Neste momento, aproximadamente um em cada 34 brasileiros sofre a dor do luto por ter perdido alguém vítima do novo coronavírus.
Enquanto escrevo este texto, o Brasil registra mais de 622 mil vítimas da pandemia de Covid-19. Avançando para seu 22º mês, a maior crise sanitária da era moderna já matou mais de 5,5 milhões de pessoas em todo mundo.
Números. Números que nos habituamos a ver e escutar todos os dias. Quase a ponto de nos distrair do fato de que cada um desses números era uma pessoa, com família, amigos, colegas, vizinhos. São pessoas, não são números
Incomodado com o risco de nos deixar distrair pela frieza dos números e nos afastar da nossa própria humanidade, um grupo de pessoas se uniu em abril de 2020 para buscar uma alternativa.
Como podemos honrar aqueles que perdemos? Como consolar aqueles que, na maior parte dos casos, não puderam nem sequer despedir-se da pessoa amada? Como podemos hoje ajudar as próximas gerações a não cometer os mesmos erros que cometemos?
Parte importante da resposta para estas perguntas está em lembrar. Sim: guardar a memória. Não deixar que essas pessoas sejam esquecidas. Não deixar os aprendizados que tivemos como sociedade se perderem.
Para isso, precisamos de arte. Precisamos de filmes, de livros, de quadros, de esculturas, de peças de teatro, de documentários. E precisamos de espaços memoriais.
Acreditando nisso, o projeto artístico Memorial Inumeráveis vem escrevendo a história de vida de cada uma das milhares de vítimas da pandemia no Brasil. São centenas de voluntários transformando os números em histórias que não podem ser esquecidas.
Todos os dias, nos últimos 20 meses, um grupo de artistas, jornalistas, psicólogos e voluntários entrevista familiares, escreve histórias de vida e publica um tributo em um memorial digital. Um espaço que tem ajudado milhares de famílias enlutadas a elaborar sua dor (quer homenagear uma pessoa? clique aqui).
Agora, o Memorial Inumeráveis, com apoio da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, está propondo a construção de um memorial físico em homenagem a todas as vítimas do coronavírus do Brasil
Uma obra arquitetônica construída em uma área verde da cidade de São Paulo, aberta à visita de toda a população. Com 2 440 metros quadrados, o projeto propõe experiência imersiva que atravessa as três fases do luto (o Grito, o Silêncio e a Música).
Nele estarão gravados todos os primeiros nomes de cada uma das vítimas da pandemia no Brasil. E toda vez que uma história for lida no memorial digital, aquele nome vai se iluminar no memorial físico.
Assim, aqueles que estiverem andando pelo memorial vão ver os nomes se acendendo. E saberão que estas pessoas estão sendo lembradas.
Mas você pode estar se perguntando: por que um Memorial dedicado às vítimas da pandemia no Brasil deve ser construído na cidade de São Paulo, quando ainda existem tantos outros problemas?
Essa não é uma pergunta trivial. Por que investir tempo e recursos na construção de algo simbólico quando temos tantos problemas urgentes, do campo prático, para resolver?
Não seria melhor esquecer e só avançar? Só pensar no futuro?
Não cuidar da memória é má ideia. Fizemos isso com a memória da escravidão e até hoje colhemos em racismo estrutural. Fizemos isso com a memória da ditadura militar e até hoje um grupo de pessoas acredita que autoritarismo é sinônimo de progresso
Construir esse Memorial é reconhecimento material da verdade, é o amparo às milhares de famílias enlutadas e também um serviço histórico para as próximas gerações.
Mesmo com as diversas notícias de mortes e hospitalizações por todo território nacional, muitos brasileiros ainda duvidam que a pandemia existe ou que tenha a dimensão que tem, acreditando nas fake news. Ignoram que o Brasil perdeu e segue perdendo inumeráveis vidas.
É nosso dever criar provas materiais e históricas que ajudem a sociedade a compreender a gravidade dos fatos desta pandemia — para esta e para as próximas gerações
Existe uma guerra de narrativas acontecendo nesse exato momento que tenta distorcer, minimizar ou mesmo apagar os fatos que agravaram a pandemia no Brasil. Nós não podemos esquecer que alguns líderes escolheram ignorar a ciência.
Não podemos esquecer que a vacina atrasou, que o oxigênio faltou. E que boa parte das mortes que aconteceram até agora poderiam ter sido evitadas.
Este projeto é sobre o amparo às milhares de famílias enlutadas. A imensa maioria daqueles que perderam uma pessoa amada não pôde sequer velá-la e enterrá-la. Não pôde se despedir, e não pôde ver o corpo da sua pessoa querida.
Nós precisamos de rituais para processar e elaborar o luto.
O Memorial Inumeráveis se propõe a ser um ritual coletivo para aqueles que não tiveram a possibilidade de se despedir
Ele é uma prova material da ausência. Sendo assim, compõe a elaboração do luto individual de cada brasileiro em uma experiência coletiva de reconhecimento da dor e da ausência daqueles que perdemos.
Trata-se de um serviço histórico para futuras gerações. Pandemias são eventos violentos e imprevisíveis, capazes de dizimar grande parte da população mundial.
São também eventos que exigem grande coordenação social e confiança no Estado.
A pandemia que estamos passando não foi a primeira a atingir o Brasil e muito possivelmente não será a última. O que nós, como sociedade, aprendemos? O que nós não podemos esquecer?
Constituir um espaço arquitetônico memorial é uma solução para manter viva a memória das pessoas que perdemos — e também a memória das decisões que tomamos como sociedade, dos erros que cometemos e das soluções que criamos no enfrentamento dessa crise.
Estamos em conversas com o governo do estado a fim de obter a concessão do espaço para construção do memorial físico a céu aberto em um dos parques públicos na cidade, mas ainda sem previsão de data.
São Paulo foi um dos epicentros da pandemia no Brasil. É justo, agora, que se torne o epicentro da memória, do protesto e da cura.
Edson Pavoni é um artista e tecnologista brasileiro, criador de instalações interativas exibidas em festivais, galerias e instituições de cidades como Pequim, Dubai, Lisboa, Budapeste, Rio de Janeiro, Brumadinho e São Paulo. É também cocriador do projeto Inumeráveis, dedicado à história das vítimas do coronavírus no Brasil.
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