Em meio à crise das empresas de comunicação, ela se descobriu professora, palestrante e empreendedora

Maisa Infante - 29 ago 2018
Ana Holanda transformou seu talento em negócio e hoje, além de atuar como jornalista, ministra cursos e oficinas sobre o que chama de “escrita afetuosa”.
Maisa Infante - 29 ago 2018
COMPARTILHE

Para a jornalista Ana Holanda, 46, escrever sempre foi a melhor forma de se comunicar. Por isso, quando decidiu trocar a faculdade de Direito pela de Jornalismo, em vez de sentar-se à mesa da cozinha para conversar com os pais, ela escreveu uma carta explicando a decisão. Esse era e ainda é seu jeito de se colocar no mundo.

Talvez por isso, no momento em que se percebeu empreendedora, a escrita estava na alma do negócio: oferecer cursos e oficinas de “escrita afetuosa”. Esse é o nome que ela deu para as aulas que falam de uma escrita que se aproxima do leitor como em uma conversa. “Quem é sensível sabe enxergar as pessoas. E quem sabe enxergar as pessoas, sabe escrever bem. Ela fala mais a respeito:

“Mostro que a escrita é para todo mundo. É preciso tirar o texto de um lugar superior e trazer para o patamar da conversa olho no olho”

Editora da revista Vida Simples há oito anos, Ana vive, como todos os jornalistas, um momento de transformação, vendo redações serem fechadas, os modelos de negócios falirem e convivendo com um tanto de incertezas pelo caminho. A própria publicação em que trabalha vem passando por mudanças desde 2014, quando deixou a editora Abril e foi para a Caras. Agora, acaba de mudar para uma nova editora, chamada também Vida Simples.

Diante do cenário desalentador do mercado de comunicação, ela começou, há cerca de três anos, a pensar em caminhos para a sua vida profissional fora da revista: “Já estava com mais de 40 anos e vendo as empresas de comunicação irem para o buraco. Se fosse demitida, talvez estivesse mais perto dos 50 do que dos 40. E, aí, o que iria fazer?”

E continua: “Até pensei em estudar gastronomia para mudar de profissão, mas percebi que gosto de trabalhar com escrita, independentemente do lugar. Como não me enxergava na área de comunicação empresarial, em nenhuma outra revista e nem fazendo internet, percebi que precisava criar alguma coisa”.

DAR AULA FOI SIMPLES, O DESAFIO FOI APRENDER SOBRE GESTÃO E VISÃO

O primeiro curso surgiu depois de uma palestra que ela fez no Festival Path, em São Paulo, onde falou sobre a escrita afetuosa. Uma das pessoas que assistiu era de uma empresa de Belo Horizonte, a Cool How, que, na época, trabalhava com cursos e eventos, e a convidou a transformar esse olhar sobre a escrita em aula. “Fui bem resistente, dizia que não sabia dar aula. Mas eles foram bem insistentes e, seis meses depois, marquei o primeiro curso”, conta. A partir daí, junto com essa empresa, ela deu aulas no Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre e nunca mais parou. “Quando terminou o ano, a Cool How passou por mudanças e eu decidi seguir sozinha porque estava amando fazer aquilo, era algo que tinha muito sentido pra mim”, fala a jornalista.

Ela aprendeu, então, a organizar os cursos, preencher as plataformas de venda de ingressos (todos os cursos tem inscrição online), formar preço, vender a ideia, fazer o marketing, pensar na infraestrutura etc. “Foi um desafio e eu fiquei com medo, mas fui com medo mesmo, porque acreditava naquilo.” Ana calcula que já deu mais de 40 aulas e que mais de mil alunos já ouviram o que ela tem a dizer.

Em 2017, a jornalista foi convidada para falar no TEDx sobre “Como a escrita afetuosa pode transformar a sua vida”.

Hoje, ela conta com uma grade pronta com quatro cursos: Escrita criativa e afetuosa (590 reais e realizado em um dia em todo o Brasil); Como se encontrar na escrita (885 reais e com duração de quatro encontros na The School of Life, em São Paulo); Narrativas Digitais (490 reais, aula com quatro horas, na Kind, em São Paulo, que ela divide com Diana Assenato) e Cozinha de Memória (220 reais, três horas, na The School of Life). O faturamento em 2017 ficou na casa dos 70 mil reais.

Além dessas aulas, Ana também tem feito oficinas de escrita em empresas como Natura, O Boticário, Sesc e Klabin, e até já surgiram alguns convites inusitados, como redigir um release para uma joalheria que queria fazer uma comunicação mais próxima e afetuosa com seus clientes. “Foi um grande desafio escrever um texto em terceira pessoa que fosse sensível, mas fiz e eles amaram.” No fim, ela acha que as empresas e as pessoas estão buscando caminhos para serem ouvidas. “A gente nunca produziu tanta informação, nunca ela foi tão acessível e nunca ela foi tão descartável.”

Para colocar esses cursos, palestras e oficinas na rua, Ana conta que precisou aprender a lidar com novas situações e ter um olhar mais voltado para o mercado. Fluxo de caixa, preenchimento de cadastros e reuniões com os novos clientes, hoje, fazem parte da rotina da jornalista, mas ela acha que o grande aprendizado que o mundo empreendedor tem lhe dado é a importância de criar uma rede de relacionamento:

“É preciso se abrir, conversar, falar, aprender a negociar e ter visão, coisas que muitas vezes como funcionário a gente não presta atenção”

Ela ainda diz: “Posso participar de um evento sem ganhar nada porque sei que vou encontrar pessoas que podem me abrir portas. Isso é ter visão de relacionamento”. Ouvir as pessoas nas redes sociais, a principal ferramenta de marketing da jornalista, também é importante. Ela conta que não deixa um comentário, mensagem inbox ou e-mail sem resposta e que nunca investiu em impulsionamento de publicação porque não foi necessário.

Ana acredita que a sua maneira de usar a rede social, de conversar com as pessoas por esse canal já ajuda na divulgação do curso. “Na minha vida não tem muita separação entre público e privado. Eu falo dos meus filhos nos editoriais da revista, posto situações da minha vida nas redes e acho que isso tem ajudado porque preciso estar no mundo e estabelecer relações para ser conhecida”, afirma.

QUANDO ELA CONSEGUIU SE EXPOR MAIS, PERCEBEU OS PRÓPRIOS TALENTOS

A vida de empreendedora também trouxe para Ana a descoberta de muitas possibilidades profissionais. “Descobri a Ana escritora, a Ana professora e a Ana palestrante. É incrível a gama de possibilidades que existe e a gente não percebe quando está em um emprego fixo”, diz. Para chegar nesse momento, ela precisou assumir outra postura diante do próprio trabalho, se expor mais, se valorizar mais e entender que somente ela poderia mostrar para o mundo o próprio talento.

Foi um episódio dentro da editora Abril que fez esta questão saltar aos olhos. “Tinha assumido na Vida Simples funções de diretora de redação e ainda estava com salário de editora. Naquele ano, fui pedir aumento quatro vezes e nas quatro vezes ouvi não. Fiquei muito mal com aquilo e o meu marido me disse que ninguém ia bater na minha porta para me dizer o quanto eu era talentosa.” Ela prossegue:

“Percebi que tinha um talento que era meu e que eu estava vendendo por muito pouco para a empresa. Foi quando fiquei mais aberta para o mundo, para as relações”

Hoje, ela vê o que aconteceu com olhos de aprendizado. “Parece meio óbvio dizer isso, mas a gente acaba se colocando em uma posição de achar que o mundo tem que perceber o nosso talento. Depende muito da gente e, ao nos darmos conta disso, as oportunidades ficam mais acessíveis porque tiramos o véu da invisibilidade. No fim, foi bom não ter tido aquele aumento. Se isso tivesse acontecido, eu poderia ter me acomodado.”

Ana Holanda calcula que mais de mil alunos já passaram por suas aulas.

E não ter se acomodado foi o que permitiu que ela pudesse ter experiências como participar do TEDx São Paulo no ano passado, falando sobre a escrita afetuosa, e lançar dois livros: o Minha mãe fazia, coletânea de textos que ela publicou na página homônima do Facebook , sobre comida e afeto, e Como se encontrar na escrita, que acaba de ficar pronto.

Sem fazer um planejamento estratégico e sem investimento inicial, Ana diz que colocou a mão na massa e seguiu a intuição para dar andamento ao negócio. Os erros aconteceram pontualmente, como marcar um curso em Porto Alegre no Feriado do Gaúcho e perceber que não havia inscrições. “Esse episódio me fez entender que precisava ter parceiros locais na organização para me ajudar com datas e detalhes que não conheço. Hoje, tenho uma rede de pessoas que me ajuda quando dou aulas fora de São Paulo.”

Algumas dessas pessoas, inclusive, são ex-alunos que se interessam em levar as aulas para sua cidade natal. “Tenho muitos parceiros que conhecem bem o negócio de cursos e outros que não têm experiência em evento, mas têm algo que é essencial pra mim: ser apaixonado pela ideia do curso”, diz.

CRESCER SEM PERDER QUALIDADE DE VIDA

Com a demanda de cursos e oficinas nas empresas crescendo, Ana começa a pensar em ter uma estrutura ligeiramente maior. Porém, esses planos esbarram no conceito de sucesso e felicidade que ela construiu para si, como fala:

“O que delimita o sucesso é ter tempo para os meus filhos e para mim. O melhor momento do meu dia é quando volto com eles da escola e não vou sacrificar isso”

Para garantir a vida em família, ela colocou a regra de só ocupar um sábado por mês com cursos. Quando ainda precisava ir para a redação física da Vida Simples, o outro horário disponível eram algumas noites. Agora, com a mudança da revista de editora, ela negociou uma jornada mais flexível.

Ana trabalha em esquema home office em alguns períodos e tem a possibilidade de viajar para dar aulas sem sacrificar a dedicação ao ofício de editora. Assim, vai ajustando aqui e ali sua agenda para poder se entregar a tudo que ama: as aulas, a revista e a família. Uma rotina puxada, mas realizadora.

DRAFT CARD

  • Projeto: Ana Holanda
  • O que faz: Cursos sobre escrita afetuosa
  • Sócio(s): Ana Holanda
  • Funcionários: 1 (a fundadora)
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: 2016
  • Investimento inicial: Não teve
  • Faturamento: R$ 70.000 (2017
  • Contato: www.anaholanda.com.br
COMPARTILHE

Confira Também: