• LOGO_DRAFTERS_NEGATIVO
  • VBT_LOGO_NEGATIVO
  • Logo

Empreender fora do Brasil é outra escola. A história do estúdio Julia, em Londres, é sobre manter-se inquieto

Daniela Paiva - 26 abr 2018 Hugo é o terceiro da foto, de camiseta azul clara. À esquerda está Valerio e, no meio, Erwan. Os sócios do estúdio Julia se conheceram no mestrado e decidiram empreender juntos.
Hugo é o terceiro da foto, de camiseta azul clara. À esquerda está Valerio e, no meio, Erwan. Os sócios do estúdio Julia se conheceram no mestrado e decidiram empreender juntos.
Daniela Paiva - 26 abr 2018
COMPARTILHAR

Hugo Timm, 36, não gosta de padrões. Não mesmo. Poucas vezes me deparei com um entrevistado munido de tanta clareza sobre sua necessidade interior de escapar de modelos. Tudo que sopre algo de regra, de standard, o designer paranaense e fundador do estúdio de design Julia Studio refuta. Há dez anos, ele iniciou uma carreira de empreendedor criativo em Londres, e aqui vamos falar dos tombos, atalhos e aprendizagens que reuniu na jornada.

O padrão deu as caras um punhadinho de vezes ao longo de sua vida em forma de tranquilidade, segurança, estabilidade. E Hugo, o que faz diante dessas circunstâncias? Dá no pé assim que nota algo repetitivo, profissional ou pessoalmente. Não se trata de fuga, mas uma busca constante por frescor. Talvez a única regra que ele siga seja a de não “se conformar com o óbvio” ou com o que pareça mais fácil. É também por isso que ele escolhe, a dedo, os clientes — cenário paradisíaco para profissionais com ambição diretamente proporcional ao tesão pelo trabalho.

O Julia nasceu em Londres, lá em 2008. Foi fundado por Hugo ao lado de dois companheiros do mestrado em Communication, Art and Design, pela Royal College of Art, na Inglaterra. Eles são o italiano Valerio Di Lucente e o francês Erwan Lhuissier.

Em uma década de existência, o negócio desenvolveu uma diversidade de projetos de tipografia, livros, revistas, exposições, sites, identidade, entre outros. Não é design disso, daquilo ou de outro. “É design e ponto”, como diz Hugo. Para os sócios, o mais importante não é o tipo de serviço que podem oferecer, mas o envolvimento desde o início no processo de criação do projeto.

Trabalho desenvolvido pelo Julia para o ICA (Institute of Contemporary Arts).

Nessa jornada, eles fizeram trabalhos para publicações mais alternativas como a Elephant Magazine, a renomada Wallpaper, a gigante Puma e a fundação Institute of Contemporary Arts, de Londres. Preferem não revelar o faturamento anual, mas dizem ser o suficiente para manter a autonomia.

Ano passado, de junho a julho, o trio embarcou para uma residência no Brasil a convite do British Council, em colaboração com o Sesc São Paulo e o Instituto Bardi. O objetivo foi participar de uma imersão de seis semanas pela obra da arquiteta Lina Bo Bardi. O resultado será lançado no final de maio, como revista, em Veneza.

Bom, e depois disso? É o fim de Hugo no Julia. Sim, você leu isso mesmo. Ele está saindo da sociedade – pelo menos por ora. É que bateu a inquietação de novo. Ele e a namorada Carol Sachs  enveredam em breve para uma viagem pelo mundo a bordo de uma bicicleta de dois lugares. “Faz tempo que quero ver o que mais existe além de trabalhar todo dia”, conta Hugo. “Descobrir se a pessoa que acho que existe em mim existe mesmo. Viajar de bike sem nada, sem nenhum apego. Vai que eu não sou assim.”

“Tive alergia à publicidade. Não gostei”, conta, sobre os primórdios da estrada profissional. Hugo foi criado em Francisco Beltrão, interior do Paraná. Quando chegou o tempo da faculdade, cursou Programação Visual em Desenho Industrial – ou em outras palavras, Design Gráfico — na PUC de Curitiba. Bastou um estágio na Ogilvy local para chegar à conclusão acima.

Ele lembra de uma ocasião em que viu uma “portinha aberta” para um novo rumo em um cartaz na universidade com o curso de estágio de um mês na Editora Abril, em São Paulo. Se inscreveu, passou e mudou-se para São Paulo em 2002. Foi a primeira grande virada. Permaneceu na editora por um ano e meio como Designer Editorial, muito por conta da revista Vida Simples, que lhe dava mais liberdade para criar do que os outros títulos da casa, diz ele. “A revista era nova, não havia muita expectativa. Acabamos ganhando vários prêmios.”

Até que o padrão começou a piscar seu alerta interno. Hugo conta que percebeu colegas jovens embrenhando-se já com plano de carreira. Ele brinca: “Aí você pode pedir um grelhado a mais no almoço, a natação é de graça, usa o elevador no lugar da escada, tem vaga no estacionamento. A minha namorada ainda trabalhava na Abril… Pensei: se eu não sair agora, o tentáculo cresce e não vou embora nunca mais.”

COMEÇOU A SE ACOSTUMAR, PEDIU PARA SAIR. DE NOVO

Não deu outra. Pediu para sair. Um belo dia, deparou-se com uma exposição de cartazes do designer Kiko Farkas para a Osesp. Farkas é figura notória na área cultural, não só pela Osesp, mas também por ter trabalhado com a Companhia das Letras, para os eventos Jazz nas Fábricas, entre outros. “Nem sabia que tinha trabalho daquele tipo no Brasil. Nunca tinha achado alguém tão autoral”, diz Hugo.

Ele, então, entrou em contato com o próprio Kiko pedindo um estágio no Máquina Estúdio. Não tinha vaga. Incansável e insistente, assim, na lata, Hugo pediu para usar um canto do espaço mesmo sem ser contratado, só para estar por ali e absorver o que conseguisse. Deu certo. Ficou por lá e acabou sendo contratado. Pergunto se aprendeu tudo o que queria: “Não, não aprendi nada do que queria, mas aprendi um monte de outras coisas. Foi muita inspiração. Nessa idade é muito potente estar perto de uma pessoa que faz o que ela quer.”

Digamos que Hugo desaprendeu — e que bom. Desaprendeu a fazer fórmulas, o que é certo ou errado, e aprendeu a convencer cliente de que a ideia valia a pena, de que é preciso escapar um pouco e refrescar. Ele conta, por exemplo, que Kiko vez ou outra saía para nadar no meio da tarde. E lembra de como tratava a aprovação de material: “O Kiko nunca falava ‘está ruim, faz isso aqui’. Ele dizia: ‘você conhece esse saxofonista? Ele tem um negócio sobre temas, improvisação’. Às vezes, não entendia bem o que ele queria dizer, mas de algum jeito a coisa foi entrando em mim”. E continua:

“A ideia de ser um designer é só a ideia de ser uma pessoa interessante. É isso que na verdade você tem de ser”

Um ano e meio depois, lá veio o padrão, mas desta vez o inimigo vinha de dentro. Hugo tinha padronizado para si o estilo do mestre de trabalhar. As fontes, as cores, até os trejeitos com os clientes eram o “jeito Kiko de ser”, diz Hugo. “Eu não tinha voz. Na verdade, era péssimo. Fazia algo que o Kiko aprovava e gostava, e ficava bom. Não sabia mais nada além disso.”

FOI FAZER UM MESTRADO E CRIOU UM ESTÚDIO DE DESIGN

Foi quando, em 2006, decidiu se inscrever para o mestrado em Londres. Passou na prova, juntou as economias, vendeu tudo, e foi. “Essa coisa de você trabalhar bastante e, quando chegar aos 60 anos, poder ir para um cruzeiro… Eu quero agora. Não quero esperar até lá. Tenho essa angústia de não ficar me repetindo para sempre. Quando me senti começando a entrar nesse pattern, fui embora.”

Mesmo com essa gana, Hugo diz que não foi fácil. Teve problemas para adaptar a cabeça brasileira, segundo ele, burocrática, institucionalizada e corporativa. Afirma que o curso era uma zona e, ao mesmo tempo, muito libertador e que o premiado Dan Fern, diretor de curso na época, abriu sua “tampa criativa”.

Pôster criado pelo Julia para o Graphic Design Festival Paris, em fevereiro do ano passado.

“Ele era maravilhoso. Levava os alunos na casa dele e cozinhava. Trazia músicos para a escola. Queria que tivéssemos uma participação pessoal nas coisas. Não tinha nada a ver com o design”, conta. E diz que Dan se orgulhava de ter formado um curso na Inglaterra para pessoas absolutamente “não-empregáveis”.

Quando acabou o mestrado, em 2008, Hugo se juntou aos dois atuais sócios para montar um estúdio. O nome Julia veio em um brainstorm etílico depois de algumas regras: teria de ser curto, de pronúncia simples, sem grandes significados e internacional. “Seria legal ter uma coisa feminina já que éramos três piá”, diz, com sotaque do Sul. Certo dia, Erwan e Valerio ligaram para Hugo com a ideia: Julia. “Odiei. Mas ficou. Talvez as pessoas lembrem porque é esquisito.”

COMO É EMPREENDER SEM O “QUEM INDICOU”

O estúdio estreou em novembro daquele ano em uma mesa redonda no quarto de Erwan, que dividia apartamento com Hugo. Valerio morava a três quadras. Sem o luxo da indicação no Brasil, encontraram clientes no lugar que frequentavam — no bar da universidade. Também chamaram atenção na exposição de final do curso. Pintou um convite e, meio que no esbarrão, acabaram trabalhando para a revista Wired e a Puma. Ele fala sobre essas experiências:

“A cultura no Brasil é perguntar o que você fez antes, com quem trabalhou, quem você conhece… Aqui, ninguém me perguntava isso”

A amizade serviu de unificador ao descobrirem que, profissionalmente, os três  pensavam bem diferente. “A química que tínhamos como amigos fazia com que pudéssemos conversar, pelo menos. Design é muito intuitivo. Essa coisa que designer fala de que tem justificativa para tudo, não tem nada a ver. ‘Pode ser marrom porque lembra madeira’. Não, na verdade, pode ser qualquer cor”, diz, e conta que eles encontraram um jeito de achar consenso sempre, o que acabou por facilitar a aprovação com clientes.

Lá se foram dez anos desde aquele estúdio no quarto de Erwan, projetos diversos em arte e cultura para clientes de vários tamanhos, três escritórios em London Fields, área trendy de Londres… Mas o que torna o Julia diferente? “Na verdade, nada. Tem tanto estúdio bom em Londres”, diz Hugo. “Ele não é nem especial, nem diferente. Ele só é meu.” Mas tem sim um fator do Julia que parece se destacar: “Gosto de entregar um trabalho que é diferente do que me pediram. E de estar envolvido bem antes, não ser mão de obra”.

AS DORES DE CRESCER E SE SEPARAR

Sobre os desafios desse caminho, Hugo elenca em primeiro lugar uma pequena crise de identidade há cerca de quatro anos, um pouco das dores do crescimento. Mais clientes, orçamentos impressionantes, necessidade de espaço maior, trabalhos entrando em carreira. De um lado, a perspectiva de contratar pessoas e virar agência e, de outro, continuar com as seis mãos na massa, mas em formato de boutique. Venceu a segunda opção, como fala:

“Queremos trabalhar individualmente com o que gostamos, queremos dizer não. Não queremos pegar qualquer coisa só porque temos de pagar as contas”

Lembra também das encrencas. Sofreram com três alagamentos no escritório por conta de um restaurante que funcionava no andar de cima do estúdio. Final de ano, fechavam a sala e iam curtir a vida. Voltavam e o resultado da farra dos outros escoava pelos móveis. Perderam cartazes, impressões de artistas, presentes.

Tiveram ainda problemas sérios de plágio. Chegaram a dar um primeiro passo na Justiça em um dos casos e tudo indicava que a causa teria grandes chances. Mas, os custos da ação, que poderiam chegar a 100 mil libras (por alto, 500 mil reais), desanimaram os sócios. “Só existir dá um trabalhão”, afirma Hugo.

Junto com a libertação dessas intempéries, literalmente pararam de se preocupar e, logo, vieram outras mudanças. Valerio deixou Londres há três anos. Trabalha com o Julia, atualmente, da Itália. Este ano foi a vez de Erwan debandar, em janeiro. Ele voltou para a França e, por enquanto, dali toca o escritório de Londres e também o de Paris.

Hugo parte em junho para uma viagem sem muito fim de linha. Ele se desfaz da sociedade e vai nessa. Não quer levar trabalho na bagagem. No entanto, pode ser que explore um lado desenvolvido com o Julia: o de dar aula. O estúdio já realizou cursos, workshops e palestras em diversas universidades pelo Reino Unido, na Itália, Bruxelas, Índia, França, Estados Unidos, Alemanha, Polônia e Japão.

Também pode ser que volte para a Brasil e inaugure um estúdio Julia “versão brazuca”. “Queria tanto voltar. Seria a coisa mais legal morar no país e gostar disso, mas não sei se essa sensação que tenho quando vou como turista é verdadeira”, diz. Ele conta, também, que adoraria ter uma escola de “unemployable people” (ao estilo do professor Dan Fern). “Um lugar que não formasse por profissão, mas juntasse pessoas interessantes para passarem um tempo juntas, aprenderem coisas.” Tudo aqui é incerto, por escolha própria, claro. Mas quem sabe…

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Julia Studio
  • O que faz: Estúdio de Design
  • Sócio(s): Hugo Timm, Valerio Di Lucente e Erwan Lhuissier
  • Funcionários: Apenas os fundadores
  • Sede: Londres, Roma e França.
  • Início das atividades: 2008
  • Investimento inicial: Não teve
  • Faturamento: Não informado
  • Contato: [email protected]
COMPARTILHAR

Confira Também: