Quando tinha 4 anos de idade, Kenny Laplante foi diagnosticado com apraxia, um atraso no desenvolvimento da fala.
Nascido e criado em Nova Jersey, na Costa Leste dos EUA, numa família de classe média alta, Kenny começou a frequentar, naquela época (meados dos anos 1990), uma sala “especial” na pré-escola, convivendo com coleguinhas com autismo, Síndrome de Down e paralisia cerebral.
A experiência ficou gravada em sua memória, sobretudo o acompanhamento que ele recebeu de uma fonoaudióloga.
“Essa profissional, a Barbara, se tornou a educadora mais marcante da minha vida. Foram três anos de convivência até que, aos 7 anos, eu saí da sala ‘especial’ e dei um salto para as aulas mais avançadas”
Hoje, inspirado por sua própria história, Kenny, 32, é o fundador e CEO da Genial Care. A missão da startup – na ativa em São Paulo desde 2020 – é garantir que toda criança autista atinja seu máximo potencial.
“Não há nenhum player no mercado que atue em todas as frente da Genial, que inclui intervenção multidisciplinar das crianças, plataforma de saúde com tecnologia e capacitação de time clínico”, afirma.
Casado com uma brasileira, Kenny fala português fluentemente (ainda que com sotaque). Isso explica em parte a decisão de vir empreender no Brasil.
O autismo – ou Transtorno do Espectro Autista (TEA) – é um transtorno do neurodesenvolvimento que impacta habilidades sociais e outros comportamentos.
Kenny cruzou novamente com o tema na vida adulta, quando familiares foram diagnosticados com TEA.
Paralelamente, atuando no fundo de private equity General Atlantic, ele tinha contato com negócios da área da saúde.
Essas experiências foram se entrelaçando e fortalecendo nele a vontade de empreender.
“Eu morava em Nova York e tinha uma vida confortável, mas queria aproveitar meu conhecimento e minhas conexões para fazer algo que realmente impactasse o mundo”
Ele conta que conversou com a namorada (hoje, sua esposa) e decidiram trocar os EUA pelo Brasil, pensando já em montar um negócio.
“Isso foi em 2017. Fomos, aprendi português e arrumei um emprego em uma empresa local para ‘pegar o jeito brasileiro’, e em 2020 comecei a Genial Care.”
Cada autista é único e demanda diferentes níveis de suporte, em uma rotina geralmente intensa, às voltas com terapias diversas e atenção diária da família.
Com foco no atendimento de crianças de até 6 anos, o que a Genial Care busca, segundo Kenny, é facilitar e coordenar esse cuidado, de forma a simplificar a rotina dos pais.
A startup mantém três clínicas multidisciplinares — as “Casas Geniais” — e 11 pontos de atendimento em São Paulo e região metropolitana.
Nesses espaços, as famílias encontram terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos e terapeutas especializados em ABA (Applied Behavior Analysis, ou Análise do Comportamento Aplicada, ciência da aprendizagem recomendada pela OMS para pessoas com desenvolvimento atípico).
Para ajudar na rotina dos pais e cuidadores, as unidades dispõem de coworking. Entre si, os espaços diferem apenas pelas salas de integração sensorial, exclusiva das Casas (é possível fazer um tour virtual por uma delas aqui, e por um dos pontos de atendimento aqui).
A Genial Care também está voltada à capacitação e ao apoio das pessoas cuidadoras, essenciais para a rotina da criança autista.
Esse apoio se reflete no compartilhamento de conteúdos e dicas práticas, via aplicativo, e uma videochamada quinzenal na qual são abordados os principais objetivos do tratamento da criança.
Quando iniciam o tratamento, as crianças passam a frequentar as clínicas de três a quatro vezes por semana.
A jornada da família que opta pelo tratamento com a Genial Care começa com uma avaliação multidisciplinar, que dura, em geral, cinco dias, para entender as necessidades de cada criança.
A partir dessa avaliação inicial é criado um plano de intervenção, com base nos principais alvos do tratamento — se ela tem necessidade de trabalhar a questão verbal ou sensorial, por exemplo.
Segundo Kenny, essa avaliação se dá de forma integrada, com os profissionais compartilhando uma mesma metodologia, segundo a formação oferecida por meio da plataforma Genial Academy.
Aliás, estaria aí uma das vantagens do serviço da startup, na visão do empreendedor:
“O tratamento ‘tradicional’ costuma ser fragmentado, com profissionais que podem não conversar entre si e seguir abordagens diferentes”
Na Genial Care, ao contrário, afirma o empreendedor, há uma interação entre os especialistas, por meio de um prontuário eletrônico.
Todos na equipe usam a mesma plataforma tecnológica, por meio da qual um TO (terapeuta ocupacional) pode levantar uma dúvida e a terapeuta ABA responder.
“Passamos bastante tempo acertando essa linguagem entre os profissionais para que pudessem trabalhar de forma integrada”
Segundo o empreendedor, o sistema de comunicação da Genial Care “é semelhante à ferramenta Slack e favorece a interação entre os profissionais”.
Cerca de 80% da receita da Genial Care vem dos convênios com planos de saúde – Kenny cita especificamente o Care Plus, um parceiro recente.
“Não temos um preço igual para todos os casos, então fazemos pacotes com as operadoras, que variam de acordo com o nível de suporte.”
Kenny afirma:
“O autismo vem ganhando cada vez mais atenção. É uma intervenção cara e em clínicas tradicionais custam de 25 mil a 30 mil reais por mês. Nosso serviço pode economizar cerca de 70% para os planos”
A economia, de acordo com o empreendedor, seria também de tempo investido no acompanhamento:
“Entregamos um resultado de excelência, com uma carga horária de cerca de 8 a 12 horas semanais – ao contrário das clínicas tradicionais, onde essa carga horária pode chegar a 50 horas por semana.”
O segredo, segundo Kenny, estaria no jeito da Genial Care trabalhar:
“É um tempo menor, mas mais eficiente, já que atuamos com uma equipe de profissionais altamente qualificados, multidisciplinar e unificada.”
Para começar a Genial Care, em 2020, Kenny captou 5 milhões de reais do fundo Canary.
Entre os investidores-anjos que puseram dinheiro no negócio estavam Ben Gleason e Thiago Alvarez, cofundadores do GuiaBolso (ao chegar ao Brasil, Kenny trabalhou um tempo no aplicativo de finanças pessoais – que foi pauta aqui no Draft e depois acabou adquirido pelo PicPay), e Thomaz Srougi, cofundador da Dr. Consulta.
Mais recentemente, no início de 2023, a Genial Care recebeu um aporte de 10 milhões de dólares (aproximadamente 51,8 milhões de reais na cotação atual), liderado pelo fundo General Catalyst.
Segundo Kenny, foi a primeira vez que o fundo investiu em saúde comportamental no Brasil. O empreendedor celebra a fase da startup:
“Estamos em um momento de crescimento da Genial Care, com aumento de cerca de 600% em faturamento ano a ano”
O montante será destinado a três frentes. Um dos focos é incrementar o aplicativo, que oferece conteúdo sobre autismo e ferramentas para os cuidadores acompanharem a evolução do tratamento, além de feedbacks e material para os novos terapeutas, em formação.
Além disso, outras duas frentes a serem turbinadas são o programa de treinamento, batizado de Genial Care Academy, e a própria equipe em si, com a ampliação das contratações.
Até o fim de 2023, a meta é dobrar o número de Casas Geniais e chegar a 200 profissionais de saúde.
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