Até pouco tempo atrás, os drinques em lata ou em garrafa disponíveis no mercado não tinham lá uma boa reputação. Gostos pessoais à parte, estavam bem distantes dos coquetéis feitos em um bom bar. Mas uma nova onda de drinques prontos para beber, impulsionada pela explosão na venda das chamadas hard seltzers nos Estados Unidos, vem mudar esse cenário.
Mas qual seria a fórmula para combater o preconceito com os drinques prontos para beber? Segundo a F!VE DRINKS CO., empresa fundada pelo brasileiro Felipe Szpigel há dois anos nos Estados Unidos, a receita é uma mistura de poucos ingredientes naturais, meticulosamente combinados por bartenders premiados e envasados em latas minimalistas para oferecer um drinque com qualidade de bar que pode ser degustado onde você quiser.
“Nos Estados Unidos, a gente fez uma parceria com o Dante, de Nova York, eleito o melhor bar do mundo em 2019. Colocamos três drinques do melhor bar em latas. Não tem como nossos outros drinques serem ruins”, brinca Felipe.
Antes de empreender, ele acumulou a experiência de 20 anos de carreira na Ambev e ABInBev, boa parte deles como presidente da divisão de cervejas especiais. Na empreitada, tem como sócios outros ex-executivos da Ambev, além de parceiros americanos.
Mesmo com a alta concorrência de um mercado em expansão (desde 2019, os chamados “ready to drink” tiveram um crescimento global de 43%), a receita parece estar dando certo. A F!VE DRINKS CO foi eleita a melhor empresa de coquetéis enlatados em uma pesquisa feita com os leitores do jornal americano USA Today, no ano passado.
Com releituras de drinques clássicos, como mojito, gim-tônica e moscow mule, a empresa chegou ao Brasil no fim de 2020, em plena pandemia. O que poderia ser um problema, no entanto, acabou dando um impulso aos negócios da empresa, já que o fechamento dos bares levou muitos consumidores a buscar a conveniência do drinque pronto em casa.
“Na pandemia, as pessoas incrementaram o consumo em casa, com produtos mais premium. E isso não tem volta. Quando você se acostuma bem, esse vira o seu padrão daqui pra frente.”
Criada em Miami, a empresa esperava vender a primeira produção feita no Brasil, de 60 mil latas, em um período entre seis meses e um ano. “Durou um pouco mais de três meses”, conta Felipe. A nova rodada, mais ambiciosa, de 500 mil latas, também deve se esgotar antes do prazo. “Estamos com bastante demanda. E isso tudo sem os locais afetados pela pandemia, como bares e eventos”, diz. A seguir, Felipe fala sobre a marca, o mercado dos prontos para beber e o potencial de crescimento do setor quando uma certa normalidade se estabelecer.
Com uma longa carreira no mercado de cervejas, por que você escolheu os drinques para começar a empreender?
Eu trabalhei 20 anos na Ambev e, em 2011, assumi uma função no escritório global, olhando mercados e tendências. Liderando o processo de aquisições de cervejas artesanais, tive acesso a muitos empreendedores brilhantes, apaixonados pelo que faziam e fazendo sucesso nos Estados Unidos. Acho que daí foi aumentando o meu desejo de empreender.
Junto a isso, eu trabalhava numa área de inovação. Estava sempre pensando que cerveja a gente iria lançar, qual é o estilo que ainda não surgiu, que história a gente iria contar. E um dado interessante desse mercado é que 80% do volume de consumo de destilados é consumido misturado. Não é o shot, a dose pura. E a gente não via nenhum produto realmente de qualidade já pré-misturado.
Então, foi a união de um momento de vida, em que eu achei que estava na hora de empreender, com a descoberta de um mercado com potencial enorme e cuja grande lacuna era ter um produto de alta qualidade.
Como chegaram ao conceito do que seria esse produto?
Primeiro, a ideia era usar ingredientes reais, de qualidade, como um bom bartender faria num bar, mas oferecendo a conveniência de um drinque pronto para todas as ocasiões. Então, o produto nasce na mão dos melhores mixologistas sem comprometer a experiência que você teria dentro dos melhores bares de São Paulo ou de Nova York. No que isso é diferente? Eu trabalhei muitos anos em inovação em uma grande empresa. Ali, a inovação começa no laboratório e acontece com base em pesquisa do que já existe: “Alguém lançou um drinque. Como a gente lança um drinque melhor?” Não é uma questão disruptiva, é uma questão incremental.
Então, a gente foi em busca do que o consumidor realmente deseja e como eu entrego isso pra ele. E aí a inovação está para trás: como é que eu acho os ingredientes e como eu faço o processo de produção, sabendo o que o consumidor quer.
Outra coisa importante foi fazer um produto que a gente achasse maneiro e gostaria de tomar. Isso envolve a qualidade do produto, mas também o minimalismo no rótulo das embalagens, a colaboração com artistas… Eu adoro cerveja artesanal, mas na minha casa, várias vezes na semana, alguém está abrindo um mojito. Queríamos um produto em que a gente também fosse o consumidor final.
Como o crescimento dos drinques prontos para beber tem a ver com a popularidade das hard seltzers nos Estados Unidos? E por que acha que esse movimento pode se reproduzir no Brasil?
Nos Estados Unidos, o crescimento das seltzers vem na esteira de uma tendência de o consumidor buscar menores calorias em carboidrato no consumo do álcool. E também do fato de o americano já ter o hábito de ir ao bar e pedir uma vodca seltzer. Então, transformar esse drinque em lata é só traduzir o comportamento do consumidor para outro canal.
A gente foi olhar a próxima fronteira. Eu falei: “Não quero ser a seltzer número mil. O mundo não precisa de uma nova seltzer”. Então, qual é a próxima tendência? Qual é a próxima oportunidade, algo que as pessoas já esperam e que não existe no mercado? Drinques, como margarita e moscow mule, feitos com ingredientes frescos como são oferecidos num bar. Então, a gente foi lá e lançou.
Aqui, no Brasil, eu acho que o movimento das seltzers não vai acontecer. A introdução no mundo de drinques aqui é via gim-tônica. A gente não sai só para beber. Sai para socializar, se divertir, dar risada, contar história. Pra gente, a experiência de beber é uma experiência prazerosa, não é uma experiência de querer mais álcool com menos caloria como nos Estados Unidos, né?
Então, o que vai acontecer aqui no Brasil é que essa indústria do “ready to drink” vai pular direto do mundo anterior, de Skol Beats e de Smirnoff Ice, para o mundo de mixologia premium, mas com conveniência.
Como querem mudar a imagem que o brasileiro tem dos drinques prontos para beber como algo não muito sofisticado?
Esse é o nosso maior desafio de construção de marca: o preconceito que nós, eu inclusive, tínhamos com a categoria. Acho que tem duas formas bacanas de se trabalhar essa questão: uma é a degustação em si. Eu posso dizer o que eu quiser, mas eu só vou mudar a tua opinião na hora que eu te servir o nosso moscow mule e você falar: ‘Nossa, realmente, é um dos melhores que eu já tomei’. Essa questão da degustação, que começamos a fazer lá fora, foi prejudicada pela pandemia, mas agora está começando a voltar.
Outra questão é chocar pela qualidade. Nos Estados Unidos, a gente fez uma parceria com o Dante, de Nova York, eleito o melhor bar do mundo em 2019. No Brasil, os drinques foram elaborados pelo Márcio Silva, que era barman do premiado bar Guilhotina e acabou de sair numa lista das pessoas mais influentes dessa indústria no mundo todo.
A gente colocou três drinques do melhor bar do mundo em latas. Não tem como nossos outros drinques serem ruins. Se tem a mão do Márcio, também não pode ser ruim. Esse é nosso jeito de dizer que a gente sabe o que está fazendo, que a gente não veio para brincar.
Você acredita que o crescimento dos drinques prontos para beber foi impulsionado pela pandemia e pela falta de acesso aos bares? Como vê esse mercado depois que voltarmos a uma certa normalidade?
Sim, pela facilidade de acesso, na pandemia, as pessoas incrementaram o consumo em casa, com produtos mais premium. Com o delivery, em questão de minutos, você tem o drinque gelado em casa e por um preço competitivo. E isso não tem volta. Quando você se acostuma bem, esse vira o seu padrão daqui pra frente.
Mas é claro que estamos torcendo para as coisas voltarem ao normal. Com a reabertura e com a volta das viagens, temos diversos focos de atuação, como shows, eventos e hotelaria.
Num evento, ninguém quer ficar esperando na fila ou por alguém fazer o drinque para você. Quer pegar o drinque e ir pra pista, dançar, ver um show. Além de você não saber direito quem mexeu no seu drinque, de onde veio aquele gelo. Com os nossos drinques, você abre a lata e tá pronto.
A gente espera que se reproduza aqui o que está acontecendo lá fora, com os drinques prontos presentes em estádios, campos de golfe e hotéis, no serviço de praia, na piscina e no minibar, por exemplo. A gente espera que, lá para o fim do ano, já comece a surgir essa demanda incremental, para além do consumidor que leva os drinques para dentro de casa.
No Canadá e na Austrália, esse mercado de prontos para beber à base de destilados já é maior do que a própria indústria de destilados. Eu não sei quando isso vai acontecer no Brasil, mas vai acontecer. E, olhando para esse futuro, a gente quer ser o líder premium dessa tendência que não tem mais volta.
De olho nessa tendência internacional, você pensa em lançar os drinques da F!VE em outros países?
A gente está muito animado com Brasil e Estados Unidos, que são dois dos maiores mercados do planeta. Já é bastante trabalho. No Brasil, queremos ter distribuição nacional até o fim do ano. Para, no Réveillon e no Carnaval, já estarmos presentes em todas as capitais e no litoral, além das grandes redes. Mas, claramente, há uma oportunidade para entrar em outros mercados do mundo. Mesmo no Canadá e na Austrália, onde a categoria de drinques prontos para beber é grande, não há produtos como o nosso. Então, Canadá, México, Colômbia, Inglaterra, Austrália e Ásia são os grandes mercados-alvo em que a gente deve começar a atuar no ano que vem, com o Canadá sendo o primeiro deles.