Eles largaram a carreira na área de Engenharia Química para montar a Annora, uma fábrica de bebidas vegetais

Elaine Santos - 11 mar 2019
Em busca de trabalhar com o que realmente acreditam, Bruno Rocha e Taísa Caraça juntaram as economias, conseguiram apoio da família e começaram a produzir leite de coco, em Pinhais (PR).
Elaine Santos - 11 mar 2019
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“Isso é loucura” e “não funciona assim no mundo real” são algumas das frases que Taísa Montibeller Caraça, 25, e Bruno Rocha, 29, ouviam com frequência quando, ainda na faculdade, descreveram a empresa dos seus sonhos, que viria a se tornar a indústria de bebidas vegetais Annora, com sede em Pinhais, região metropolitana de Curitiba. Já naquela época, os estudantes de Engenharia Química questionavam a forma como a maioria das organizações operava e se incomodava com o quanto as pessoas não pareciam ser uma prioridade.

Para fugir desse modelo tradicional, enquanto seus colegas se empolgavam com os estágios oferecidos, o casal pesquisava alternativas. Conheceram Muhammad Yunus, conhecido como “o banqueiro dos pobres”, descobriram os negócios sociais, mas com isso surgiram novas perguntas. Taísa conta que os dois não entendiam por que iniciativas que tinham propósitos e necessidades comuns atuavam de forma tão independente:

“Para nós, o caminho natural seria o da união. Trabalhar em conjunto, colaborando e otimizando recursos para promover o crescimento de todas e ampliar seu impacto”

Transformar essa visão em realidade foi o que despertou neles a vontade de empreender. Para convencer mais empresas de que era possível trabalhar assim, eles sabiam que não bastaria apresentar a teoria. Precisavam ser o exemplo. A decisão de montar uma indústria de leites vegetais aconteceu durante o intercâmbio que fizeram para a Irlanda. Lá, além de estudarem ciência dos alimentos, experimentaram versões da bebida que consideraram muito mais gostosas do que as que conheciam até então. Bruno afirma:

“Já éramos vegetarianos há alguns anos e sentíamos falta de boas opções de bebidas do tipo no Brasil”

Ainda em Dublin, o casal começou a estruturar o negócio com a intenção de criar produtos que fossem tão bons quanto aqueles. Os dois voltaram em 2016 com a certeza do que queriam fazer, mas cientes de que suas economias não seriam o suficiente. Mesmo se tratando de uma operação mais simples, quando comparada a outras do setor de alimentos, o investimento inicial ainda seria alto e eles contavam com apenas 10 mil reais.

A Annora tem três opções de bebidas de coco (não adoçado, original e chocolate) e lançará neste ano seu primeiro leite de amêndoas.

Segundo Taísa, no mesmo período, tiveram que lidar com a resistência de suas famílias à novidade. “Antes da viagem, eu e o Bruno estagiamos em grandes empresas e eles não entendiam por que estávamos desperdiçando a chance de construir nossas carreiras em multinacionais, algo que sempre sonharam para a gente”, diz ela.

Felizmente, não levou muito tempo para que tanto os pais de Taísa quanto os de Bruno entendessem que o desejo dos filhos era outro e passassem a apoiá-los. “Com a ajuda deles, conseguimos 40 mil reais. Ainda era pouco para montar a fábrica, mas definimos como prioridade ter uma matéria-prima de alta qualidade e simplificar o que fosse viável”, fala Taísa. Foi assim que, em janeiro de 2017, a Annora começou a produzir bebidas de coco nas versões original e de chocolate. As embalagens de 300 ml custam, em média, 9,40 reais e as de um litro, 22,90 reais (dependendo do ponto de venda).

MESMO COM POUCOS RECURSOS, ELES FIZERAM A RODA GIRAR

O primeiro ano da operação foi marcado por um ritmo intenso. Sem condições de contratar funcionários, a dupla não só planejava como também executava todas as atividades. A rotina, resume Bruno, era uma loucura, mas valia a pena o trabalho de segunda à segunda:

“Produzíamos no começo da semana e nos outros dias fazíamos contatos comerciais, gestão de fornecedores, emissão de boletos e outras atividades administrativas”

Ele prossegue: “Na sexta e no sábado ainda cuidávamos das entregas e no domingo do financeiro”. Em vez de adquirir máquinas industriais, que custariam até seis vezes mais do que tinham, Taísa e Bruno desenvolveram um método próprio, adaptando equipamentos quando possível. Os dois engenheiros se orgulham do que foram capazes de construir, mas admitem que não foi uma tarefa fácil.

“Tivemos que olhar para os mínimos detalhes de cada etapa da linha de produção e testar várias soluções até encontrar a mais eficiente. Ao mesmo tempo, como não usamos conservantes em nossos produtos, havia a pressão de lidar com alimentos perecíveis e saber que qualquer erro no processo poderia comprometer lotes inteiros”, conta Bruno.

COMO BUSCAR INVESTIDORES QUE ACREDITASSEM NA ESSÊNCIA DO NEGÓCIO

Na visão deles, tão desafiador quanto montar uma fábrica do zero com pouco dinheiro foi encontrar os investidores certos. Taísa fala mais a respeito:

“Não nos sentíamos confortáveis em aceitar investimentos de pessoas que acreditavam no potencial financeiro da Annora, mas não consideravam o propósito uma prioridade”

Ela continua: “Foi o propósito que nos levou a empreender e a encarar as adversidades que essa escolha traz e, por isso, preferimos seguir pequenos até acharmos alguém que também pensasse assim”. Por um ano e nove meses, eles trabalharam apenas com o capital inicial e com retiradas mensais menores do que um salário mínimo, já que a empresa faturava praticamente o suficiente para se pagar.

Com o prêmio que receberam do concurso Geração Empreendedora – Desafio Paraná 2017, a dupla investiu em uma câmara fria e expandiu as vendas para Santa Catarina (foto: Arnaldo Alves / ANPr).

Nesse intervalo, ganharam o concurso Geração Empreendedora – Desafio Paraná, o que lhes garantiu um prêmio de 7 mil reais e a possibilidade de adquirir uma câmara fria. “O valor pode parecer pouco, mas foi o suficiente para aumentarmos nossa capacidade de produção e efetivar o plano de ampliar as vendas para Santa Catarina. Com isso, conseguimos, em 2018, dobrar nosso faturamento mensal, que passou para 30 mil reais”, conta a empreendedora.

Foi também no final do ano passado que finalmente encontraram três investidores com o perfil que buscavam. Com os 100 mil que a Annora recebeu, o negócio vive agora uma nova fase, que inclui a contratação de funcionários, melhorias na estrutura física, expansão das vendas e lançamento de novos produtos.

Atualmente, os leites vegetais da Annora são comercializados em mais de 75 pontos de venda no Paraná e em Santa Catarina, entre lojas de produtos naturais, empórios veganos, padarias e restaurantes. E, em breve, de acordo com os sócios, chegarão a São Paulo, Rio de Janeiro e a supermercados.

Além do leite de coco original e com chocolate, a marca conta hoje com o leite de coco não adoçado. A bebida, que se tornou o carro-chefe da marca e vende o dobro das outras, foi criada com base na demanda dos consumidores, que pediam com frequência essa opção.

Ainda neste ano, os dois empreendedores planejam lançar sua primeira bebida de amêndoas e, atendendo a outra solicitação recorrente, iniciarão a venda direta por meio do iFood e de uma loja virtual própria, com planos de assinatura mensais.

UM SONHO QUE, AOS POUCOS, VIRA REALIDADE

Taísa e Bruno sempre desejaram que a Annora fizesse parte de algo maior e foi em 2018, ao conhecerem a Sekem, que encontraram o incentivo que faltava. O grupo empresarial atua há mais de 40 anos no Egito e é responsável pelo desenvolvimento de uma comunidade sustentável no deserto, investindo parte de seu lucro em projetos educacionais, culturais e socioambientais. Taísa conta como se sentiu ao visitar a sede da companhia:

“Foi emocionante comprovar como o modelo de negócios que sonhamos por tanto tempo não só era algo viável, como bem-sucedido e capaz de beneficiar milhares de pessoas”

Inspirados nessa filosofia, eles idealizaram a Luminos, uma rede de empresas que compartilharão talentos, recursos e experiências, com o compromisso de apoiar umas às outras e contribuir com iniciativas de impacto. “No momento, estamos trabalhando em equipe para definir como a rede funcionará formalmente. Temos ao nosso lado empreendedores e especialistas que decidiram se unir ao nosso propósito e é animador ver como já conseguimos colaborar de diferentes maneiras”, diz Taísa.

Cheios de planos e valorizando cada conquista, o casal segue motivado a fazer a Luminos e a Annora crescerem. Uma de suas metas é destinar 30% do lucro da empresa a projetos em que acreditam, mas tem em mente que só poderão fazer isso quando for sustentável para o negócio.

O fato de ainda não terem realizado tudo o que planejaram, no entanto, não os desanima. “Procuramos nos concentrar enquanto isso em priorizar o bem estar das pessoas que trabalham conosco e doar o resíduo do coco da nossa produção para programas de redistribuição de alimentos, como o Mesa Brasil, do Sesc. O importante é sabermos que, dando um passo depois do outro, vamos chegar lá!”, afirmam, com a certeza de que esse sonho nunca foi uma loucura e que o mundo real, aos poucos, já está funcionando assim.

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Annora
  • O que faz: Produz bebidas vegetais
  • Sócio(s): Bruno Rocha e Taísa Montibeller Caraça
  • Funcionários: 5 (incluindo os sócios)
  • Sede: Pinhais (PR)
  • Início das atividades: 2017
  • Investimento inicial: R$ 40.000
  • Faturamento: R$ 30.000 por mês, em média
  • Contato: [email protected]
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