Em abril deste ano, Felipe Matos, que era COO do Startup Brasil, deixou o programa. Em seu lugar, quem assumiu foi Vitor Andrade, que estava lá desde o início, em 2013. No último mês, em entrevista para o Draft, o gestor falou sobre sua visão do programa e o que deve mudar daqui pra frente. A empolgação de Vitor é notória ao falar dos planos do governo federal e da Softex, gestora do programa, para o futuro.
A conversa aconteceu no escritório do Startup, em um antigo prédio no centro de São Paulo. O espaço físico é econômico: seis pessoas dividem a única mesa disponível. “Nós estamos sempre viajando, então é bem difícil a mesa ficar cheia”, diz Carolina Morandini, responsável pela comunicação do programa, e que acompanhou o bate-papo.
Com seu sotaque recifense, ele relembrou sua trajetória, desde os tempos em que estudava Administração na Universidade Federal de Pernambuco, entre 2001 e 2005, e já pesquisava sobre empresas de base tecnológica. Depois de formado, trabalhou alguns anos com auditoria, mas não gostou. Em 2007, ele ingressou no Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife, para preparar empresas à captação de investimentos públicos e privados. Ficou lá dois anos até que, em 2009, fez um pequeno estágio no Inter American Development Bank, em Washington, nos Estados Unidos.
De volta ao Brasil, trabalhou por alguns anos como consultor nas áreas de Gestão, Inovação e Desenvolvimento Local. Neste mesmo período, começou seu mestrado, com foco no cluster de games em Recife. Em 2010, atuou no Porto Digital, um parque tecnológico de Recife. Lá ajudou a criar duas incubadoras: uma para empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e outra para Economia Criativa.
Na Campus Party de 2012, quando Vitor viu Felipe apresentando o Startup Brasil, resolveu se aproximar. “Só o conhecia de nome, mas sempre tive boas referências dele. Brinquei que iria participar da equipe e eles acabaram me chamando”, diz. “Percebi que a oportunidade era boa, fazia sentido para a minha carreira. Continuaria a fazer o que gostava, mas agora em escala nacional”, conta.
De lá para cá, o programa cresceu, investiu mais de 35 milhões de reais em 179 empresas. “Agora, começamos a coletar os resultados desses esforços. O ecossistema amadureceu e está na hora de olhar para frente”, diz Vitor. E é justamente sobre isso que falamos na entrevista abaixo:
Quando você assumiu, quis mudar algo ou apenas manter o legado que o Felipe deixou?
Faço parte da equipe desde maio de 2013, fui a segunda pessoa a entrar no Startup Brasil. Ajudei o programa a ser o que é hoje. Então, minha intenção é manter o que fazíamos, mas também quero ampliar algumas coisas.
Queremos aproximar as startups de grandes empresas porque percebemos que há interesse mútuo e nós somos um bom meio para fazer essa ponte.
Outro ponto é ajudar empresas que acabaram de ingressar no programa a se sentirem parte de um grupo maior, com outras startups que participaram lá atrás e agora podem compartilhar conhecimento e experiência. Por fim, queremos direcionar o mindset para pensar os negócios globalmente. Estamos organizando algumas missões para levar startups a outros países. Há pouco tempo selecionamos alguns negócios mais evoluídos para irem a Londres e conhecerem o ecossistema de lá. É importante, desde o início, o empreendedor pensar em sua empresa como algo global, olhar para os seus concorrentes lá fora.
Como vocês estão aproximando startups e grandes empresas?
Fazemos ações pontuais, apresentando negócios que fazem sentido para as grandes. Também trazemos executivos das maiores companhias para nossos Demodays.
Mas os executivos das grandes empresas vêm como possíveis clientes ou como investidores?
Essas grandes companhias exercem diferentes papéis. Um deles é servir de plataforma para a startup testar a recepção do seu produto. Se der certo, a empresa poderá se tornar cliente. Também há uma tendência que estamos vendo lá fora e, aos poucos começa a acontecer no Brasil, de grandes negócios se tornarem investidores e futuros compradores de startups. É o chamado corporate venture.
Você disse que pretende trazer empreendedores que já passaram pelo Startup Brasil para ajudarem os novatos. Eles voltam como investidores?
A mentalidade de empreendedor de startup é, naturalmente, a de retornar ao ecossistema. Incentivamos isso de algumas formas. Em alguns dos nossos eventos, trazemos os empreendedores mais veteranos para serem mentores. A vontade dos caras em ajudar é tão grande, que algumas vezes eles até pagam a passagem, fazendo questão de estar lá. Também incentivamos que as startups da turma 1 criem seus grupos de alumni, no qual treinam os novos empreendedores. Nós estamos apoiando, mas quem está estruturando tudo e tocando o modelo são os próprios executivos. Somos feeders, não líderes.
Sobre internacionalização, vocês conversaram com agentes públicos de governos de outros países?
Nosso papel é conectar as nossas startups mais evoluídas a instituições parceiras, levando elas para eventos específicos fora do Brasil.
Então, vocês funcionam como uma espécie de curadores de startups?
Também. Nosso grande ativo é que estamos acompanhando diversas startups ao longo do ano e não temos interesse específico em nenhuma. Conseguimos olhar de forma imparcial para a evolução que elas têm.
Como vocês fazem para acompanhar a evolução das startups?
Temos uma pessoa só para isso. A cada três ou quatro meses fazemos uma reunião com todas as empresas que estão participando do programa. Conversamos com os empreendedores, pedimos alguns indicadores-chave como receita, investimento captado etc. Cada negócio tem uma particularidade, que chamamos de one metric to matter, que é a métrica mais importante para ele. Junto com o empreendedor, estabelecemos metas pensando nessa métrica: “em tanto tempo, você terá tantos clientes”. E, de tempos em tempos, vemos como eles estão avançando. Além disso, também avaliamos quais são as dificuldades específicas de cada negócio e, em alguns casos, tentamos ajudar o empreendedor a superá-lo com o que temos em mãos.
Falando em crescimento, a evolução das startups corresponde às expectativas iniciais do programa?Hoje até supera. Em média, as startups dobram seu faturamento ao longo de sua participação. Há algumas que triplicam, quadriplicam.
Quais são os critérios que vocês utilizam ao selecionar novas startups?
São quatro:
1) A solução/produto/serviço;
2) Equipe;
3) Modelo de negócios;
4) Aderência ao programa (esse é o menos relevante).
Quando o programa surgiu, muita gente criticou o fato de vocês terem abraçado startups que nem tinham produto, não estavam rodando no mercado. Hoje vocês continuam a fazer isso?
Tecnicamente, aceitamos negócios em qualquer estágio, desde que tenham no máximo quatro anos de existência e que trabalhem com software ou hardware. No entanto, naturalmente o mercado amadurece. Sabemos que, se pegarmos uma empresa em estágio muito inicial, ela vai passar muito tempo desenvolvendo o produto e não conseguirá aproveitar nosso capital para acelerar seu negócio. Então, naturalmente, no processo da seleção, priorizamos startups que já estão rodando bem no mercado. Cada vez mais, o nível dos projetos contemplados sobe.
O que mais amadureceu no ecossistema empreendedor brasileiro?
Muita coisa. A cultura brasileira, apesar de ainda não estar perfeita, mudou. Hoje as pessoas querem ser empreendedoras, elas percebem que não é para todos, mas que é um caminho a se seguir. Atualmente, há muito mais fonte de informação. Aquilo que estava só em Stanford, hoje chega ao Brasil. O interesse pelo empreendedorismo está bem maior. O Startup Weekend é vital nesse processo por ajudar a despertar a faísca – principalmente em pequenas cidades do interior do país. O estágio de ideação também melhorou. Há diversos programas regionais, como os do Sebrae, de pré-aceleração, que ajudam a ideia sair do papel. Diversos governos estaduais, como os do Rio de Janeiro, Acre e Minas Gerais, também começaram a lançar programas para fomentar o ecossistema local.
As aceleradoras amadureceram e se espalharam. Em 2011 eram quatro; hoje temos mais de 20 no país. Estamos amadurecendo o ecossistema em todas as etapas de formação e suporte a startups
Sendo um programa federal, qual a articulação de vocês em relação a ecossistemas locais?
Estamos ganhamos braços de diversas formas. Uma delas são as aceleradoras (contamos com 17), que estão presentes em sete estados. Também conversamos muito com players regionais, porque queremos mais opções para investir.
Mas, como um programa federal, vocês não têm uma ação institucional com os governos regionais?
Não, apenas conversamos. Mas achamos esse modelo saudável, muita gente nos procura, trocamos ideias. Outro dia o Sebrae de Espírito Santo fez um evento, me chamou para dar palestra etc. Nos articulamos assim.
A Associação Brasileira de Empresas Aceleradoras de Inovação e Investimento, a ABRAII, diz que 23% das startups aceleradas já se pagam e 15% fecharam. Como vocês, parceiros dessas aceleradoras, avaliam esse número?
Estamos começando a registrar os números agora, então precisamos ver como isso vai evoluir com o tempo. Mas avalio esse número de fechamentos como baixíssimo, considerando o risco que é criar uma empresa. Menos de uma a cada cinco deu errado. Isso é bom! Em relação às empresas que se pagam, acredito que o número é natural porque elas ainda estão levantando capital e ganhando mercado.
Em quanto tempo você acha que essas empresas poderão ser grandes?
No geral são seis ou sete anos para uma startup fazer o exit. Nossas aceleradoras são novas, ainda têm quatro anos. Então é natural que os resultados comecem a aparecer nos próximos três. Falando em investimento, percebemos que há muita atração de capital externo. Há muitos investidores anjos e fundos de investimento colocando dinheiro nos negócios em que nós apostamos.
Estamos em um ano de retração econômica. Vocês temem que esse volume de investimentos também recue?
Todo ano é um ano de desafio, principalmente para startup. Estamos falando de empresas que são criadas para fazer muito com pouco. A startup existe para resolver problemas reais. Então, em ano de crise, há mais oportunidades e mercado para startups atuarem. Ainda vamos apresentar nossos novos números, mas posso te adiantar que eles estão muito positivos – inclusive os índices de faturamentos.
Ainda sobre política, esse ano Aldo Rebelo, que é conhecido por ter uma mentalidade protecionista, assumiu o Ministério da Ciência e Tecnologia, responsável pelo Startup Brasil. Isso traz mudanças para o programa?
Aldo Rebelo bate muito na tecla da inovação. Estamos dentro da Secretaria de Política de Informática, onde somos um dos programas prioritários. A ideia é continuar e até expandir nos próximos anos. O momento agora é de evolução, estamos discutindo quais são os próximos problemas que podemos resolver e ajudar ainda mais.
Qual o grande impacto que o Startup Brasil traz para o País?
Acredito que conseguimos jogar luz na importância de políticas públicas para fomentar startups. Vários programas que vieram depois de nós surgiram em um terreno mais fértil graças ao trabalho do Startup Brasil. Estamos fomentando 15 setores diferentes, como Educação, Saúde e Energia. O mercado de aceleradoras também mudou radicalmente com a ajuda do Startup Brasil. Nossos role models são outros. Antigamente os grandes exemplos eram Bill Gates ou Steve Jobs. Depois era o cara do Buscapé, e mais outros brasileiros. Hoje, você olha para o empreendedor do seu lado e vê ele chegando lá e fazendo. A imprensa evoluiu muito. A qualidade das matérias sobre startups melhorou. Em 2007 ninguém sabia o que era uma empresa de base tecnológica, era quase coisa de cientista. Hoje, com os smartphones, as startups estão muito mais próximas do mundo real. As pessoas vêm o impacto quando ouvem música por streaming ou pedem táxi pelo celular. Elas veem essas empresas mudando o mundo.
Mas, de forma mais geral, na macroeconomia brasileira, qual foi o impacto?
Conseguimos gerar empregos mais qualificados, com pessoas muito capacitadas trabalhando nessas startups. Só para você ter uma ideia: fizemos uma avaliação das oito startups mais evoluídas da primeira turma e percebemos que elas geraram 80 empregos – uma média de dez empregos por empresa. Isso em um ano. Imagine agora que pegamos 100 empresas por ano. E são empresas que criam soluções verdadeiras para problemas reais. As pessoas comuns são diretamente beneficiadas por esses serviços inovadores que são criados.
Quais foram os maiores fails e aprendizados do programa?
Um caso de fail foi nosso primeiro edital. Um dos erros foi aceitar empresas que já estavam sendo aceleradas. A partir do segundo, passamos a exigir que a startup ainda não tivesse sido acelerada. Queremos incentivar novas empresas a surgirem. No começo só tínhamos aceleradoras do Sudeste. Na segunda turma já mudamos isso e passamos a aceitar aceleradoras de sete estados diferentes. Por fim, no segundo edital passamos a deixar mais explícito que queremos startups de hardware.
Quais são os maiores desafios do programa daqui para frente?
Hoje, com o ecossistema de startups mais maduro, precisamos pensar nas próximas etapas. Nos vemos muito como conectores entre os caras que estão começando e os que já estão avançados. Queremos que as startups cheguem ao programa mais preparadas. Além disso, estamos trabalhando para reforçar o mindset global. Queremos que os empreendedores entendam que eles podem começar seu negócio no Brasil, mas não precisam ficar só aqui.
E, por fim, há o desafio natural de criar cases de sucesso. Queremos conectar nossas startups a mais investidores e a grandes empresas. A tendência global é de corporate venture. Também queremos alimentar isso aqui no Brasil.
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