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“Esse é o desafio: o mercado tentando concentrar mais riqueza e você puxando para uma lógica justa”

Leonardo Neiva - 23 jan 2025
Duda Scartezini, cofundador do Impact Hub Brasília.
Leonardo Neiva - 23 jan 2025
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O brasiliense Duda Scartezini, 50, sempre teve um olhar voltado para o impacto que gerava na sociedade. Porém, frustrado com o modelo tradicional de filantropia, ele conta que demorou a descobrir a possibilidade de unir esses dois mundos — o empreendedorismo e o social. 

Empreendedor com bagagem em alimentação e entretenimento, Duda foi diretor de varejo (entre 2001 e 2005) da CTIS Tecnologia. A guinada em sua trajetória se deu a partir de 2005, quando começou a estudar o conceito de microcrédito — empréstimos de baixo valor a pequenos empreendedores —, lapidado pelo economista e Nobel da Paz Muhammad Yunus.

Mais tarde, Duda se tornou presidente da Caixa Crescer, projeto de microcrédito e microfinanciamento do banco — e, a partir daí, mergulhou de vez nesse universo.

“Achei que poderia ser uma transição interessante usar o que eu sei fazer no desenvolvimento de negócios por essa perspectiva de resolver problemas sociais”

Após viver alguns anos em Toronto, no Canadá, Duda Scartezini hoje está de volta ao Brasil e à frente do Impact Hub Brasília, que faz parte da rede global de espaços colaborativos, comunidades empreendedoras e programas de capacitação voltados ao impacto social. Ele liderou a expansão do projeto que criou unidades em diversos estados do Nordeste, colocando o país no topo do ranking mundial da organização em número de hubs.

Defensor de um conceito de empreendedorismo social que “pague bem para fazer o bem”, Duda vem promovendo um processo para intensificar o trabalho do Impact Hub brasileiro no fomento de ecossistemas de impacto e desenvolvimento de negócios. 

“Nossa visão é o impacto como uma nova medida de sucesso nos negócios, sem abrir mão da sustentabilidade e da habilidade financeira”

Em entrevista ao Draft, o cofundador do Impact Hub Brasília fala sobre sua trajetória, a importância da inovação, os avanços da legislação de sustentabilidade – e como não se deixar paralisar pela desigualdade abissal que ainda aflige o Brasil:

 

Você vem de um background empreendedor em diversas áreas. O que acabou te levando para o setor de negócios sociais e de impacto?
Se eu fosse escolher uma única palavra que descreve o meu histórico profissional, seria empreendedorismo. Mesmo quando estava dentro de estruturas mais tradicionais, sempre tive essa perspectiva de empreender. 

Nunca fui um especialista em nada, mas tenho a capacidade de juntar meu conhecimento de indústrias diferentes para criar coisas novas. 

Sempre tive algum compromisso com a questão social, mas com muitas frustrações com a lógica de filantropia, a sensação de que era uma coisa às vezes disfuncional 

Quando encontrei a tese do professor Muhammad Yunus sobre o banco dos pobres [o Grameen Bank, especializado em microcrédito], que deu a ele o Prêmio Nobel da Paz, falei: está aí algo muito legal, desenvolver negócios com os incentivos e penalidades de um business, mas comprometido com a solução de um problema social. Isso me encantou 

Depois fui presidente do conselho da Caixa Crescer, e me envolvi com a lógica do microcrédito e todas as teorias do negócio social. Aquilo me fazia brilhar os olhos 

Então achei que poderia ser uma transição interessante usar o que eu sei fazer no desenvolvimento de negócios por essa perspectiva de resolver problemas sociais. Não foi um momento de iluminação, mas uma virada para redirecionar minha energia.

E como foi que chegou especificamente ao Impact Hub?
Tive uma movimentação em 2018 de morar fora do Brasil, em Toronto. Minha esposa trabalha no Itamaraty, e fazia parte da carreira dela naquele momento. Eu decidi que faria um novo ciclo a partir dali. 

Queria me conectar com o ecossistema de lá, e descobri uma entidade chamada CSI, Centre for Social Innovation. A partir de um processo de incentivo de negócios de impacto, os caras tinham financiado a compra de espaços para centros de inovação social. Fiquei fascinado e me conectei com a fundadora, Tonya Surman

Ela anunciou uma vinda ao Brasil para palestrar sobre negócios sociais, coincidentemente num evento do Impact Hub, que eu não conhecia. Fiquei super entusiasmado. Pensei: vamos abrir um [Impact Hub] em Brasília 

Aí, descobri que tinha uma pessoa já com a licença em pré-operação… Era um momento meio esquizofrênico. Eu estava com uma transição de carreira que não tinha se concluído, rodando esses pratinhos todos na véspera de me mudar para o Canadá. 

A Deise [Nicoletto], fundadora do Impact Hub em Brasília, sofreu para colocar em pé o negócio. Não se falava de negócios sociais como hoje. Eu queria me aproximar, e ela foi super receptiva. A gente fez o primeiro evento em Brasília e foi um sucesso, fiquei muito impressionado com a repercussão positiva. 

O Impact Hub começou a virar um pro bono. Me senti mais à vontade para me associar, mas não era viável na época, existiam outros sócios investidores. Com o tempo, foi desanuviando. Ajudei a viabilizar a estrutura financeira para o espaço físico e criar uma modelagem de mecanismos de financiamento. 

Abrimos no meio da pandemia, com frio na barriga. Nesse momento nos tornamos sócios, e eu entrei formalmente no Impact Hub Brasília em 2020 

No meu primeiro Global Gathering, na Suíça, percebi que é um ecossistema gigantesco de oportunidades, e o ecossistema do Brasil era pequeno e difuso. Tinha que trazer gente, criar um modelo de negócio. Aí entrou a energia empreendedora, de olhar isso como uma base para vários negócios.

Quais os principais desafios hoje no Brasil para aliar empreendedorismo e impacto social sem deixar de lado o lucro e uma estratégia de negócio?
Eu fiquei muito impressionado quando fui para esse fórum em São Paulo e depois em Brasília. Todo mundo com quem eu conversava trabalhava num mundo tradicional de negócios e queria pivotar. 

Falei: isso é uma oportunidade. As pessoas já estão sacando que alguma coisa precisa ser feita, que o caminho não está legal. A lógica da filantropia, do modelo americano, é ser forte, rico, grande, para poder ajudar os outros – mas a gente deveria ficar forte junto. 

As pessoas não enxergavam o ecossistema de impacto como uma oportunidade de negócio. Existem mecanismos para ganhar como na economia tradicional, com os mesmos incentivos e o salário de uma empresa tradicional

Temos que criar negócios que paguem para as pessoas viverem bem fazendo o bem. E, dessa percepção, comecei a enxergar o impacto com essa centralidade, sempre com uma percepção de fora de São Paulo. Aí comecei a organizar o Impact Hub para dar vazão a tudo isso.

O Impact Hub é uma rede que ajuda a traçar essas pontes entre o mundo corporativo e o impacto social. Como é que você ajudou e vem ajudando a contar essa história?
A primeira frente era difundir os conceitos, convencer as pessoas de que são oportunidades tanto para investir quanto para trabalhar. O segundo pilar veio na perspectiva de comunidade, criar pontos de encontro, eventos e trazer as pessoas para dinamizar o ecossistema. 

Um terceiro pilar são os programas, projetos para empresas públicas e privadas, essa lógica de uma entidade intermediária que ajuda o terceiro setor a atrair recursos. O quarto pilar era trazer os cases internacionais. 

Abrimos ali uma perspectiva de educação. Tem muita gente querendo atuar nesse ecossistema que não conhece bem. Vinha na minha cabeça uma ‘financialização’: usar mecanismos do mercado de capitais a serviço de viabilizar negócios sociais e de impacto. O Impact Hub abriu esse grande leque

Tem um marco importante de consolidação dessa tese quando a gente abre o espaço físico. Quando abrimos, a área de programas duplicou no ano seguinte, e depois triplicou. 

O espaço é um ambiente que gera conexões. O cara que ganha um edital se aloca aqui dentro, se conecta com uma outra startup, e as coisas começam a girar. Os espaços físicos multiplicaram o faturamento para a área fim, que é a gestão de projetos, programas e consultorias. 

E você esteve à frente da expansão dos hubs no Brasil. Como foi esse processo?
Temos 59 milhões de brasileiros vivendo no Nordeste, e não tínhamos um único Impact Hub lá. A gente é um continente, mas só existia Impact Hub no Sul, Sudeste e um único no Norte, em Manaus.

Seria colonialismo achar que você pode ganhar dinheiro executando projetos lá sem criar uma estrutura que se autossustente… Eu decidi, junto com meus sócios, fomentar o Nordeste. Foi quando a gente estruturou uma holding para financiar a expansão de Impact Hubs para o Brasil 

Com o carro em movimento, fomos refinando até chegar num modelo muito bem estruturado para identificar bons empreendedores e iniciar novas operações. E isso nos trouxe até hoje, quando temos sete licenças, em Goiânia, João Pessoa, Fortaleza, Recife, São Luiz, Brasília e Belém. 

Fomos vistos com muita desconfiança pelos nossos pares no Brasil e no mundo. Eles sabem do quão desafiador é viabilizar Impact Hubs em cidades menos centrais. Foi o primeiro incômodo de estar na rede, mas foram muito interessantes as provocações e os desafios. 

A nossa modelagem tem a perspectiva de financiar. Ou seja, a gente está assumindo todo o risco e aportando nossa metodologia de governança, modelagem financeira, experiência e originação de projetos. 

A nossa presença em mais lugares, com gente capacitada local, nos habilita a criar projetos maiores. E a gente vem atraindo sócios comprometidos com esse desafio, empreendedores fabulosos que antes achavam o processo muito burocrático 

Hoje o Brasil é o país com o maior número de hubs. Estamos com um problema interessante: não podemos crescer porque atingimos o limite de 7% do total de Impact Hubs no mundo. Hoje, ou eu cedo o controle de alguns ou os Impact Hubs do mundo têm que crescer para eu poder abrir novos hubs.

Você publicou um artigo no Draft contando sua experiência em Gana e como a desigualdade do país te deixou paralisado. O Brasil é também muito desigual, como fazer para que isso não nos paralise?
Quando você olha o problema social como insumo para o seu trabalho, o Brasil é ‘a Disney’, porque tem muita desigualdade e ao mesmo tempo é um país muito rico. Foi uma análise que eu fiz quando me entusiasmei com a indústria [de negócios de impacto]. 

Nenhum outro lugar no mundo junta todos os atributos: somos um país homogêneo, com uma língua única, uma estabilidade religiosa; e somos um país continental, rico, com um mercado eficiente 

Imagine a complexidade para fazer isso na Rússia ou na China, com todas as questões políticas, as barreiras culturais, linguísticas e físicas…? São países maravilhosos, mas no Brasil eu tenho escala, estabilidade, um governo que gasta com o social e concentração de riqueza. O Brasil tem muita gente com grana que quer fazer alguma coisa. 

Por outro lado, quando você é muito pragmático ou pessimista e entende as complexidades sociais e culturais que o Brasil tem, pode ter momentos de paralisia. O meu grande desafio nessas horas é pensar no próximo passo. Não consigo simplesmente aceitar que a gente não pode fazer nada. 

Hoje são poucas as empresas no Brasil alinhadas ao Pacto Global da ONU. Por que ainda há essa resistência em relação à adoção de práticas sustentáveis e ESG?
O Brasil tem leis que pegam e leis que não pegam, algo que também acontece em outros lugares. Mas existem leis extremamente necessárias às quais muita gente tem aderido por conta de uma pressão global. 

Um exemplo é a reciclagem, que impinge um custo adicional sobre a indústria, em que ela tem que se responsabilizar pelo resíduo. As grandes empresas internacionais estão aderindo porque não podem correr um risco de imagem, o escândalo de não estar em compliance com uma lei de sustentabilidade. 

Essa lei está pegando porque as grandes estão indo. É um movimento difuso, mas está acontecendo de forma incrível. A compostagem foi regulamentada, o processo de reciclagem, o lixo eletrônico… 

O desafio é o cinismo. O crédito de reciclagem vem sendo apropriado por grandes grupos, que dizem estar investindo no social mas tiram dinheiro do catador. Falaram que, com o crédito de reciclagem, o dinheiro ia chegar na ponta, só esqueceram de dizer qual 

A gente tem um projeto para garantir que o crédito de reciclagem chegue no catador. É esse o desafio: o mercado tentando concentrar mais riqueza, e você puxando para uma lógica justa. 

Para quem lida diariamente com esses temas, é difícil encontrar tempo para pensar em inovação, em novas infraestruturas? Hoje o ecossistema no Brasil incentiva a inovação?
A inovação é um elemento central, você não consegue dar escala sem ela. E não necessariamente no sentido digital, mas de tecnologias financeiras e modelos de negócio. 

Recentemente, participei de um processo de aceleração e achei uma menina muito boa, mas era o nono processo de aceleração dela. Ou seja, ficou boa em ganhar prêmio… Não estou culpando ela, mas isso não é sustentável 

Vários programas de aceleração têm como perspectiva contratar uma solução social inovadora pelo governo. Mas, quando chega a hora, o governo não consegue contratar. Existe esse desafio da escala e iniciativas bem intencionadas, mas que acabam prendendo os empreendedores em ciclos de aceleração e dinheiro de fomento. 

Aí vem uma lei nova como o Programa Nacional de Resíduos Sólidos, com gente criando projetos gigantes com dinheiro de investidor mas deturpando o mercado. Na minha opinião, é um greenwashing na veia… O que estão fazendo com o mercado de crédito de reciclagem é uma indecência. 

Você pode criar mecanismos para esse dinheiro chegar na ponta. A gente trabalha nessa dualidade, filtrando iniciativas ESG, usando a nossa capacidade empreendedora de atrair gente inteligente, comprometida e sensibilizando a indústria. 

Às vezes é frustrante. A indústria acha maravilhoso o seu projeto, mas aí optam por uma solução mais barata. Mas é um processo de construção.

Qual é o seu maior desafio hoje? E quais os próximos passos e principais objetivos do Impact Hub?
O meu grande desafio é ser um encantador de pessoas. Estou atraindo pessoas maravilhosas, gente botando dinheiro, tempo e talento. E esse esforço de criar uma lógica de articulação de ecossistemas a partir do Impact Hub gera uma série de oportunidades laterais de negócios para serem investidos, acelerados e potencializados. 

Mas nós não queremos simplesmente acelerar, que é uma coisa passiva… 

Nossa natureza é o desenvolvimento de negócios, modelagens e governança consistente, numa lógica de cocriação. Pegamos negócios incipientes e trazemos nossa capacidade de empreendedores para fazer com que eles cresçam e se apropriem de oportunidades 

Hoje estamos criando uma empresa extremamente dinâmica, com três grandes pilares de atuação. O primeiro é o fortalecimento do ecossistema e da criação de comunidades de impacto, que a gente executa através do Impact Hub. Está muito baseado na estruturação de uma comunidade e, ao mesmo tempo, geração de receitas operacionais a partir dos programas e projetos. 

O segundo pilar são negócios de impacto, de investimentos e capacidades, com uma carteira de novas oportunidades. E criamos um terceiro pilar: o compromisso com o impacto social. Teremos uma entidade sem fins lucrativos que vai ser guardiã do processo de governança e de garantia de impacto, só permitindo a distribuição de resultado se a mensuração do impacto vier junto. 

A ideia é começar 2025 com essa holding sendo uma grande estrutura para atrair recursos, financiando e desenvolvendo novos negócios a serviço do bem

A nossa visão é ter o impacto como uma nova medida de sucesso nos negócios, sem abrir mão da sustentabilidade e da habilidade financeira. Bons negócios do bem, essa é a nossa tagline. 

E a gente quer criar um ecossistema que seja capaz de pagar bem as pessoas, sem depender de filantropia, dinheiro de fomento e isenção fiscal. São negócios realizados de forma profissional e consistente a serviço da resolução de problemas sociais. Convido as pessoas a olharem essa indústria com mais atenção.

 

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