Quando, em março de 2020, o Comitê Olímpico Internacional anunciou o adiamento dos Jogos de Tóquio para 2021, Geisa Arcanjo chorou. Aos 29 anos, a atleta de Arremesso de Peso do Esporte Clube Pinheiros e finalista de Londres 2012 e Rio 2016 entendia o que aquilo implicava.
“Eu sabia que era praticamente um ano perdido”, afirma ela. “Para um atleta de alto rendimento, um ano é muito tempo porque interfere no restante de todas as outras preparações. Antes da Olimpíada tem Jogos Pan-Americanos, campeonatos mundiais, Jogos Sul-Americano…”
Em julho último, quando a Confederação Brasileira de Atletismo anunciou que a modalidade terá 52 atletas nos Jogos Olímpicos de Tóquio, que acontecem entre 23 de julho e 8 de agosto, Geisa Arcanjo chorou de novo. Desta vez, foi de alívio: o seu é um dos nomes.
Seu colega de arremesso de peso, de treino e de clube Darlan Romani, 30 anos, também estará ao lado dela em Tóquio – e é uma das maiores esperanças de medalha do atletismo.
O atual recordista sul-americano e pan-americano da prova participa de sua segunda Olimpíada depois de deixar para trás um ano que prefere esquecer. Ele teve hérnia de disco, passou por uma cirurgia, ficou de molho cinco meses e, quando estava se recuperando, teve Covid-19. Mas este ano deu tudo certo, ele obteve a classificação e andou fazendo boas marcas.
Conversamos com os dois sobre os treinamentos na pandemia, a expectativa para os Jogos e o que o esporte trouxe para eles. Leia os depoimentos abaixo.
“EM BUSCA DO MEU MELHOR DESEMPENHO OLÍMPICO”
“Eu diria que foi até um pouco torturante esse período de treinamento na pandemia, porque a gente sabe que fazer isso em casa não é a mesma coisa. Até construí um setor de lançamento [local onde os pesos devem ser arremessados] um pouco adaptado, de madeira, para eu carregar até alguns terrenos em Bragança e conseguir treinar. Tive uma lesão e não consegui competir o Sul-Americano, que costuma render uma boa pontuação, importante para a classificação. Então eu entrei na rabeta, digamos assim, das vagas para Tóquio. Esta é minha terceira Olimpíada e estou indo com a mesma ideia que já fui nas outras: ser mais do que finalista.
Já tenho um 6º lugar [Londres], já tenho um 9º lugar [Rio], e agora busco minha melhor colocação olímpica. Quero mais do que um 6º lugar.
Nasci em São Roque [interior de São Paulo] e comecei a praticar atletismo para poder nadar no clube da cidade. Só assim eu teria direito a ir nas piscinas. Só que, desde o primeiro dia, me apaixonei pelo atletismo – tanto que só nadei uma vez no clube, e entrei obrigada na piscina. Comecei a me destacar e, com sete meses no atletismo, fiz um teste e fui aceita em São Paulo no antigo Projeto Futuro, que depois virou Centro de Excelência do Estado de São Paulo.
Lá, deixei de praticar salto em distância e salto em altura para me dedicar ao Arremesso de Peso e ao lançamento de disco.
Mas, como comecei a me destacar no arremesso a partir de 2008, voltei a carreira para isso. Me apaixonei pela prova devido principalmente à agressividade que ela exige. O lançamento é mais soltura. Peso é mais agressivo, é realmente de gritar muito, e foi isso que me encantou. Para mim o esporte foi muito sobre me autoafirmar.
No começo da minha carreira enfrentei bastante preconceito, porque também sou homossexual.
Já sofri perseguição de coordenadores dos centros de treinamento por causa disso, já vi as pessoas serem proibidas de falarem comigo. De uns tempos para cá isso mudou bastante, mas, antes de 2012, sofri bastante. E o esporte foi um meio de autoafirmação, de dizer: ‘Eu sou a Geisa Arcanjo, e eu sou assim e não o que você está dizendo ou quer que eu seja’. O esporte trouxe isso de eu não me importar com o que as pessoas dizem: ‘Ah, você é forte demais’, ‘Que estranho, você está ficando muito forte’.
A pessoa falava isso para me criticar e eu conseguia entender como um elogio, porque realmente o meu objetivo é ser forte.
O meu objetivo é ser uma grande atleta, é não estar no padrão, para mim isso não faz diferença. Claro que, além de eu poder ajudar a minha família financeiramente – e isso o esporte me trouxe demais – acredito que ele me deu o orgulho de poder refletir as coisas que os meus pais me ensinaram. Meu pai é analfabeto, não sabe ler, mas acredita em tudo o que ele vai realizar. Se ele decidir hoje que vai abrir uma pizzaria, ele vai abrir uma pizzaria. Ele vai aprender como se faz uma pizza e vai fazer a coisa funcionar.
E minha mãe foi meu apoio nesse sentido de que não importa o que os outros pensam de mim, o que dizem de mim – o que importa é eu estar feliz.
Ela sempre disse: ‘Quer sair inteira pintada de verde? Mas você está se sentindo confortável, está se sentindo bem? Então vai, não importa mais nada’. Isso é um privilégio. Sou uma pessoa muito positiva, muito de bem com a vida e acredito que minha mãe se orgulha de ver todos esses valores refletidos em mim. Nunca tivemos grandes luxos em casa, mas meus pais sempre me deram muita responsabilidade, o que me ensinou a ser muito independente.
E no esporte, eu me aceitei. Tanto que cortei o meu cabelo depois do meu campeonato mundial de 2010.
Eu tinha o cabelo compridíssimo e criei coragem e cortei bem curto de uma vez. Pude tirar um peso de mim com isso. Agora, para Tóquio, estou bem segura. Com as metas batidas em treino, a gente sabe do que é capaz. São 32 mulheres e só temos 12 vagas para a final. Então vai ser eu contra mim mesma, porque a gente sabe mais ou menos qual a marca que tem que fazer para ser finalista. Pela minha história dá para ver que eu cresço em grandes competições. Estar nesta Olimpíada é a mesma sensação de estar nas outras duas. Lá, o que bate forte é o patriotismo, ter minha bandeira no peito. É isso que me faz crescer.”
Geisa Arcanjo, 29 anos, atleta de Arremesso de Peso
“TUDO O QUE CONQUISTEI FOI PELO ESPORTE”
“Na pandemia, o centro [de treinamento] fechou e eu tinha que treinar. Perto de casa tinha uns terrenos vazios. Conversei com os vizinhos, que não viram problema, e então comecei a treinar arremesso nesses terrenos. Para a parte de musculação, peguei os materiais da Confederação [Brasileira de Atletismo] emprestados e fiz em casa a preparação.
No começo deste ano, acabamos ficando sem poder contar com nosso treinador [o cubano Justo Navarro].
Ele foi para Cuba, o país fechou de novo por causa da pandemia e agora não conseguimos mais trazer ele de volta. Passamos esta temporada toda sozinhos. Isso afeta completamente meu treinamento, porque tivemos que fazer tudo sem ele. E o olho do treinador faz toda a diferença. Tive uma hérnia, fiz cirurgia, e depois tive Covid. Mas voltei arremessando bem mesmo assim. Vamos agora ver o que acontece.
Não falo em quanto vou arremessar. Quero continuar melhorando, chegar em Tóquio na melhor forma possível.
Mas não vou falar quero fazer 22, 23 ou 24 [metros]. Não falo isso porque já tive um problema uma vez: falei que queria fazer 20 e fiz 19,99 [metros] – e fui cobrado. Então aprendi. Eu entro para competir comigo, não com ninguém. É comigo mesmo. Tenho visto que os meninos tem arremessado bem, o [americano Ryan] Crouser bateu recorde mundial [com 23,37 metros]. Ele é um superatleta, mas cada dia é um novo dia.
Lá, no momento, às vezes dá tudo certo e a gente encaixa um belo arremesso e ganha a prova – como pode acontecer o contrário.
Penso, claro, em voltar com medalha. É um sonho ser medalhista olímpico, mas tenho bastante treino para queimar ainda até chegar lá. Também sinto uma pressão em cima de mim e tento não pensar muito nisso. Não estou nem dando entrevista para ninguém porque a primeira pergunta que todo mundo faz é: ‘E aí, vai ter medalha?’ A cobrança é muita e isso é complicado.
Comecei no arremesso de peso por incentivo do meu irmão, que também fazia arremesso.
Achei interessante quando ele começou a viajar, participar de competições. A gente morava lá no oeste de Santa Catarina, no interior [em Concórdia] e, quando tive oportunidade, achei muito bacana. Quando fui finalista em 2010 no Mundial no Canadá [ele ficou em sétimo lugar no Mundial juvenil], eu peguei gosto. Foi um jeito de expandir meus horizontes. Acho que Deus trilha um caminho para a gente e vamos seguindo.
Meu sonho de criança era ser motorista de ônibus. Meu pai tinha empresas de ônibus e eu queria trabalhar lá.
Depois, quando virei atleta, abracei a causa – e isso virou meu sonho. E hoje estou aqui. Consegui também montar minha empresa de transporte, tenho dois caminhões. É uma coisa que eu gosto. O esporte me deu minha família, tenho minha esposa [a ex-saltadora com vara Sara Romani] e minha filha, minha pururuquinha [Alice, que tem 6 anos].
Tudo o que conquistei foi pelo esporte.
Se eu estivesse no Sul, eu estaria bem. Meu irmão toca a empresa depois que nosso pai morreu, e ela está indo bem. Mas eu tive a oportunidade de conhecer o mundo dessa forma. Hoje levo a vida esportiva como um compromisso, uma responsabilidade. E penso que estou inspirando muita gente. Vejo isso no olho das crianças, das pessoas mais novas. E fico muito realizado, porque o esporte transforma vidas.”
Darlan Romani, 30 anos, atleta de Arremesso de Peso
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Geisa Arcanjo e Darlan Romani fazem parte da equipe de Atletismo do Esporte Clube Pinheiros, que desde 2012 a 3M patrocina por meio da lei de incentivo ao esporte.
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