O esporte deu ao advogado Bruno Rodrigues, 29, muito mais do que medalhas. Natural de Santos (SP), ele lutou karatê dos 5 aos 21 anos, e chegou a ser o capitão da seleção paulista. Embora tenha se aposentado dos tatames para se dedicar aos estudos, ele não esqueceu os ensinamentos que os anos de dedicação lhe ensinaram. E os usou ao longo de toda sua carreira até criar a GoGood, em 2016, uma plataforma que ajuda empresas a estimularem seus funcionários a adotarem um estilo de vida mais saudável, principalmente, com relação à prática de atividades físicas, qualidade da alimentação e sono, controle do estresse etc.
Em troca dos resultados positivos (tudo medido via gamificação), as empresas se comprometem a destinar recursos para causas sociais. “Sinto que conectei os dois pontos, causando impacto em ONGs e ajudando funcionários a serem mais saudáveis”, afirma Bruno. Até chegar à conclusão, no entanto, e mesmo à ideia básica por trás da GoGood, ele percorreu um caminho nada óbvio.
Terceira geração de advogados na família, Bruno não escapou do universo jurídico. Completou a graduação, tirou a licença para advogar e percebeu que o que queria mesmo era trabalhar com negócios. “Vi que o setor jurídico, ao contrário do que eu acreditava, não era o que movia uma empresa”, conta. Em vez de buscar uma pós-graduação ou pensar em abrir o próprio negócio logo de cara , ele buscou programas de trainee que o permitiram aprender na prática como gerenciar uma organização. Foi assim que começou a atuar no Grupo RBS, conglomerado de mídia gaúcho, como um dos nove selecionados entre 19 mil candidatos do processo de trainee.
ELE DESISTIU DE UM MBA FORA PARA SEGUIR OUTROS CAMINHOS
Em 2011, começou a atuar como trainee em São Paulo e, logo, foi transferido para o Sul do país, passando por Florianópolis e, depois, Porto Alegre, onde se estabeleceu. “Passei por uma transformação absurda, pois tive que lidar com desafios que eram o estado da arte em outras matérias, como orçamento, plano de marketing de produto e comercial. E eu ainda tinha que me virar, aprender a aprender. A expectativa em cima de mim era alta.” Após ser contratado para trabalhar como executivo de marketing na área de TV da empresa, Bruno colocou como meta para si mesmo conseguir um patrocínio para fazer um MBA nos Estados Unidos. Três anos depois, a proposta veio. Praticamente junto com ela, a notícia de que seria pai, como conta:
“Ter um filho mexeu comigo, tive uma crise de propósito e comecei a pensar no que estava sendo único para o mundo”
Deixou a vontade de fazer um MBA de lado, mas não parou de buscar programas de educação nos moldes americanos. Tanto que, em 2015, quando a Universidade Stanford anunciou que traria o programa Stanford Ignite para o Brasil, ele ficou logo sabendo, pois vários amigos compartilharam com ele a novidade. Fica a lição: “Comunicar o que você deseja é muito importante”, diz ele, quebrando um mito comum de que, às vezes, é melhor guardar planos ou ideias para si, por medo da concorrência.
Lecionado pelos mesmos professores do programa de MBA da Stanford, o Stanford Ignite tem como objetivo ensinar inovadores a formular, desenvolver e comercializar suas ideias. Dura cerca de três meses, durante os quais uma turma de 40 pessoas trabalha em cima de algumas propostas trazidas pelos estudantes. Em outubro de 2015, Bruno participou do programa e levou a ideia de criar uma rede social social que unisse pessoas em torno de causas de impacto positivo.
O projeto não vingou. Durante o programa da Stanford, Bruno percebeu que qualquer rede social precisaria ter um volume de usuários muito grande para começar a gerar lucro, o que poderia levar entre três e cinco anos. A conta simplesmente não fechava.
Voltou-se, então, para o ambiente empresarial e conversou com todo mundo que conhecia com algum vínculo com recursos humanos — os anos como executivo da RBS proporcionaram bons contatos na área. Assim, descobriu que uma das grandes preocupações das empresas era com a saúde e o bem estar dos funcionários. A ideia da GoGood começou a se desenhar quando ele percebeu que poderia criar algo que incentivasse as pessoas a se exercitarem, o que sua própria experiência lhe ensinou ser um dos fatores para uma vida mais saudável.
AS COISAS FLUÍRAM QUANDO A PRIMEIRA PESSOA ACREDITOU E APOSTOU NA IDEIA
Com o projeto em mente, Bruno começou 2016 decidido a encontrar um modelo de negócio que solucionasse a demanda do mercado e, ao mesmo tempo, tivesse algum impacto social. Em fevereiro, saiu da RBS para se dedicar à busca. Um dia, em uma conversa casual com Deli Matsuo, CEO da Appus Technology, falou sobre o aplicativo que idealizava: algo que conectasse o orçamento de doação das empresas com a carga de esportes praticados pelo funcionário (que seria medida por outros apps já existentes, como o healthkit da Apple, o Google fit ou wearables como o fitbit da Garmin.
O empresário gostou da proposta e Bruno deu sua cartada: “Perguntei se, caso desenvolvesse o produto, ele toparia usar na Appus”. Deli topou e Bruno e o desenvolvedor Leonardo de Miranda Borba, 30, seu sócio, mergulharam na nova empreitada. Ao longo de 45 madrugadas, Leonardo, que realizava um doutorado em Ciência da Computação, desenvolveu o app. Em agosto de 2016, o piloto foi colocado em prática e a experiência bem-sucedida os assegurou o primeiro cliente pago. A licença para usar a plataforma varia conforme o número de funcionários, custando cerca de 5 mil reais por mês para empresas de porte médio.
No fim do ano, ganharam um cliente dos grandes, o PayPal, que lançou a plataforma para seus funcionários, desafiando-os a correr 2 500 quilômetros (meta coletiva) em troca de uma doação para a instituição Make a Wish. Isso deu gás ao negócio que, até fevereiro de 2017, tinha como investidor apenas Bruno.
Ele já havia tirado cerca de 120 mil reais do próprio bolso para apostar em estratégia de marketing, fornecedores, contador, entre outros custos. Até a startup ser aprovada no programa Oxigênio, da Porto Seguro, e receber 50 mil dólares, além de três meses de aceleração na Plug’n Play, no Vale do Silício. Além de contratar outro desenvolvedor, com o aporte, os sócios puderam contar com uma ajuda de custo. Mas, mais que isso:
“Começamos a nos enxergar como uma healthtech e ver que esse nicho foi ficando financeiramente mais evidente conforme o tempo”
Bruno prossegue: “Entendemos que mais do que só atividade física, o app deveria levar em conta dados de alimentação, estresse, sono”. Para as empresas, fez sentido: cada vez mais elas percebem que o investimento em programas de bem estar se reverte em diminuição de faltas, aumento do engajamento e melhora na percepção de clima positivo no ambiente de trabalho.
A LIÇÃO QUE O FUNDADOR KARATECA SEGUE À RISCA: DISCIPLINA
Este ano, a GoGood captou outros sete investimentos, entre eles, aportes estrangeiros, fruto da ida recente ao Vale do Silício como parte do programa Oxigênio. Segundo Bruno, a startup vem crescendo 25% ao mês, com 11 empresas de médio e grande porte no portfólio (como MaxiMilhas, Pharlab e TIVIT) e a estimativa de impactar 2 500 pessoas diretamente. O fundador fala mais a respeito do impacto gerado pela iniciativa:
“Além de fazer as empresas apoiarem causas sociais, ver pessoas mais felizes graças ao uso da plataforma me emociona”
Embora se sinta muito mais realizado, Bruno se diz longe de acreditar que “chegou lá”. “Meu pensamento é de que o melhor está por vir, temos potencial para ser algo ainda melhor do que fomos até agora”, diz. Como alguém que já foi atleta, ele não se dá descansos e lembra outro ensinamento trazido do karatê: “O que mais conta para uma ideia dar certo é a execução, a disciplina, a consistência e a persistência”. E desse novo esporte, o empreendedorismo, ele não planeja se aposentar tão cedo.
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