Belas praias, Carnaval, caipirinha, feijoada? Não, o que impulsionou a mudança de Andrea M. Lehner, 38, de Roma, na Itália, para São Paulo, foi a questão do lixo no nosso país.
Ao chegar no Brasil, em janeiro de 2020, para uma viagem de turismo, ficou impactado com o que viu. Ele já tinha vivenciado o mesmo choque no México, onde teve uma ideia de negócio que acabou não indo para frente.
Mas aqui, Andrea entendeu que a oportunidade era outra. E o que seria um passeio se transformou na oportunidade de empreender no ecossistema brasileiro. O lockdown causado pela pandemia também deu um empurrãozinho nesse processo. E assim, ele prolongou sua primeira vinda ao país, programada inicialmente para durar apenas duas semanas:
“Me apaixonei pela possibilidade de abrir um negócio no Brasil e comecei a conversar com pessoas envolvidas com esse setor: de catadores e carroceiros a síndicos de prédios, donos de lojas e restaurantes”
Andrea se dedicou, ao longo de 2020 e do primeiro semestre de 2021, a estudar bastante o tema. E, em junho daquele ano, decidiu validar sua proposta criando uma landing page.
Assim nasceu a Realixo, que oferece o serviço de coleta de resíduos por assinatura com foco em recicláveis e orgânicos. É uma boa solução para quem não se anima em ter uma composteira — e minhocas — dentro do apartamento, por exemplo.
A empresa garante não só a coleta, mas a destinação correta dos resíduos, enviando no final do mês um relatório sobre o impacto positivo gerado. Oferece o mesmo serviço para as empresas, além de gestão de eventos lixo zero.
A operação da Realixo começou, de fato, em maio, de 2022. O empreendedor juntou 500 mil reais do próprio bolso e de family friends and Fools (FFF) para dar início ao negócio. O montante ainda está em uso.
Por enquanto, o serviço está disponível apenas em Pinheiros e Vila Madalena, na Zona Oeste, nos Jardins e em uma parte do Centro de São Paulo. Andrea, que hoje domina bem o português, já tem no portfólio 15 empresas atendidas (entre clientes recorrentes e pontuais), 60 assinantes pessoa física e mais de dez eventos realizados.
Na ponta do lápis, isso representou 5 toneladas de resíduos destinados corretamente em oito meses. Os recicláveis foram doados à cooperativa Coopamare, a primeira cooperativa brasileira de catadores, localizada em Pinheiros. Já os orgânicos, destinados à horta urbana Sítio Sampa, no bairro do Jaguaré, Zona Oeste da capital paulista.
ENGAJADO HÁ TEMPOS COM O TEMA DA SUSTENTABILIDADE, O EMPREENDEDOR JÁ TRABALHOU NO GREENPEACE
Andrea se formou em Economia e Gerenciamento de Empresas na Itália. Desde cedo, porém, sabia que atuar no mundo corporativo não seria o seu destino.
“Não queria trabalhar para uma grande empresa que só quer maximizar seus lucros sem pensar no direito das pessoas e no meio ambiente”, diz.
Como alternativa, buscou um mestrado em Economia para o Desenvolvimento Sustentável. Mas foi além:
“Queria experimentar a vida de um agricultor. Então, passei um ano na Toscana trabalhando em uma pequena fazenda orgânica”
Essa experiência fez com que Andrea refletisse sobre os impactos que queria ter no meio ambiente, o que o levou a se candidatar a uma vaga no Greenpeace, onde trabalhou por seis anos no departamento de comunicação e fundraising. “Lá, entendi muito dos problemas do meio ambiente e das possíveis soluções.”
Durante este período, Andrea chegou a fazer uma pausa de um ano para cursar uma escola de startups, quando teve a oportunidade de criar dois negócios, a Fanraise (de crowdfunding de projetos a partir da venda de camisetas divertidas) e o Printagram (uma impressora portátil para smartphones). Ambos os projetos, no entanto, acabaram não indo adiante.
“Com essas outras startups, entendi que não é tão importante se apaixonar pelo produto ou serviço que você está criando, mas pelo problema que você está ajudando a solucionar”
Ele continuou então no Greenpeace até 2017. Também se tornou assistente de um professor universitário de Marketing do Meio Ambiente e da Inovação e de outro que lecionava Comunicação Empresarial.
Ao sair da ONG ambiental, foi trabalhar em uma agência que produzia vídeos e fotos para empresas e para a área de moda.
“Quando deixei esse trabalho, consegui juntar dinheiro suficiente para pagar as contas e decidi me dedicar à paixão de escrever, estudar desenho e pintura, e viajar.”
Foi numa dessas viagens, pelo México, na costa do Pacífico, que a questão do lixo chamou sua atenção pela primeira vez. Depois, no Brasil, veio o segundo choque, quando deu início à Realixo.
COMO FUNCIONA O SERVIÇO DE ASSINATURA OFERECIDO PELA EMPRESA
Ao aderir à assinatura de coleta seletiva para residências da Realixo, o cliente pode optar por três planos. No básico (R$ 14,90 por mês), sempre que quiser é possível levar os resíduos orgânicos e recicláveis na sede da Realixo, em Pinheiros.
Pagando um pouco mais, a Realixo fica responsável por fazer a coleta quinzenalmente na casa do cliente. Fica em 22 reais para a coleta quinzenal e 44 reais para a semanal. Dá para combinar com a empresa o melhor horário e dia para a retirada.
No caso dos resíduos orgânicos, a empresa entrega para os clientes um baldinho vedado em que eles depositam restos de alimentos em geral, folhas, cascas de ovo, sementes, ossos, filtros de café, guardanapos usados etc.
Sobre o tamanho dos baldinhos, para uma casa com mais de três pessoas em que se cozinha todo dia, recomenda-se o de 20 litros. Já para uma residência com mais de duas pessoas em que se faz comida quase todos os dias, a recomendação é o de 18 litros.
Quem mora sozinho ou com até duas pessoas e gera poucos resíduos orgânicos se dará bem com um balde de 16 litros. Se quiser ser ainda mais sustentável, o cliente pode comprar da Realixo uma sacola compostável, da Oeko Bioplásticos, que se decompõe em poucos dias, para forrar o baldinho ou usar uma comum.
E se você já ficou com a preocupação em relação ao mau cheiro, Andrea explica:
“Começamos a oferecer para os assinantes adicionarem ao plano a serragem, que ajuda a reduzir o chorume. Também damos a dica da pessoa colocar na pia da cozinha um recipiente menor com tampa para colocar os resíduos orgânicos e abrir nosso baldinho apenas uma vez por dia”
Mas fica o cutucão: “Obviamente, se a pessoa não tem vontade de fazer, o cheiro vai ser um problema, uma desculpa”.
No Instagram e no TikTok da Realixo há postagens esclarecedoras sobre esse e outros tópicos, como o que pode ser colocado na composteira e o que é reciclável, além de conteúdos sobre como levar uma vida mais sustentável.
As redes da empresa hoje são bem profissionais, mas no começo eram feitas na “raça” mesmo.
“Eu escrevia o texto em italiano, colocava no Google Translator, encaminhava para uma pessoa que havia contratado na área de marketing. Ela fazia uma revisão e criava uma arte para a postagem”, diz Andrea.
A Realixo também presta serviço para restaurantes, bares, hotéis e condomínios; os valores são acertados de acordo com as necessidades de empresa. Na lista de clientes jurídicos já atendidos estão Regera, Mais 1 Café e Diavola Pizzeria Italiana.
Aí você pode estar se perguntando por que contratar uma empresa para fazer a coleta seletiva? A primeira resposta é que a taxa de reciclagem no Brasil ainda é muito baixa e nem todos os bairros contam com o serviço municipal de coleta. E mesmo quando contam, diz Andrea, não há garantia de que o material coletado tenha destinação correta.
“Lembro quando, há 25 anos, a coleta chegou na Itália, diz Andrea. Naquela época, segundo ele, a taxa de reciclagem no país era inferior a 4%, “como é atualmente no Brasil”:
“Agora, essa taxa na Itália é superior a 65%. Então, dá para melhorar muito em algumas décadas. E o nosso objetivo é acelerar essa transição, porque a gente sabe que o setor público é lento”
A segunda resposta é o diferencial do que é coletado pela Realixo. Além de plástico, papel, metal e vidro, eles se responsabilizam por pegar madeira, roupas usadas e eletrônicos, o que não é feito pelo serviço municipal.
“Estamos também buscando uma licença especial para retirar resíduos tecnicamente perigosos, como óleo de cozinha usado, lâmpadas e baterias.”
GERENCIAR EVENTOS PARA QUE SEJAM LIXO ZERO TAMBÉM PASSOU A SER UMA DAS MISSÕES DA EMPRESA
A empresa de Andrea foi convidada a gerenciar resíduos de um evento, a Feira das Artes da Vila Madalena, e passou a oferecer este tipo de serviço para outros clientes.
“Foi um grande desafio que aceitamos. Neste evento encontramos muitos novos clientes pessoas físicas e também uma empresa chamada Fair&Sale, que realiza feiras com produtores artesanais.”
Desde outubro de 2022, a Realixo atende a Fair&Sale de forma recorrente. Também conquistou outros clientes de gestão de resíduos de eventos pontuais, entre eles o Banco Pan.
“Esse tipo de demanda é algo que não imaginava quando comecei, mas é importante porque tem um impacto grande, já que durante os eventos se produz um volume alto de resíduos”
Ele prossegue: “E mesmo nos bairros onde a coleta seletiva passa isso acontece só uma ou duas vezes por semana e os eventos não esperam por isso, então tudo acaba se juntando ao lixo comum e indo para os aterros”.
A IDEIA NÃO É SÓ CUIDAR DO LIXO, MAS OFERECER PRODUTOS SUSTENTÁVEIS PARA OS CLIENTES
Apesar de no momento o foco da Realixo ser os resíduos, a proposta da empresa vai além. “Nossa missão é acelerar a transição para um mundo sem lixo através da economia circular, ética e sustentável”, diz Andrea.
Para isso, o empreendedor também estuda criar um marketplace de pequenos produtores locais sustentáveis.
“Nosso público já se interessa por esse tipo de produto, mas na correria da cidade nem sempre tem a oportunidade de ter um estilo de vida tão sustentável e saudável como gostaria. Então, a ideia é agrupá-los num único local”
Andrea já começou a fazer um teste com uma marca de cosméticos naturais que é cliente da Realixo, a Nua Honest Care, apresentando o catálogo dos produtos dela para seus clientes pessoas físicas por WhatsApp.
“Antes, fiz questão de entender se as embalagens utilizadas poderiam ser recicladas pelo nosso parceiro, a Coopamare”, diz. “As embalagens de plástico serão recicladas e a ideia é que as de vidro sejam devolvidas pelos nossos clientes e nós retornaremos esse material à Nua, que as reutilizará e devolverá o valor economizado aos clientes.”
O projeto está em fase inicial. Animado, Andrea pretende buscar investimento nos próximos meses para acelerar essa operação. A promessa é que o marketplace comece a ganhar forma ainda neste ano com a parceria firmada com profissionais da escola DNC.
A plataforma, conta, permitirá que seus consumidores levem o “tão sonhado” estilo de vida lixo zero:
“Ao comprar do nosso marketplace, a pessoa saberá que as embalagens dos produtos e os produtos, ao final da vida, serão reciclados, compostados ou reutilizados. Poderemos garantir isso porque cuidamos da logística reversa, diferente do que é feito num mercado tradicional.”
O bagaço de malte e a borra do café são mais valiosos do que você imagina. A cientista de alimentos Natasha Pádua fundou com o marido a Upcycling Solutions, consultoria dedicada a descobrir como transformar resíduos em novos produtos.
O descarte incorreto de redes de pesca ameaça a vida marinha. Cofundada pela oceanógrafa Beatriz Mattiuzzo, a Marulho mobiliza redeiras e costureiras caiçaras para converter esse resíduo de nylon em sacolas, fruteiras e outros produtos.
Aos 16, Fernanda Stefani ficou impactada por uma reportagem sobre biopirataria. Hoje, ela lidera a 100% Amazonia, que transforma ativos produzidos por comunidades tradicionais em matéria-prima para as indústrias alimentícia e de cosméticos.