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Em Salvador, a Feira da Cidade se tornou também uma incubadora de projetos criativos

Estefani Medeiros - 14 nov 2016 Carla, que há dois anos empreende na Feira da Cidade, um negócio que já de desobrou em outro, e outro...
Carla, criadora da Feira da Cidade, um negócio que já de desdobrou em outro, e outro...
Estefani Medeiros - 14 nov 2016
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Para Carla Maciel, 33, empreender tem a ver com seguir suas habilidades naturais e saber que, nessa jornada, não encontrará sombra e água fresca. Formada em Comunicação, nunca teve a carteira assinada e acabou seguindo o caminho de produtora e ativista cultural. Ela ainda se lembra de quando, na infância, ganhou da mãe o apelido de “rueira”, por andar o dia todo pelas ruas de Salvador, sem ter hora para voltar para casa. Desde lá, o contato com a vida na comunidade despertou-lhe o desejo de levar ao espaço público mais opções gratuitas de lazer. Algo que faria depois de passar uma temporada em São Paulo.

Carla morou alguns anos no bairro de Pinheiros, e lá conheceu na feirinha da Praça Benedito Calixto, que reúne centenas de expositores de artesanato, antiguidades, além de oferecer música ao vivo e comida de rua, e atrair muito público. Ela adorou aquilo, e guardou como uma referência. A carreira de jornalista arrefeceu e ela sentiu que era hora de voltar à cidade natal: com a cara e a coragem, queria levar para Salvador uma ocupação cultural inclusiva, sem a intenção de se tornar só mais uma feira hipster. “Somos anti-gourmet”, ela diz.

Um das mais de 100 edições da Feira da Cidade, que já passou por 18 bairros diferentes de Salvador.

Um das mais de 100 edições da Feira da Cidade, que já passou por 16 bairros de Salvador.

Com este mote, há dois anos nascia A Feira da Cidade. A ideia de Carla é receber gente de todas as idades e classes sociais, oferecendo opções de lanches a partir de 7 reais e estandes disponíveis para aluguel a partir de 75 reais. Em dois anos, a Feira já teve 100 edições e impactou 500 expositores.

Atualmente sem patrocínio, o modelo de negócio se adapta a cada evento. “O valor total do investimento é dividido entre os participante e o valor do meu trabalho está dentro desse valor final. Mas varia muito, pois depende de cada orçamento, de cada tamanho de praça, da quantidade de expositores”, conta Carla.

DESDE O INÍCIO, UM PACTO COM O ESPAÇO PÚBLICO

A primeira edição da Feira aconteceu em 2014 e teve a participação de 60 empreendedores-expositores. “Começamos com música, grafite e 15 segmentos de alimentação, artesanato e antiguidades”, diz Carla. Ao olhar para trás depois de uma centena de edições, ela fala a respeito de como o negócio ressignifica a cidade:

 “O espaço público precisa ser melhor entendido. Com a Feira, ele deixa de ser um cenário contemplativo para se transformar em um espaço vivo”

Com o sucesso do primeiro evento, mais empreendedores a procuraram e a ambição de Carla aumentou, fomentada pela sua vontade de incentivar o crescimento dos pequenos negócios da economia criativa soteropolitana.

Parte do trabalho de Carla, também, é instruir os expositores sobre branding.

Parte do trabalho de Carla, também, é instruir os expositores sobre branding.

Para ela, não importa se a barraca vende hambúrguer ou frango assado. “A atenção que damos a cada um é a mesma”, diz. Ela conta que dos cerca de 500 empreendedores que já passaram pela Feira, 95% são famílias com negócios próprios, sendo que 60% da renda dessas famílias vem do evento.

Com um ano de Feira da Cidade (e como é normal em qualquer projeto) alguns pontos não estavam funcionando muito bem e Carla sentiu que precisava reinventar seu negócio. Ela reuniu a equipe para, juntos, reavaliarem todos os pontos de atenção.

O primeiro deles era a necessidade de fazer uma curadoria mais apurada dos expositores, para ajudar a manter a variedade e, assim, manter o interesse do público no evento. “Nosso modelo de negócio é a diversidade, então quando um empreendedor novo chega, fazemos um diagnóstico do preço e de como encaixá-lo na nossa proposta”, afirma.

DE REPENTE, SEU NEGÓCIO PASSA A SER AJUDAR OUTROS NEGÓCIOS

Nessa avaliação dos interessados em expor, Carla também percebeu como era grande a carência de formação desses profissionais, muitas vezes gente que deixou a carreira (ou perdeu o emprego) nas empresas e decidiu seguir o sonho de empreender, mesmo sem preparo. Foi aí que surgiu a ideia de oferecer uma consultoria gratuita de branding para os comerciantes. Eles chegam até a Feira com uma ideia e saem dali com uma solução completa: logo, plano de marca e formas de rentabilizar o seu projeto. Ao fazer isso, Carla ajuda não só a cada um, mas essencialmente ao seu próprio negócio, pois passa a ter melhores e mais preparados expositores.

O resultado não tardou a chegar e, em pouco tempo, barracas que antes eram bem primárias, como o BurGuiles, conseguiram se transformar em lojas — e ter uma vida inclusive além da Feira. Hoje, Carla contabiliza mais de 350 marcas lançadas na Feira da Cidade, sendo que 10% delas abriram ponto fixo:

“Funcionamos como uma incubadora que provoca o empreendedor a começar algo e trazer para cá. Queremos valorizar o pequeno que cria”

Entre os conselhos que Carla dá para os empreendedores, um dos que mais repete é o de ser fiel ao que se gosta. “Nem sempre vale a penas fazer algo que o outro acha que dá dinheiro”, conta. O segundo que ela mais martela é: “Sempre inove dentro da sua paixão”.

Com essas dicas, ela diz, a proposta é fortalecer a cena empreendedora e criar uma rede sustentável em que todo mundo possa se ajudar, mesmo que algumas barracas ofereçam produtos semelhantes. A empreendedora acredita que o papel da Feira é facilitar esses processos, já que o âmbito comercial e jurídico cria obstáculos. “Somos como um jet-ski pra eles, mas para fazerem a curva ainda existe muita burocracia”, diz.

OCUPAR, CUIDAR, E SÓ ENTÃO FAZER A FEIRA

A Feira da Cidade é itinerante, algo que diz muito sobre sua proposta, e que também requer uma demanda extra de energia e organização por parte de Carla e sua equipe (ao todo, 50 colaboradores diretos e indiretos). Além de montar o espaço e movimentar comerciantes locais, Carla sempre mobiliza a comunidade do entorno para que participem do processo de revitalizar as praças e limpar o espaço a ser utilizado pelo evento.

A intenção, ela diz, é que esses espaços continuem ocupados pelos cidadãos após a passagem da Feira: “Já passamos por pelo menos 16 bairros da capital baiana, em 18 projetos localidades. Posso dizer que já ocupamos cerca de 50% do espaço urbano de Salvador”. Ela segue:

“A ocupação é a chave para melhorar o convívio em sociedade e trazer mais segurança para as ruas. Todo mundo quer um pedaço da área pública”

Além de contar com a ajuda de moradores, a empreendedora rapidamente percebeu o valor de se envolver com outras organizações com intuito semelhante, como o Museu de Street Art de Salvador (MUSAS) e o Ruas Vivas, projetos ligados a urbanismo e ocupação do espaço público.

A Garagem é uma versão "fixa" da Feira da Cidade.

A Garagem é uma versão “fixa” da Feira da Cidade.

“Juntos, conseguimos desde arrecadar livros para deixar de graça nas praças depois das Feiras até ajudar os moradores a tomarem conta do local. Cada edição é um trabalho enorme de muitas formiguinhas”, conta Carla. Recentemente, uma versão “fixa” da Feira entrou em atividade: é a Feira Garagem, que ocupa um pequeno galpão, no bairro da Pituba. Ali, a intenção é reproduzir um pouco do clima das edições itinerantes.

Lá no início, falamos que não haveria sombra nem água fresca, certo? Não há, e sobram obstáculos. Além do trabalho intrínseco ao negócio que ela criou — o faturamento vem do aluguel dos estantes e para se sustentar de maneira mais confortável a Feira depende de patrocínio — o que tem tirado o sono de Carla são as incertezas em relação ao cenário político baiano. “Alguns gestores públicos mudaram recentemente e isso dificultou muito o processo de realizar a Feira. Temos tido mais dificuldade de conseguir as licenças, e já não dá para ter certeza se teremos a próxima edição”, afirma. A última aconteceu dias 22 e 23 de outubro.

Mesmo sem patrocínio e com dificuldades para conseguir as novas licenças, Carla sabe que já não há caminho de volta. Ela assume, com gosto, o compromisso de seguir como incubadora de pequenos negócios e, aos poucos, vê a cidade que nasceu se transformando naquela que sonhou. “Essa junção de pessoas revela o DNA da cidade. Tem gente que tatuou o nome da marca na pele, tem gente que se casou por causa da feira. Eu amo a rua, amo o que faço e faço com amor”, diz. Que tenha muita rua pela frente.

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  • Projeto: A Feira da Cidade
  • O que faz: Feira de design, artesanato, moda, comida de rua etc
  • Sócio(s): Carla Maciel e Marcus Carvalho
  • Funcionários: 50 colaboradores
  • Sede: Salvador
  • Início das atividades: 2014
  • Investimento inicial: R$ 65.000
  • Faturamento: NI
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