Abrir a porta de casa, pagar uma conta, comprar um carro novo e dar partida nele… Hoje, já existe tecnologia para fazer tudo isso sem recorrer a chaves ou senhas, ou mesmo ao RG. Basta que as demais indústrias acompanhem a evolução das IDTechs.
Quando essas mudanças vão convergir e virar parte do nosso cotidiano? Ninguém sabe ao certo, mas aposta-se que a chegada do 5G deverá, em breve, impulsionar essa transformação.
A unico é uma das IDTechs pioneiras que estão capitaneando esse processo no país. A scale-up desenvolve soluções de identidade digital com uso de biometria facial (reconhecimento do rosto a partir de fotos, vídeos ou imagens em tempo real, para confirmar que você é quem diz que é).
Fundada em 2007 por Diego Martins e Paulo Alencastro, a empresa tem foco em biometria há apenas quatro anos. Hoje, está presente com onboarding e transação em quase 1 000 clientes, como Magalu, Vivo, C6Bank, Banco Original, B2W, Pernambucanas, Carrefour, LATAM, Suzano e Ri Happy.
A unico se manteve com recursos próprios até janeiro de 2020, quando recebeu o primeiro aporte série A, de 40 milhões de reais.
Na sequência, a Covid-19 acelerou a digitalização em todos os setores, da medicina ao varejo. E o portfólio de soluções da scale-up pegou esse embalo.
O unico | check é um serviço de autenticação de identidade via biometria facial por meio de uma selfie para redução de fraudes; vendido por consulta, custa de 2 a 4 reais a depender do que está incluso no pacote do cliente (como prova de vida ou OCR).
Outro produto é o unico | people, serviço B2B de admissão de funcionários 100% digital, em tempo real, com assinatura e validação eletrônica de todos os documentos de RH (o custo mensal vai de 3 a 5 reais por colaborador).
Há ainda o unico | sign, uma assinatura eletrônica biométrica que recentemente também foi disponibilizada para clientes PF.
Em setembro de 2020, a empresa captou a rodada série B, de 580 milhões de reais. Nem um ano se passou e, em agosto de 2021, recebeu seu investimento série C de 625 milhões de reais, atingindo o status de unicórnio (startup que vale mais de 1 bilhão de dólares).
De fora, parece uma curva ascendente vertiginosa, que ganhou força tremenda em 18 meses. Mas a história completa da unico revela reviravoltas, como espelha a trajetória do CEO, Diego, 38.
Imagine-se em 2006, aos 23 anos, trabalhando como gerente comercial em uma empresa – a extinta OR Service – que fazia microfilmagem para guardar documentos físicos de bancos (e tinha a Vivo como cliente principal).
Imagine ainda que, depois de dois anos no cargo, sua gana de ser CEO te leva a confrontar os sócios dessa empresa a te elevarem ao cargo desejado… com resultado negativo. Por outro lado, um dos sócios acredita em você e lhe oferece sociedade em um negócio que você queira criar.
Diego foi o protagonista desta saga. Em 2007, ele convenceu Rui Jordão, um português de Moçambique, a ser seu sócio na Acesso Digital (que foi rebatizada de unico em dezembro de 2020). “Fiquei de janeiro até agosto para definir qual era o modelo de negócio, o que empresa ia fazer”, lembra o CEO.
Seria ousado demais fundar uma startup que vendia um SaaS em nuvem para digitalização de documentos? Naquela época, cloud computing ainda estava pegando tração; comercializar um software como serviço era para pouquíssimos.
Por outro lado, a circulação de documentos em papel atrasava a finalização de processos nos mais variados segmentos. Quem quisesse digitalizar documentos precisava ter um scanner, pagar um servidor e contratar alguém para implantar o software.
“A gente entendeu que o maior problema que o mercado tinha era a dificuldade em comprar várias tecnologias picadas”
Então, a ideia inicial foi integrar os vários componentes que já existiam: o scanner da Kodak, o datacenter da Optiglobe (que depois virou Tivit) e o software de uma empresa chamada dotBR.
“Começamos montando as ‘peças de Lego’ na solução que importava para o cliente e oferecendo no modelo de serviço. Depois de dois anos, percebemos que o software era core – e compramos a dotBR [em 2009]”. Assim nasceu o produto SafeDoc.
O grande desafio daquela época, era fazer as empresas entenderem o que era vendido.
A solução foi investir tempo para entender qual era a dor de cada setor e traduzir a comunicação de vendas adequadamente. Por sinal, foi o que fez a empresa escalar até 2015. Diego lembra:
“O primeiro setor que a gente entrou foi escritórios de contabilidade. Em média, em São Paulo, cada um tinha 150 clientes e precisava mandar motoboys de quatro a cinco vezes por mês até eles. Depois que descobrimos essa logística gigante, passamos a falar pro cliente: ‘Estamos vendendo para você a mensalidade do motoboy digital’. Aí o cara entendia!”
Um ano depois de a empresa começar a operar, Rui morreu de infarto, aos 50 anos. Foi um baque para Diego perder o sócio e mentor.
Foi aí que ele se lembrou do antigo cliente da Vivo, Paulo Alencastro, com quem tinha ótimo contato pela OR Service. Paulo acabou se unindo à unico em 2008, como cofundador.
Entre 2010 e 2013, existiu algo especial dentro da scale-up: um ambiente altamente inovador para as pessoas trabalharem e crescimento rápido.
“Ficamos, por anos, entre as 10 que mais cresciam pelo ranking da Exame e Deloitte e, muitas vezes, em primeiro lugar do Great Place to Work, em tecnologia. Era uma combinação altamente sedutora, glamorosa.”
Aquele glamour estava prestes a se desmanchar. Em 2014, a unico via seu crescimento perder o fôlego, enquanto o Brasil ia mergulhando num longo caos político.
Botar a “culpa” em Brasília pelo desempenho ruim da empresa parecia fácil.
“Passamos quase o ano inteiro discutindo internamente que o problema era o país e não o nosso negócio… Mas quando a gente não cresce e coloca a culpa na política, tem alguma coisa errada. Porque, em tese, a tecnologia inovadora cresce em ambientes de escassez também”
Diego era voz dissonante dentro da empresa e até entre os advisors. Depois de um curso no Insead, em que estudou o caso da derrocada da Nokia versus a ascensão da Apple, a ficha começou a cair.
“Foi ali, em 2015, que eu percebi que estava sendo corrompido pelas nossas crenças negacionistas. Fiquei mal porque tinha alguma coisa errada que eu não estava conseguindo entender.”
O CEO decidiu se afastar da empresa para pensar sem ser influenciado. Logo nas primeiras semanas, Diego percebeu que o modelo de negócio continuava disruptivo e era altamente lucrativo. Porém, o mercado endereçado da scale-up no Brasil já estava com penetração alta, 60%, por eles mesmos.
Ou seja: era impossível dobrar de tamanho – a menos que mudassem de mercado.
Para amadurecer a ideia de pivotagem, Diego visitou startups brasileiras, foi sondar os ambientes. Falou com David Vélez no Nubank, por exemplo. E concluiu: “Nossos padrões de pensamento sobre algumas coisas em tecnologia já estavam envelhecidos…”
Ele foi, então, tirar a prova no Vale do Silício, para onde levou vários executivos da empresa.
“Muitos dos líderes diretos achavam que eu estava louco por comparar a unico com as empresas do Vale… Mas o que aconteceu nessa jornada é que essas contradições emocionais vividas lá fizeram alguns líderes pedirem demissão”
Quando o próprio Diego voltou ao Brasil, os sócios já tinham entendido o que teria de ser feito estruturalmente. A primeira decisão foi extinguir a meta de faturamento pelos dois anos seguintes. A segunda ação foi parar de distribuir dividendos.
“A gente queria tirar a pressão de ter que crescer a qualquer custo para poder reinvestir o lucro em uma nova perspectiva”.
O vislumbre do que poderia ser a empresa no futuro veio após uma visita à Estônia, primeiro país do mundo a ter identidade 100% digital para toda a população.
O trabalho evoluiu nos meses seguintes, mas os sócios percebiam resistência do time em criar algo novo em cima do SafeDoc. Chegou um ponto em que Diego decidiu parar de vender o produto original:
“Eu estou colocando essa empresa em uma ilha e coloquei fogo nos barquinhos que trouxeram a gente até aqui: ou a gente constrói algo para sair daqui, ou a gente não vai sair, e vai morrer todo mundo aqui…”
Muita gente ficou insatisfeita. Houve nova debandada, 70% da equipe deixou a empresa entre 2016 e 2018. Diego afirma que seu apoio nesse período solitário de gestão foi a esposa.
O desenvolvimento interno dos produtos novos – unico|people e unico|sign – demorou cerca de um ano.
Já o produto unico|check veio da compra, em 2017, da Arkivus, empresa de Londrina, que tinha desenvolvimento de biometria facial. O negócio foi possível porque os fundadores dessa empresa aceitaram a maior parte do pagamento em ações da unico.
O ano de 2019 foi de reequilíbrio. E depois do primeiro aporte série A do fundo Igah Ventures, a unico saiu novamente às compras. Achou no time de seis PhDs da porto-alegrense Meerkat, de análise de imagens, a oportunidade de testar o acqui-hiring. Era julho de 2020.
“A gente usava algoritmos biométricos de empresas europeias e queria ter algoritmos próprios, até para termos capacidade de evoluir eles ao máximo, sob a nossa propriedade”
O resultado extraoficial de 2020 é que a companhia mais do que dobrou o faturamento de 2019, que havia sido de 70 milhões de reais.
Fatores como a liberação do uso de telemedicina no Brasil ajudaram a unico a entrar em outro segmento: dar segurança a médicos e planos de saúde no momento da identificação do paciente na teleconsulta passou a ser fundamental.
No ano passado, a estratégia de aquisições tomou um rumo diferente.
A ideia passou a ser diversificar os setores em que a unico está presente – entrou em comercialização de veículos por meio da ViaNuvem; logística e aluguel de carros pela CredDefense; e educação com a SkillHub.
O objetivo é que todas passem a ser marcas próprias e assim, se crie um amplo ecossistema de identidade digital dos brasileiros.
“O EaD [Ensino a Distância] tem um paradigma interessante. Tem muito espaço ali para usar a identidade digital. Por exemplo, na hora da prova, muitas instituições ainda exigem que você vá a um lugar físico. Isso não é mais necessário com a biometria”
Essas aquisições nem sempre teriam sido compreendidas pelos executivos mais recentes da empresa. No mês passado, Diego voltou à Estônia com um grupo deles para verem de perto como o país conecta setores em torno de sua identidade digital.
Segundo o CEO, a unico ataca duas pontas. Por um lado, forma um repositório dos dados de pessoas físicas – como RG, CPF, endereço, conta bancária etc. — de modo que essas informações possam ser repassadas (mediante autorização) a empresas para que elas verifiquem esses documentos online.
Paralelamente, a scale-up desenvolve (ou adquire) soluções para atender segmentos específicos do mercado que queiram digitalizar a autenticação de identidades.
Em algum momento, afirma Diego, essas linhas irão se cruzar e os setores se conectarão por meio dos dados de identidade digital.
O CEO diz que hoje “25% das contratações de grandes empresas passam pela unico em questão de ID”. Esses contratados podem liberar ou não a permanência de seus dados com a scale-up.
“Se ela liberar, a nossa intenção é que quando ela for comprar um carro, a unico simplesmente peça permissão para autorizar aquela concessionária a acessar os seus documentos. Assim, você não vai ter que apresentar tudo de novo”
Uma das IDTechs concorrentes segue estratégia oposta, diz Diego:
“A idwall tem uma perspectiva de você criar seu ID e, a partir disso, vai ter algumas empresas [que o aceitam]. A gente vai pelo caminho inverso: compramos companhias em setores que precisam do ID, para alavancar essa conexão de pessoas com empresas.”
O ano passado trouxe oportunidades de uso de biometria facial para aumentar a segurança do open banking. Agora, 2022 promete a revolução da chegada do 5G.
Esta tecnologia leva o executivo à reflexão final sobre deepfake news, aquelas em que se usa inteligência artificial para modificar ou criar imagens de vídeos falsas – e o futuro da biometria facial.
“Uma das coisas sensíveis para o uso da biometria é você garantir que a pessoa está ao vivo. Existem tecnologias para proteger isso, uma delas é você interagir com movimentos: para frente, para trás, para o lado…”
Na visão de Diego, o 5G deverá permitir que a infraestrutura física se conecte em redes, tornando a autenticação uma tarefa cada vez mais complexa (e necessária).
“Nessas redes, você pode usar a biometria para autenticar a identidade”, afirma. “Acredito que vamos precisar criar mais camadas de autenticação além da biometria.”
A coleira inteligente que controla a saúde das vacas. A startup que virou uma pedra no sapato da Uber. O negócio B2B com foco no mercado de cerveja artesanal. Leia a nossa retrospectiva de histórias sobre negócios inovadores do ano que passou.
Recém-fundada, a Bepass encarou o desafio de instalar a biometria facial no Allianz Parque. Além de agilizar o acesso e combater os cambistas, a solução permitiu identificar o suspeito pela morte da torcedora Gabriela Anelli.
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