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“Em vez de me desconectar para sobreviver, percebi que precisava me reconectar… para viver!”

Henry Goldsmid - 6 abr 2018 Henry foi um dos organizadores da tradução colaborativa do livro "Reinventando Organizações" para o português. Ele conta o que aprendeu, na prática, sobre a tese do livro.
Henry foi um dos organizadores da tradução colaborativa do livro "Reinventando Organizações" para o português. Ele conta o que aprendeu, na prática, sobre a tese do livro.
Henry Goldsmid - 6 abr 2018
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por Henry Goldsmid

Os primeiros conflitos da minha vida aconteceram no recreio da minha escola. Para conseguir usar a quadra de esportes, era necessário deslizar por três andares de degraus, chegar primeiro (e inteiro) e, com o peito estufado, assegurar meu direito. Eu era rápido, mas não era forte. Uma combinação fatal para as regras de poder que governavam meu colégio. Percebi, de pronto, que precisaria de outra estratégia e que a hierarquia não seria o modus operandi na minha vida.

Os anos se passaram e a frase “que menino rebelde” foi ficando cada vez mais presente na minha vida. E não era mentira.

Descobri logo cedo, que tinha um dom para “causar”, ou seja: juntar pessoas por uma causa era o que me fazia sentir vivo e cessava minhas inquietações

Essa energia pulsante me desafiou com duas suspensões, três faculdades cursadas e uma busca desenfreada por pertencimento em mais de oito cidades diferentes. Por mais de uma década, me lancei no mundo para experimentar os mais variados desafios: fui empresário, consultor, exportador, produtor e vendedor. Com tanta energia voltada ao fazer, desequilibrei a energia do ser.

Em 2014, aceitei o desafio de planejar a vinda de uma das famílias mais poderosas da Ásia durante a Copa do Mundo no Brasil. Em apenas 15 dias, eu deveria desenvolver um plano de atividades para mais de 30 celebridades, incluindo o fretamento de dois boeings e o fechamento do Cristo Redentor no dia da final do campeonato no Rio de Janeiro. Os pedidos, sem o menor senso de realidade, me fizeram experimentar o lado mais superficial e desumano da riqueza. Essa experiência me levou ao completo burnout e me jogou, sem escolha alguma, em uma jornada de autoconhecimento extremamente profunda e dolorosa.

Durante dois anos e meio, percorri das terras xamânicas da Amazônia às montanhas iluminadas do Tibet em busca de uma nova identidade. Foi um tempo de muito silêncio interno, individualidade e ressignificação. Quando emergi dessa busca, certo de que havia um novo mundo a desbravar, percebi um enorme choque entre a visão de mundo que havia adquirido com a realidade desequilibrada que me estava disponível. Ficar no limbo da existência foi sem dúvida o desafio mais difícil que criei para mim. Foi nesse grande silêncio existencial que compreendi a dor sentida no playground da escola:

Eu tinha sido treinado para me desconectar para sobreviver, mas finalmente percebi que precisava me reconectar… para viver!

Aos poucos, fui reconhecendo que aquele vazio estava repleto de oportunidades. Compreendi que tinha um canvas em branco à minha frente e que, finalmente, sabia exatamente o que queria pintar. Eu queria sair da história do EU para co-criar a história do NÓS. Fiz as pazes com a rebeldia da minha criança e a ressignifiquei em uma energia à serviço da transformação do coletivo.

Quando descobri minha verdade, tive mais coragem de expressar minha essência e, a partir deste movimento, me conectei com uma incrível rede de pessoas à serviço do fluxo da vida. Fui acolhido pelas redes Cuidadoria e Reinventando (hoje Regenera), que já cozinhavam grandes projetos de transformação.

Aprendi que estar em fluxo é o mesmo que estar (conscientemente) à serviço da materialização do potencial coletivo.

Há dois anos me dedico a criar as condições estruturais e culturais necessárias para desbloquear a nossa capacidade de crescimento conjunto, e assim, nos conduzir para uma realidade mais próspera, mais humanizada e integrada. Foi daí que emergiu o projeto de publicação do livro Reinventando as Organizações, de Frederic Laloux.

Traduzido por 83 pessoas autogeridas, o livro "Reinventando Organizações" foi lançado esta semana.

Traduzido por 83 pessoas (!), o livro “Reinventando Organizações” acaba de ser lançado.

A obra elabora a ideia de que, à medida em que nossa consciência coletiva evolui, novas formas de organização se fazem necessárias. Que uma sociedade em evolução acaba gerando novas necessidades e essas necessidades produzem novos valores que, por sua vez, criam novos comportamentos.

São esses comportamentos que formam a cultura na qual interagimos. E é essa cultura que desenha as estruturas que nos organizamos.

Frederic Laloux mostra que já estamos vivendo uma nova fase de evolução da consciência e produzindo uma nova forma de organização, com mais integridade, autonomia e propósito comum entre as pessoas.

No livro, ele traz questionamentos como: “E se fosse possível reinventar as organizações? E se ao invés de um líder hierárquico, as organizações estivessem repletas de lideranças com autonomia e capacidade para agir na velocidade que o mundo de hoje demanda? E se as organizações estivessem a serviço de propósitos evolutivos, em permanente adaptação, funcionando mais como organismos vivos do que como máquinas que buscam prever e controlar?”.

O projeto de publicação do livro no Brasil veio da intenção de vivenciarmos, na prática, o modelo colaborativo: ele foi traduzido por 83 pessoas

Ao colocar em prática o conteúdo do livro, estaríamos experimentando o potencial e as dificuldades da teoria por ele proposta. Sugerimos isso ao autor, ele topou.

O primeiro passo foi construir as estruturas que incentivassem os comportamentos que queríamos viver. O processo seria radicalmente inclusivo, autogerido e com um propósito coletivo. Para ser radicalmente inclusivo, utilizamos o conhecimento gerado na rede Prospera com o livro Blockchain Revolution.

A tradução foi feita com um chamado aberto, no qual não era necessário experiência, currículo ou indicação. Tudo que pedimos foi a auto responsabilidade e auto avaliação de um inglês extremamente avançado e o compromisso de uma comunicação constante. Em três dias, tínhamos 83 pessoas incrivelmente empenhadas em traduzir um livro de alta complexidade. Aprendemos que quanto menos restrições existem no chamado de colaboração, mais abundante é o campo de possibilidades.

Diminuir o controle inicial não significa, necessariamente, não estar preparado para imprevisibilidades, mas investir a maior parte da sua energia no que é real agora — e, a outra parte, na construção de uma rede de resiliência, pronta para ser acionada se necessário.

Observamos também que, em ambientes radicalmente inclusivos, as pessoas ganham coragem de se entregar por inteiro. Quanto mais perto da sua essência, mais coragem de expressão é adquirida e isso se traduz em uma incrível autonomia. Por dois meses, dezenas de pessoas se ajudaram e se desafiaram a fazer algo que jamais tinham feito. Designers, publicitários, estudantes, advogados deixaram de lado seus interesses e permitiram se entregar por inteiro, com toda sua criatividade e vulnerabilidade.

Mas, é claro, um ambiente como esse também acolhe a sombra de cada indivíduo.

Aprendemos que a tomada de decisão em um sistema aberto e horizontal é de alta complexidade e que algumas pessoas trabalham melhor com incentivos, enquanto outras valorizam mais o reconhecimento. Discutimos a importância da honra aos projetos e às pessoas que nos inspiraram e conversamos abertamente sobre o desequilíbrio entre o dar e o receber que vivemos no processo.

Pessoalmente, percorri uma curva íngreme de aprendizado e foi necessário muito fôlego e autocompaixão para navegar neste ambiente de livre interação. O maior desafio foi conseguir diferenciar minhas motivações pessoais das motivações pelo coletivo, percebendo que cada uma gerava resultados bem distintos. Aprendi que ter clareza dessa dinâmica é vital para a sustentação de um projeto colaborativo.

Apesar de todos os solavancos, uma coisa ficou muito clara a todos: a cola que nos une deve estar muito bem sedimentada

Este é o último e mais importante ponto trazido na pesquisa de Frederic Laloux: a nossa capacidade de prosperar em ambientes de alta complexidade é diretamente proporcional ao nosso claro alinhamento com o propósito coletivo.

Em 57 dias, a tradução estava pronta. Ao longo desse processo, recebemos telefonemas diários com ofertas de colaboração espontânea. Foram sete empresas patrocinadoras, mais de 500 apoiadores, duas editoras e três redes distintas com mais de 100 colaboradores envolvidos ativamente.

Tivemos apoio dos profissionais mais influentes do assunto no Brasil, estivemos em eventos de grandíssimo porte e, até mesmo, debutamos no TEDxSP. Nossa campanha de crowdfunding alcançou a marca dos 135% e está patrocinando a próxima fase de projetos que a rede está criando.

O evento de lançamento reuniu boa parte dos colaboradores na tradução coletiva.

Segundo o autor Steve Johnson, “as grande ideias querem se conectar, se fundir e se recombinar. Elas querem se reinventar atravessando fronteiras conceituais”. Após essa experiência, me arrisco em dizer que são as pessoas que querem se conectar, se fundir e se recombinar. Elas querem se reinventar atravessando fronteiras conceituais. Hoje, quando sinto aquela antiga rebeldia acender em mim, entendo ser um lindo chamado de reconexão com o NÓS.

As primeiras 3 000 cópias do livro já estão se esgotando. De startups a grandes multinacionais, a publicação tem encontrado seu lugar de expressão. Estamos, cada vez mais, trazendo este conteúdo para as organizações e co-criando nosso caminho de reinvenção no Brasil.

 

Henry Goldsmid, 36, é formado em Economia e pós-graduado em Inovação Social. Hoje, junto à Tribo, é facilitador de processos de transformação cultural e desenvolvimento de lideranças em organizações que buscam se conectar com o futuro do trabalho.

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