Estima-se que o mundo tenha hoje uma frota de 1.4 bilhão de veículos em circulação, entre automóveis, comerciais leves e pesados. Como lidar com o impacto climático causado pela emissão de gases de efeito estufa desta frota é um dos grandes desafios para empresas e governos atualmente.
A principal solução para o problema parece que está dada: eletrificar a frota. Entretanto, não se trata de um passo assim tão simples. Ainda há muito o que entender e aplicar para que exista uma transição que alinhe legislação, mercado, consciência dos consumidores e até mesmo infraestrutura para atender as questões de eletromobilidade em um país com dimensões continentais como o Brasil.
Com o foco da agenda ESG, é preciso ampliar o debate.
Para mostrar olhares diferentes sobre essa importante questão da eletrificação, NetZero convidou dois especialistas para colocarem suas opiniões sobre os melhores e mais viáveis caminhos para a redução de impactos gerados pelas frotas. Acompanhe a seguir:
Por Guilherme Hannud **
“A eletrificação da frota hoje vai além da viabilidade econômica: ela está muito mais no sentido de promover nas empresas práticas ambientais saudáveis e o cumprimento da agenda ESG. A sociedade entendeu que a iniciativa privada tem mais poder de mudar o mundo que o governo.
Não se trata mais uma opção; é uma obrigação para o cumprimento de uma agenda ambiental e a iniciativa privada precisa tomar a dianteira das grandes mudanças que a sociedade exige, tanto no aspecto ambiental, como no aspecto social. Até porque não podemos isolar a questão ambiental a despeito de outras questões: um dos maiores problemas de todas as nações é a inclusão social. Temos 40 milhões da analfabetos funcionais que não vão conseguir tirar uma carteira de habilitação, por exemplo.
Acredito que é preciso mudar de estratégia para que a eletrificação da frota ajude a resolver estas questões urgentes. A adoção de pequenos veículos elétricos é uma delas. Desta forma, muitas pessoas poderiam ingressar na coluna de crédito econômico e moral da sociedade. O ponto é: as pessoas precisam ter acesso. A adoção de miniveículos elétricos para o transporte de poucas pessoas ou até 500 ou 600 quilos de carga é um movimento importante para a sobrevivência de qualquer comunidade urbana.
Devemos focar na microdistribuição urbana, pois ela é fundamental para a subsistência de qualquer cidade. Caminhões de grande porte já não tem como suprir essa necessidade, são como dinossauros em um salão de festa. Precisamos mudar a maneira como as pessoas se deslocam. Só pensarmos em automóvel elétrico nesse contexto não adianta muito. Só teremos um trânsito mais silencioso e menos poluente. O tempo de vida que as pessoas perdem no trânsito será o mesmo.
Uma ideia é ter uma família de veículos alternativos, como já existe na Ásia. A Amazon, por exemplo, já está apostando no uso de tuque-tuques elétricos: você eletrifica uma frota, mas com veículos que não dependem da infraestrutura de locais específicos para o abastecimento, pois são carregáveis em qualquer tomada normal. Com isso é possível ter um menor custo no quilômetro rodado.
A microdistribuição de gêneros de consumo recorrente, principalmente os alimentícios, é um modelo viável e adequado. É necessário pensar em uma eletromobilidade coerente com as necessidades de um país em desenvolvimento.
Quero dizer, por fim, que a micromobilidade elétrica é a grande resposta para a eletromobilidade, para o mundo eletrificado. É uma opção mais inteligente, racional, segura em relação a outros tipos de veículos tradicionais e leva em conta a sobrevivência das comunidades urbanas “.
**Pioneiro em eletromobilidade no Brasil, consultor de negócios e desenvolvimento da Cicloway.
Por Paulo Cardamone**
“Precisamos pensar em uma mobilidade sustentável no futuro. Mas isso não quer dizer que só o carro elétrico vai resolver esse problema. Sozinho ele não é a solução. Existem várias alternativas.
Como as coisas acontecem no setor automobolistico em termos de evolução tecnológica? Por regulação. A legislação, seja ela por segurança, por emissão de gases tóxicos, eficiência energética que leva a eletrificação, vai evoluindo conforme as demandas mundiais.
O que aconteceu na Europa, principalmente puxado pela Alemanha nos últimos dois anos, foi que os legisladores esqueceram o fato de que precisam ser neutros em tecnologia e fazer uma legislação que busque a melhoria dos veículos para que estes emitam menos gases de efeito estufa e deixem que a indústria escolha sua alternativa tecnológica. Incentivaram e forçaram a legislação por meio de metas até absurdas de redução de emissões de GEE até o ponto de chegar a implementar uma lei que não pode mais vender veículos. Será que existe uma preocupação dos legisladores europeus com o clima? Eu acredito que não.
Não sou contra a eletrificação, muito pelo contrário. Entendo que o futuro é esse, mas existem várias alternativas para fazer antes disso. O ciclo normal seria uma hibridização leve do motor.
Biocombustíveis, como etanol, permitem carros que possam ser abastecidos no posto normal. Essa é a melhor solução para o Brasil e ela já existe. Primeiro vai para o híbrido, depois para elétrico, e célula de combustível. Não causaria tanto dano para a indústria e tornaria possível a evolução de forma razoável para alcançar os objetivos como os do Acordo de Paris, por exemplo.
Seria impossível eletrificar um carro popular hoje. Custaria um absurdo. Um caminhão pesado para ser elétrico teria de consumir praticamente metade da capacidade de carga dele, não é viável. Aqui no Brasil o que precisamos no momento é o desenvolvimento de células de biocombustível, seja ele qual for, para que o carro elétrico tenha um custo mais baixo do que o elétrico puro.
Outro entrave: postos de carga. O mais caro não é o carro elétrico e sim a infraestrutura de abastecimento, sim. Se é assim na Alemanha, imagina por aqui.
Vivemos em país onde temos 50 milhões de pessoas sem nem esgoto e água encanada, quanto mais postos de recarga.
O mundo ainda terá carro a combustão por muito tempo. Hoje temos 1.4 bilhão de veículos ao redor do planeta. Em 2030, a projeção é ter 1.8 bilhão.
Os elétricos não devem chegar a 40% da frota no mundo. O que vamos fazer com os outros que só andam a combustão? Vai demorar muitos anos para que essa eletrificação pura aconteça na frota global e no Brasil não é diferente.
A indústria automobilística do futuro tem que utilizar de várias alternativas tecnológicas. O carro elétrico puro tem um problema seríssimo relacionado à infraestrutura que é absurdamente cara e não cabe em um país como o Brasil.
**CEO da Bright Consulting, há 40 anos atuando no setor automobilístico. Consultor do governo para políticas regulatórias do Inovar Auto e Rota 2030. Membro da SAE e da AMCHAM
***este conteúdo faz parte do Especial “Transição Energética”, promovido durante o mês de outubro de 2022 por NetZero, com o patrocínio da Melhoramentos.
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