Gerar renda e conhecimento na periferia, com professores da periferia e para alunos da periferia. É esse o objetivo do jornalista, programador e educador Arthur Gandra, 29, que em outubro de 2016, com a criação da empresa Jovens Hackers, encontrou uma maneira de empoderar crianças e jovens por meio do aprendizado de programação e ser remunerado fazendo aquilo que acredita. “Quero disseminar o ensino de programação, robótica e cultura maker com a mesma qualidade das grandes escolas do setor, mas com mensalidade acessível e presença nas periferias”, diz, e prossegue: “Todas as escolas que fazem um trabalho parecido com o nosso estão em regiões nobres de grandes capitais. O Jovens Hackers foi criado por e para jovens da periferia.”
Parte da inspiração para sua jornada veio do exemplo de um colega que, na época em que Arthur era estudante de jornalismo, lançou um livro e destinou toda a renda obtida para a universidade onde estudara como forma de retribuir pelos anos de aprendizado. A iniciativa fez com que refletisse sobre a questão do privilégio no ensino. “Tenho duas formações, uma técnica e outra superior, ambas pagas inteiramente com dinheiro público.”
É SOBRE RECONHECER O PRÓPRIO PRIVILÉGIO
Alguns anos mais tarde, em 2013, já formado e bem empregado em uma assessoria de comunicação, começou a sentir que algo estava errado. “Mesmo com um bom salário, gostando do que fazia e das pessoas com quem convivia, não estava feliz. Resolvi pedir demissão”, diz. Esse primeiro passo em direção ao mundo empreendedor assustou colegas de trabalho, familiares e amigos, mas foram os anos em que atuou como assessor de imprensa freelancer que deram a Arthur espaço e experiência para que descobrisse o que crê ser seu propósito.
Nessa época em que não tinha um emprego fixo e mais tempo, buscava conteúdo para ensinar programação ao seu irmão mais novo e ao sobrinho, com 7 e 6 anos, respectivamente. Foi aí que descobriu o Code Club, uma rede mundial de voluntariado especializada no ensino de programação para crianças. “Logo de cara me apaixonei pela causa e, além de utilizar o material com as minhas crianças, me ofereci para ajudá-los no que precisassem aqui no Brasil”, diz. Foram três anos de envolvimento com a ONG.
A atuação de Arthur começou como assessor de imprensa voluntário e terminou como diretor executivo da organização no Brasil. A paixão pela causa era gigante, assim como as dificuldades em tocar os projetos por falta de grana. “A premissa básica da organização era o trabalho voluntário. Isso começou a ser um problema, já que os objetivos eram grandiosos, mas a falta de apoio financeiro para realizá-los era um impeditivo muito grande para continuar.”
A TRANSIÇÃO: DE VOLUNTÁRIO A EMPREENDEDOR
Conversando com amigos, conheceu uma alternativa à filantropia: os negócios de impacto social, caminho pelo qual entendeu que poderia aplicar a gestão dinâmica do setor privado a uma iniciativa que também gerasse impacto positivo. Assim, Arthur se desligou da ONG e começou sua empreitada com o Jovens Hackers. “Para a minha surpresa, logo de cara, meu primeiro cliente foi o setor público. Elaborei um projeto para um edital da Prefeitura de São Paulo e fui um dos vencedores”, conta.
Com os 30 mil reais do edital, Arthur conseguiu montar a empresa e formar, no ano passado, 500 crianças do Projeto Arrastão, nas regiões de Campo Limpo e Paraisópolis, na zona sul de São Paulo. Seu sonho, no entanto, não é contar somente com recursos do governo, mas abrir escolas privadas nas periferias. Para isso, pretende cobrar uma mensalidade 80% a 90% mais barata do que as de tradicionais escolas de programação, com a vantagem dos alunos não terem gastos como transporte e alimentação para se deslocar até o centro para estudar.
Ele fala o que espera dessa transição: “Meu maior sonho é estar presente em diversas periferias de todo o Brasil. Para conseguir isso, é necessário que o projeto siga, agora como um negócio de impacto social, e se torne sustentável, não dependendo apenas de subsídios públicos”. E continua:
“Queremos que, assim como em outros países, o ensino de programação seja difundido e receba a devida importância como meio de ascensão social e pessoal”
E este caminho está surgindo diante do empreendedor: o Jovens Hackers acaba de ser selecionado para a primeira edição da Aceleradora de Negócios de Impacto da Periferia, realizada em conjunto pela A Banca, Artemisia e Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV Cenn). Com o investimento recebido no programa, de 20 mil reais, além do suporte em consultoria, Arthur pretende construir um modelo de negócios ainda mais robusto e investir no treinamento de novos professores quando as turmas começarem a se multiplicar.
ATIVIDADE EXTRACURRICULAR E RENDA PARA A PERIFERIA
Assim como no caso dos alunos, ele quer privilegiar a contratação de jovens professores residentes nos bairros periféricos para resolver além da questão de renda, outros problemas dos moradores: “Ao possibilitar que o trabalhador permaneça na sua região, fazemos com que a economia local cresça e contribuímos para a redução de problemas de trânsito, poluição e habitação, pois ele não precisa se deslocar todos os dias da periferia para o centro. O tempo economizado no trajeto pode ser utilizado no consumo de lazer e cultura, dentre outros”, diz. Arthur também pretende investir os recursos da aceleradora na divulgação dos cursos, como conta:
“Enquanto os jovens mais ricos podem escolher diversas atividades extracurriculares, os mais periféricos não têm tanta opção. Queremos mudar isso”
Por isso, afirma: “O maior desafio do negócio é atrair os alunos, que muitas vezes não conhecem as vantagens de nossa metodologia”. Ele também vê no ensino de programação uma forma de contribuir para reduzir as desigualdades no país e nas cidades.
“Diferente de outros trabalhos tradicionais, a tecnologia da informação permite que as tarefas sejam realizadas remotamente de qualquer lugar do mundo, desde que haja acesso à energia elétrica e internet”, diz. Para ele, essa é uma grande oportunidade de colocar os jovens das periferias para competirem em condições menos desiguais com os de outras regiões.
No Brasil, o déficit de profissionais no setor de Tecnologia da Informação poderá ser de 408 mil, em 2020, caso o país não adote medidas para reverter esse quadro, segundo o Observatório Softex (Associação para a Promoção da Excelência do Software Brasileiro). Para contrariar essa previsão é que Arthur investe suas energias: “Acreditamos que todas as crianças e jovens do mundo devem ter as mesmas oportunidades, por isso trabalhamos para difundir o ensino acessível de programação”, diz, cientes de que é preciso também hackear o sistema social para obter os resultados esperado.
Desconstruir mitos e fórmulas prontas, falando a língua de quem vive na periferia: a Escola de desNegócio aposta nessa pegada para alavancar pequenos empreendedores de São Miguel Paulista, na zona leste de São Paulo.
“Nerd da favela”, João Souza sempre fugiu dos estereótipos. Hoje ele lidera a ONG FA.VELA, com foco em educação digital e empreendedorismo nas periferias, e a Futuros Inclusivos, agência de consultoria que atende empresas e governos.
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