas de 90 dias contra o álcool, tabaco — e uma trilha recém-lançada para pessoas que estão buscando cortar a carne da sua alimentação.
Cerca de 500 usuários já terminaram as jornadas e declaram ter conseguido mudar suas vidas e melhorar a saúde física e mental com nosso apoio.
AGORA, A META É BUSCAR INVESTIDORES (ALGO QUE EU DEVERIA TER FEITO ANTES)
Desde junho, a D1T busca investidores para que possamos estender os produtos para 365 dias, implantar nossa plataforma de atendimentos clínicos aos participantes e lançar o marketplace, em que os usuários poderão trocar seus pontos nas atividades por produtos e serviços correlatos às suas jornadas.
Neste momento, aprendi outra lição: se você tem uma ideia de negócio, a primeira coisa a se fazer é uma apresentação de PowerPoint com apenas 15 slides e correr atrás de investidores para medir a temperatura e captar os recursos que você precisa para colocar o MVP de pé. Ninguém comprou? Joga no lixo e tenta outra
Ainda vejo muitos caminhos para a D1T. A empresa é extremamente jovem e firmei o compromisso com meus sócios e parceiros para encontrar soluções inovadoras que nos façam persistir neste bonito projeto.
(E aqui vai mais uma lição: a resiliência é qualidade primordial no mundo das startups.)
O COPO AGORA ESTÁ SEMPRE CHEIO DE AUTOCONHECIMENTO
“E a sua saúde?”, você deve estar se perguntando. Hoje estou totalmente curado do Transtorno de Ansiedade Generalizada. E fiquei longe do álcool por mais de um ano. Para ser exato, me mantive abstêmio por 482 dias.
Decidi retomar a bebida apenas em ocasiões especiais, e com o limite de uma ou duas taças de vinho. Na maioria das ocasiões, bebo cervejas sem álcool (e me sinto tão feliz como se elas fossem alcoólicas)
Essa jornada me trouxe uma nova visão de mim mesmo. Pude entender o que me levava ao vício, como identificar estes gatilhos e substituí-los por atividades mais saudáveis, tanto para o corpo quanto para a mente.
Agora, consigo dar o peso correto às adversidades que vivo, levando a vida de forma mais serena e plena.
Desta forma, beber algo que não tem álcool me traz a mesma alegria. Afinal, descobri que a felicidade está dentro de mim — e não depende de um copo cheio daquilo que não me faz bem.
Marcos Tartuci é fundador e CEO da Dei um Tempo, healthtech que tem a missão de ajudar quem quer se livrar de hábitos indesejados. É formado em Turismo e Hotelaria, mas tem uma carreira de três décadas em diversos segmentos: moda, fitness, educação, café e cinema. Foi diretor geral da Bioritmo e um dos responsáveis pela criação e internacionalização da Smartfit Academias. Também participou ativamente, pelo lado da Pearson, na aquisição do Grupo Multi (Wizard).
Alê Tcholla começou a trabalhar aos 16, no departamento financeiro da TV Globo, mas sabia que seu sonho era outro. Foi desbravando novos caminhos até fundar a blood, agência que cria experiências de marca em eventos presenciais e online.
Bruna Ferreira trilhava uma carreira no setor financeiro, mas decidiu seguir sua inquietação e se juntou a uma amiga para administrar um salão de beleza. Numa nova guinada, ela se descobriu como consultora e hoje ajuda empresas a crescer.
Na adolescência, Alon Sochaczewski ganhou uma prancha de surfe e um computador. Surgiam ali duas paixões que impactariam para sempre a sua vida e o inspirariam a fundar a Pipeline Capital, empresa de M&A com foco em negócios de tecnologia.