A Junta Local quer ser parte de um sistema alimentar mais justo e saudável, no qual o pequeno produtor é protagonista e pode se relacionar diretamente com os consumidores. O negócio começou a operar em 2014 por meio de feiras e de uma plataforma de compras online, a Sacola Virtual, pela qual os consumidores escolhem os produtos pela internet, mas pagam e retiram em pontos de coleta espalhados pelo Rio de Janeiro.
Em 2015, contamos essa história no Draft. Na época, os sócios Thiago Nasser, Henrique Moraes e Bruno Negrão promoviam, em média, uma feira por mês. Em 2019, elas ocorrem todos os finais de semana, sendo que em alguns há mais de uma feira simultaneamente.
A Sacola Virtual também cresceu. As entregas, antes quinzenais, agora rolam toda semana. E o número de endereços onde a sacola pode ser retirada aumentou. Além da Comuna, espaço parceiro desde o início do projeto, há entregas em locais como Casa Amarela, na Tijuca; T.E.R.R.A., em Laranjeiras; e Christ Church, em Botafogo.
O número de pedidos da Sacola chega a 200 por semana; já teve, inclusive, épocas melhores, com uns 300 pedidos. “A crise no Rio de Janeiro foi muito grande. Na verdade, ainda estamos em um platô baixo”, diz Thiago.
OS SÓCIOS CRIARAM O FOOD HUB — E DESATIVARAM A PRATELEIRA LOCAL
Para apoiar essa plataforma de vendas, os sócios criaram um novo serviço, o Food Hub, uma espécie de distribuidora para os pequenos produtores. Em vez de entregar os produtos diretamente nos pontos de venda, eles entregam na sede da Junta Local, em Botafogo, e a própria Junta distribui entre os pontos de retirada, conforme a demanda.
“Assim, eles não precisam se deslocar para vários pontos e a gente consegue diversificar a Sacola Virtual”, diz Thiago. Por enquanto, dez produtores usam esse serviço. Eles pagam uma mensalidade, mas o modelo dessa linha de negócio ainda está em teste.
Já a Prateleira Local, uma iniciativa que colocava à venda os produtos de parceiros da Junta em lojas do Rio de Janeiro, deixou de existir. Thiago explica que o trabalho de manter esse projeto acabou se tornando desproporcional ao retorno aos envolvidos:
“Toda a ideia da Junta de ter uma comissão mais baixa é para que o produtor tenha um retorno maior e o produto tenha um preço mais justo para o consumidor. E não dava para manter essas margens dentro do varejo. Além disso, a Prateleira Local era para ser autogerida pelos próprios produtores. Na prática, não funcionou”
Embora tenham apostado na ideia, descontinuá-la não foi uma dor tão grande assim já que a ideia da Junta Local é que o produtor seja o protagonista do sistema alimentar. Se isso não acontece, não há motivos para manter o serviço.
Sem perder de vista a sua proposta, a empresa vem crescendo. Hoje, eles faturam R$ 120 mil por mês e o número de colaboradores fixos saltou de um, em 2015, para seis, além dos três sócios. “Agora o sistema é mais bruto”, brinca Thiago.
A SUSTENTABILIDADE FINANCEIRA VEIO COM UM NOVO “MODELO AJUNTATIVO”
Depois de testar diversos modelos, a Junta local encontrou a sustentabilidade financeira no que eles chamam de “modelo ajuntativo”, regido por uma Carta de Valores e Princípios que norteia tanto a curadoria dos produtores que ingressam no projeto quanto a organização desse grupo.
Segundo Thiago, esse documento (enviado a todos os participantes) nasceu coletivamente, na tentativa de resolver os dilemas que surgiam sobre o que é ser um “ajuntado”. Um exemplo: Como definir quem é um pequeno produtor? Se ele cresce um pouco e passa a ter uma fábrica com alguns funcionários pode continuar na Junta Local?
Esse caso específico foi resolvido com o princípio do “Amor pelo Produto e pelo Processo”. Se o produtor tem amor pelo produto, diz Thiago, ele vai ter cuidado com os ingredientes, com a natureza, com o meio social e na relação com o consumidor:
“Como é um produto que ele fez com amor, usando a própria criatividade, não vai tratá-lo como uma mercadoria e não vai querer botar em uma prateleira e vender de qualquer maneira. Ele vai querer estar presente, representando de forma adequada a proposta do trabalho”
A comunidade hoje tem 140 “ajuntados”; cada um desses produtores paga à Junta uma mensalidade de R$ 100. Eles também contribuem com uma porcentagem sobre as vendas: 20% nas feiras e 17% na Sacola Virtual, valores definidos em assembleia com a participação de todo o grupo.
Lá em 2015, quando contamos pela primeira vez a história da Junta, os produtores decidiam, por conta própria, com qual valor gostaria de colaborar. “O modelo ajuntativo foi uma resposta de como a gente poderia se cristalizar sem perder autonomia, nos aproximando ainda mais dos ajuntados”, diz Thiago.
EXPANDIR GEOGRAFICAMENTE É UM DESAFIO AINDA EM ESTUDO
Mais organizada, a Junta Local se aventurou, neste ano, em uma edição paulistana (realizada em agosto, na praça do Rotary, na Vila Buarque, região central). Expandir geograficamente é uma pretensão, até porque ao atravessar essas fronteiras, eles ajudam a multiplicar os sistemas alternativos alimentares. Porém, ainda estão estudando o melhor modelo de transferir o know-how consolidado no Rio para outros municípios.
São Paulo foi uma feira piloto, onde puderam conhecer o mercado local, os produtores e entender como é a dinâmica ao sair do Rio. Uma nova edição paulistana, no mesmo local, está marcada para 30 de novembro. Thiago, porém, ainda é reticente ao falar de expansão:
“Temos uma questão muito delicada com o crescimento. Não queremos a ‘uberização’ do negócio, que seria disponibilizar a nossa tecnologia de relacionamento e da Sacola Virtual para as pessoas usarem sem critério”
Ainda tomando o Uber como paralelo, a ideia da Junta Local, segundo Thiago, seria trabalhar junto com os ‘motoristas’ para criar as melhores condições — mas pensando também em como melhorar o trânsito. “No nosso caso, o ‘trânsito’ é o sistema alimentar.”
“NÃO DÁ PARA USAR O STARBUCKS COMO REFERÊNCIA PARA A JUNTA LOCAL”
Os empreendedores também estão de olho em como manter a essência da Junta Local dentro de um mercado que opera em outra lógica (do consumo, do descarte, do desperdício e da indústria de larga escala).
“O nosso valor é um valor de humanidade, confiança e parceria com os ajuntados”, diz Thiago. “E às vezes é difícil conciliar o crescimento do negócio com a manutenção dos valores. Não é impossível, é só um outro caminho.”
Nessa busca, precisaram repensar algumas parcerias. Thiago cita o exemplo de uma reunião com uma agência de marketing para falar sobre a comunicação da empresa.
“No meio da reunião, alguém deu o exemplo do que a Starbucks fez com relação a experiência do consumidor… Não dá para usar a Starbucks como referência para a Junta Local. O nosso é um processo slow entrepreneur, em que buscamos as soluções que se aproximam dos nossos valores”
A partir desta experiência, eles entenderam que precisavam buscar soluções mais artesanais, mesmo que a respostas fosse mais lenta. Thiago, aliás, diz que ainda não consegue se ver como empreendedor — embora saiba que exerce essa função.
“Eu sei que tenho que cuidar de uma empresa, lidar com gente e pensar em estratégia, mas nunca li um livro sobre empreendedorismo. Ainda tenho dificuldade de me enxergar nesse papel. Acho que sou mais um organizador, mediador e conciliador do que empreendedor”.
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