“Eu era otimista por natureza. Com o câncer, levei uma rasteira. A vida não é perfeita! E isso é parte da graça”

Patricia Serra - 21 set 2018
Patricia Serra conta como decidiu abraçar uma mudança de carreira, após ser diagnosticada com câncer. Ela já queria abandonar o marketing e a doença foi o empurrão para se dedicar ao que ama: o coach executivo.
Patricia Serra - 21 set 2018
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por Patricia Serra

Quando temos 20 e poucos anos, a busca por nossos objetivos, principalmente profissionais, parece confusa e simples ao mesmo tempo. No entanto, são as escolhas que fazemos ao longo desse caminho que nos dão energia e o tão falado empoderamento. Foi assim comigo: aos 46, com uma sólida carreira de executiva de marketing, mudei minha trajetória e me tornei coach executiva.

Com apenas 21 anos, eu já estava formada em Economia, fui estagiar na Sadia e, dois anos mais tarde, mudei sozinha para Buenos Aires para trabalhar na mesma empresa. Adorava meu trabalho, a motivação era altíssima e rapidamente comecei a planejar o meu sonhado MBA. Queria estudar e trabalhar na Holanda, onde nasci, quando meu pai fazia sua graduação no país. Aliás, foi meu pai quem sempre me mostrou como as oportunidades podem ser criadas se você se prepara para elas.

Então, me candidatei para algumas universidades que tinham MBAs internacionais e entrei na Nyenrode University, uma universidade tradicional de lá. Em 1996, me mudei para Breukelen, a 30 minutos de Amsterdam. Logo que me formei, no ano seguinte, fui convidada a trabalhar na empresa Sara Lee, na divisão de cafés & chás, na cidade de Utrecht. Claro que aceitei e fui aprendendo muito, até perceber que nem sempre as coisas são tão perfeitas.

Com o tempo, comecei a sentir uma insatisfação que passou a ser constante. Não tinha um motivo aparente e não conseguia entender o que acontecia. Decidi, então, iniciar um processo de coaching e, aos poucos, fui definindo quais seriam os próximos passos a dar. E, bingo: descobri que queria voltar ao Brasil e estar próxima de minha família, de minha cultura, do local onde havia crescido.

Nem sempre viver em um país estrangeiro são rosas. Ao mesmo tempo, meu pai adoeceu, com câncer, e foi a gota d’água para eu decidir voltar

Por sorte, a empresa Sara Lee tinha adquirido uma nova marca no Brasil, candidatei-me a um posto de gerente de marketing e fui aceita. Voltei em 2000, depois de seis anos fora (dois vivendo na Argentina e quatro na Holanda). Ao todo, trabalhei nove anos na Sara Lee, onde fui muito feliz, tendo a oportunidade de ser promovida, me sentir útil e realizada.

Nesse período, casei e tive uma filha, em 2005. Quando voltei da licença maternidade, decidi que era hora de mudar. Buscar algum trabalho no qual pudesse estar mais perto de casa, já que a empresa ficava em Cotia, na Grande São Paulo. Encontrei um novo trabalho, ainda em marketing e foram mais oito anos de atuação na área e gerindo pessoas. Essa era a parte que eu mais gostava: orientar, ouvir, comunicar, traçar objetivos e ver resultados. Eu ainda não conseguia visualizar uma mudança de carreira. Apesar de sentir que as minhas dúvidas com relação ao dia a dia aumentavam, não sabia que tipo de mudança poderia fazer.

Eu estava formatada para ser executiva de grandes empresas. Nem me passava pela cabeça abandonar isso por medo de arriscar em algo que não me desse segurança.

Eu havia me separado do pai da minha filha em 2010, então, precisava pagar as contas sozinha e tenho certeza que isso contribuía para o meu receio de arriscar. Até que em 2014, sem muita explicação, decidi fazer uma certificação em coaching executivo em um instituto que um ex-colega, VP de RH, me recomendou. Gostei do que aprendi e comecei a atender alguns clientes à noite, depois do meu horário de trabalho. Essa prática durou quase dois anos.

Comecei a perceber que estar conectada a pessoas que precisavam de ajuda me fazia bem. Uau! Era isso que sempre quis: poder ajudar outras pessoas através da minha experiência, mais algumas técnicas e metodologia. Mesmo com as coisas começando a fazer sentido, eu continuava amarrada ao conceito da segurança, de precisar ter um trabalho remunerado por um terceiro, que servia para sustentar a segurança que sempre valorizei. Era como um ciclo vicioso.

Mas, eis que no início de 2016, dois acontecimentos me chacoalharam. Um mais simples, a empresa na qual eu trabalhava decidiu sair do Brasil. E outro realmente devastador:

Fui diagnosticada com um melanoma (câncer de pele metastático) e, logo em seguida, soube que tinha uma metástase nos gânglios axilares. Tudo ao mesmo tempo

O que fazer? Aproveitei os acontecimentos e decidi realizar a minha mudança de carreira e tomei coragem para abrir a TheWill2Grow (empresa de coaching executivo). Simultaneamente, tive que tomar várias decisões em relação a meu tratamento médico, cirurgias e imunoterapia. Foi uma avalanche mental.

O que tenho a dizer sobre minha doença e tratamento? O medo me pegou e dessa vez, bem forte! Até então, eu era otimista por natureza e pelas evidências na minha vida, por mais difíceis que as coisas fossem, tudo sempre se ajeitava com o tempo, com a perseverança ou resiliência desenvolvida. Mas dessa vez, levei uma rasteira daquelas que você cai e se estatela com tudo. Depois de duas cirurgias, precisei fazer imunoterapia por um ano. Esse tratamento me tirava todas as energias. Eu vivia vulnerável e no hospital.

O que tenho a dizer sobre a transição de carreira? Percebi, depois de ter evoluído no meu próprio autoconhecimento, que precisava tentar fazer dar certo essa nova iniciativa. Eu queria ser coach para ajudar as pessoas a se desenvolverem, a encontrarem novos rumos na vida e na carreira. Desde então, tenho conhecido muitas pessoas, clientes e colegas da nova área.

Não tem sido fácil, não é tão simples voltar a ter a mesma independência financeira que eu tinha quando era empregada. Mas os ganhos são incomparáveis quando me vejo livre e fazendo algo que me realiza. Estou estudando continuamente, afinal, comecei do zero. Já me certifiquei como team coach, ou coach de equipes e, em outubro deste ano, vou começar uma certificação internacional em uma escola referência nos Estados Unidos.

A beleza da carreira de coach executiva é poder aprender com os coachees ou clientes. Entender e apoiá-los nas vulnerabilidades. A grande maioria dos clientes enfrentam medos das mais várias formas. Medo de arriscar, medo de descobrir coisas que não querem descobrir, medo de enfrentar o julgamento de outros, medo de não ser considerado capaz, medo de viver uma vida que pode não ser melhor do que visualizaram e cair na mesma insatisfação que vivem hoje e por aí vai. Com os anos e com as minhas próprias experiências, sinto que consigo mostrar que existem opções que os façam ver a vida com menos medo.

Hoje, vejo a vida sob outros ângulos. Eu já vinha numa onda de me conhecer melhor, tomar decisões na direção onde pudesse ser mais feliz e, hoje, faço isso com mais certeza ainda. A vida está aqui, à nossa disposição. Nós podemos escolher como viver apesar de não termos o controle sobre nada. Essa experiência contribui hoje, também, para eu poder ser mais autêntica no que faço. Tenho mais convicção ainda que precisamos nos esforçar para trabalhar nosso próprio autoconhecimento. Entender o que nos faz bem, quais interesses e habilidades temos, quais pessoas queremos ter próximas a nós, quais são os nossos valores e buscar seguir todas essas descobertas sempre que possível.

Sim, a vida não é perfeita mesmo! Nem sempre tudo sai redondo e alinhado ao que pensamos. E isso faz parte da graça. São as nossas escolhas nos dão energia e o tão falado “empoderamento”

Ser capaz de conduzir a vida, ser dono dela tem todo um “tchan”. E isso requer um planejamento, arregaçar as mangas e trabalhar. Como falo para os meus coachees: boa parte da mudança vem da decisão de entrar no “modo ação”. Decidir fazer, sair do pensamento. Temos o poder da escolha, sempre ponderando as consequências possíveis para cada opção.

 

 

Patricia Serra, 48, é coach executiva e de equipes, fundadora da empresa TheWill2Grow e membro do International Coach Federation (ICF). Também é coautora do livro Felicidade Sustentável e do estudo que deu origem a ele.

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