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“Estamos fabricando cidades inviáveis”

Ricardo Alexandre - 24 out 2016 Ricardo Alexandre - 24 out 2016
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Aos 25 anos, ele já era formado em Engenharia com especialização em Planejamento Urbano pela Universidade Federal de Pernambuco. Depois, concluiu mestrado em Desenvolvimento Urbano. Ao longo da carreira, acumulou alguns cargos públicos, como o de secretário de Planejamento e também de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente – ambos pelo governo de Pernambuco, seu estado natal. Com 64 anos, Claudio Marinho é uma referência em assuntos que envolvem a busca de soluções para revitalizar centros urbanos, diminuindo, por exemplo, a distância entre casa e trabalho. Veja o que diz o especialista, que também contribuiu com o projeto “Futuro das Cidades”, uma iniciativa da FCA para discutir a mobilidade nas cidades brasileiras.

O senhor se formou em Engenharia e, ainda muito jovem, se especializou em Planejamento Urbano. De onde surgiu o interesse pelo assunto?

Eu queria mudar o mundo. Eram os anos 1970 e estávamos em plena ditadura militar. Descobri que a Engenharia Civil que “construía” cidades no “milagre brasileiro” não era o meu jeito de fazer cidade. Acreditava na participação social e só via um jeito de trabalhar com isso: entrando na gestão da política pública. O panfleto do mestrado em Desenvolvimento Urbano, recém-criado, era muito sugestivo: os professores fundadores entendiam a cidade como um organismo vivo.

Como foi atuar na gestão pública e de que forma essas experiências contribuíram para o seu trabalho?

Fui gestor público por 26 anos. O que aprendi pode ser resumido pela experiência mais relevante, na qual participei como secretário estadual de Ciência e Tecnologia. Trata-se do Porto Digital, escolhido por três vezes o maior e melhor parque tecnológico urbano do Brasil pela Anprotec, associação ligada ao setor. Em 2000, havia duas empresas de TI no velho centro histórico revitalizado do Recife. Hoje, são mais de 250 empresas de TI e da economia criativa, empregando 8.500 pessoas, 60% das quais são millennials. Tento replicar esse jeito de fazer cidade, que gosto de dizer baseado em paisagem (a história urbana se expressa em registros iconográficos ao longo dos séculos), textura (a cidade na escala humana, do olhar, da conversa) e afeto (a apropriação e reapropriação afetivas do lugar, que é o espaço com narrativas, histórias). As pessoas querem viver na cidade, não só passar por elas.

“Futuro das Cidades” é uma iniciativa da FCA para estudar a mobilidade urbana e compreender como se vive nas grandes cidades. O que o senhor destacaria do projeto?

O meu jeito de fazer cidade tem tudo a ver com as preocupações do projeto. Ele trata da mobilidade urbana não só como um “problema de Engenharia”, que consiste em deslocar eficientemente gente e coisas de um ponto A para um ponto B, mas sim como a realização do desejo de usufruto da cidade. Foi ali que vi que tínhamos algo em comum e decidi participar.

O que o senhor espera do projeto?

Se isso tudo vai dar em carro? Vindo de uma empresa automobilística, nada mais legítimo de se esperar. Mas não é isso que percebo. E é por isso que acompanho a iniciativa com interesse e curiosidade. Vejo uma preocupação de entender quais são os grandes trends urbanos e que cidade é esta que queremos. Vejo um impacto sobre os modelos de negócio das montadoras, sem dúvida. E a FCA sai na frente ao propor uma discussão mais ampla sobre os cenários possíveis.

Qual é, na sua opinião, o papel cidadão das empresas na mobilidade urbana? Poderia citar alguns exemplos de modelos que vêm funcionando ou que poderiam ser implementados pelas companhias?

Prefiro olhar essa questão do “papel cidadão” mais pelo lado do negócio. Embora possa parecer uma contradição, não é. A melhor contribuição da empresa para a vida cidadã é fazer bem negócios relevantes para a cidadania plena de direitos a uma cidade melhor. Gosto de dizer que, se ainda não somos capazes de fazer a nossa cidade mais habitável – livable, para fazer um contraponto mais sonoro –, que pelo menos a façamos mais amável – lovable. Foi isso o que fizeram as empresas que decidiram participar da restauração de mais de 80 mil metros quadrados de prédios históricos no bairro do Recife. Inclusive a FCA, que escolheu instalar ali o seu Centro de Pesquisa e Desenvolvimento para o Brasil. A EasyTaxi (ou 99, ou Uber, ou Waze) fazem mais pela qualidade de vida nas nossas cidades do que muita política “troncha” de mobilidade urbana, como o desastre dos BRTs mal implantados no Recife e em outras cidades.

Quais modelos bem implementados lá fora podemos citar e quais deles poderiam ser replicados no Brasil?

Insisto em que o problema da mobilidade não é um problema de “engenharia urbana”. É de planejamento urbano. É o desenho da cidade, no sentido mais amplo do urban design, que precisa ser retomado com seriedade. Já fomos bons nisso, em muitas das nossas cidades. Os exemplos do Recife (Porto Digital) e do Rio de Janeiro (Porto Maravilha), de retomada da centralidade urbana, não devem nada a nenhum outro modelo no mundo. O que a prefeitura de São Paulo vem fazendo com a nova política de uso do solo, também. Mas defendo, claro, um conexão global e permanente de troca de experiências. Não devemos ter vergonha de copiar o que dá certo. Vejam o caso da Colômbia em mobilidade e tratamento digno das periferias urbanas.

Na opinião do senhor, quais são os principais problemas que enfrentamos hoje relacionados à mobilidade urbana?

Falta de planejamento urbano decente. Estamos “fabricando” cidades inviáveis, tanto para carro, ônibus e bicicletas como, e principalmente, para as pessoas. Não há como consertar o caos urbano com mais avenidas e viadutos. Já chegamos ao ponto em que os benefícios marginais das obras viárias são muito pequenos em relação aos investimentos.

Como podemos melhorar o acesso amplo, sustentável e democrático aos meios de transporte?

Redesenhando os modelos de governança público-privados do transporte público nas metrópoles, ao mesmo tempo em que fazemos um esforço teórico-prático vigoroso para reagendar a discussão de boas práticas do planejamento urbano. A iniciativa da FCA com esse projeto do “Futuro das Cidades” vai nessa direção. Vida longa para ele. E mais participação de outros atores relevantes, públicos e privados, na discussão.

Esta matéria pode ser encontrada no Mundo FCA, um portal para quem se interessa por tecnologia, mobilidade, sustentabilidade e o universo da indústria automotiva.

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