Astronauta? Jogador de futebol? Nada disso. Quando era criança e morava em Ponta Grossa (PR), Marcel Martins Malczewski tinha uma grande ambição: ser um industrial. Para realizar esse sonho, seguiu uma tradição e tornou-se a terceira geração de engenheiros de uma família de origem polonesa.
Aos 55 anos, Marcel é hoje sócio e CEO da Trivèlla M3 Investimentos. Joint venture da M3 Investimentos LTDA e da Trivèlla Investimentos, a gestora focada em empresas de tecnologia (autorizada a operar pela Comissão de Valores Mobiliários em 2015) tem no seu portfólio AMcom, Codenation, Hariken, InfoPrice, Mercafácil, Ubook e Velsis, entre outras. Antes de se tornar investidor, porém, Marcel cumpriu aquele compromisso firmado consigo na infância: aos 25 anos, recém-saído do mestrado, ele fundou a Bematech.
A gênese da empresa se deu em 1990, com apoio da então recém-criada Incubadora Tecnológica de Curitiba. Em parceria com Wolney Betiol, colega de curso, Marcel desenvolveu um sistema de impressão por impacto para Telex, dispositivo usado nos anos 1980 e 90 por correios e bancos para aplicações financeiras (“o Telex é o precursor do fax, que foi o precursor do e-mail, que agora é o WhatsApp”, diz). A Bematech é um case ainda hoje admirado no mercado — fez a abertura de capital em 2009 e foi vendida para a TOTVS em 2015, numa operação de R$ 550 milhões.
Marcel conviveu com sua antiga companhia dos 25 aos 50 anos, os últimos cinco como presidente do Conselho. Em 2010, tornou-se investidor e fez um caminho singular até se aproximar de startups. Hoje, a Trivèlla M3 Investimentos tem dois fundos abertos para captação: VC4, para investimentos em growth, no valor de R$ 150 milhões; e VC5, de R$ 15 milhões, para investimentos em startups.
Leia, a seguir, os principais trechos da conversa de Marcel com o Draft.
Como empreender a Bematech impactou a sua vida?
Principalmente no início, era muito intenso. Você não levanta uma empresa com um sócio, a partir de uma sala de dois por dois [metros], e vai para a Bovespa sem muito trabalho e sacrifício.
Isso permeou a minha vida pessoal, a infância das minhas crianças, a parceria e cumplicidade com a minha esposa, Rose, que entendeu e me apoiou muito. As duas grandes parceiras que eu tive na vida foram a Rose e a Bematech.
Se pudesse voltar no tempo, o que você faria diferente em relação à Bematech?
O negócio eu não faria diferente. O que eu e o Wolney [Betiol] deveríamos ter feito diferente é que o início da empresa foi sofrido, gerou muito desgaste e conflito. Tudo era muito “mascado” e chato de conseguir, porque a gente tinha a mania de fazer as coisas nós mesmos.
Demoramos para contratar consultores e para trazer gestores mais experientes que nós para tocarem algumas coisas dentro da companhia. Fomos aprendendo, fazendo, tocando tudo — e, naturalmente, assim é mais caro, dolorido e sacrificante
Uma recomendação que eu faço aos jovens empreendedores de hoje – e que eu faria para o Marcel lá de trás – é: não queira saber fazer tudo, nem faça tudo você mesmo. Procure ajuda mais cedo, porque isso tende a azeitar e tornar o processo um pouco mais macio.
Qual foi o momento mais marcante na sua trajetória profissional?
Parece clichê, mas foi o IPO da Bematech, em abril de 2007. O processo de abertura de capital no Novo Mercado da Bovespa [segmento da B3 que reúne as ações das empresas abertas com os melhores níveis de governança corporativa do mercado] é muito intenso. Foram 100 dias… foi muito rápido, porque a empresa já vinha em um processo de governança, com boas práticas de gestão.
A abertura de capital foi para mim uma coisa mágica, foi a hora de resumir toda a história da companhia, como ela chegara até ali, de expor o projeto para o mundo. Fizemos o roadshow de pré-abertura – para apresentar a oportunidade a investidores – em São Paulo, Rio, Paris, Londres e Estados Unidos. Eu me dei muito bem nesse processo. Todo mundo se estressou, menos eu!
Esse lado de preparação e depois a coroação – perceber que as pessoas enxergavam valor no nosso papel [ações] – foi algo quase viciante… De certa forma, isso introduziu em mim uma vontade de mexer com o negócio de investimento. Pensei como seria legal se eu pudesse investir em várias Bematechs.
Em 2010, aos 45 anos, quando você deixou o comando operacional da Bematech e foi para o Conselho, o que se passava na sua cabeça?
Estar no Conselho era outra história. Apesar de ser o Chairman, eu não era aquele chato que tinha fundado a empresa, sido CEO e ficava atazanando a vida da diretoria. Eu me afastei. Eu fazia o papel de conselheiro, mas eu não incomodava a gestão da companhia.
Comprei um veleiro na Europa, fiz uma travessia do Atlântico, fiquei mais relaxado em casa. Eu precisava estar mais perto de minha família, ver meus filhos crescerem, passear… Ter mais tempo. Mas eu também queria investir em negócios novos, empresas novas, então, comecei a pensar a M3 Investimentos, ter conversas.
Naquele momento, qual era o seu objetivo para a M3?
A M3 seria (e ainda é) uma holding patrimonial para organizar minha vida. O outro objetivo era usá-la como plataforma para investimentos em empresas de tecnologia, mas não em startups. Eu tinha um medo desgraçado de startups. Achava que quem investia em startup era completamente louco, “fora da casinha”.
Eu sei o que é tirar uma empresa do nada. O risco é elevado e, na época, em Curitiba, os empreendedores e os projetos eram muito incipientes. Eu não via nada que me atraísse em startups, não queria jogar dinheiro fora. Queria investir em empresas que já tinham clientes, produto e uma certa gestão
Podiam ser pequenas, mas já deviam estar organizadas. O que eu fazia no início não era venture, era growth, através de um fundo FIP [Fundo de Investimento em Participações] na gestora Trivèlla Investimentos, do Jon Toscano.
Quando perdeu a paúra das startups?
Eu fazia muitas palestras sobre o case da Bematech e, ao final desses eventos, sempre havia uma fila de empreendedores para conversar comigo. Às vezes, eu chamava a gurizada para pequenas mentorias, mas sempre dizia que não investia.
Entre 2013 e 14, percebi que o nível dos empreendedores estava melhorando. Muitos tinham estudado e sido acelerados nos EUA, traziam uma visão diferente. O próprio mercado de startups, de SaaS, de softwares mudara rapidamente e os projetos começaram a ficar mais interessantes
Fui a Florianópolis para conhecer o ecossistema de lá. Depois, fui apresentado para o Pedro Waengertner, da ACE, que acabou montando uma unidade em Curitiba. Então, eu aceitei fazer um teste. Como eu não queria errar, montei um concurso de startups. Conversei com todas as aceleradoras e incubadoras que estavam no Paraná – fui a Londrina, Maringá, Foz do Iguaçu, Ponta Grossa – chamando todo mundo para o pitch.
Acabei decidindo fazer dois investimentos, diretamente pela M3. Eu criei com meus advogados um contrato inovador, algo no estilo private equity que simulava a blindagem de um FIP para uma estrutura direta. Depois, esse modelo foi muito usado por outras instituições.
Continuei a fazer investimentos via ACE. Até hoje, já investimos em dez startups. De algumas a gente até já saiu, como a Hiper, que foi para a Linx, do Alberto Menache; a VHSYS, comprada pela Stone [a saída total acontecerá ainda, por meio de um contrato de follow on]; e a Conaz, que foi para a Ambar.
Esses primeiros investimentos diretos feitos pela M3 holding mantêm, atualmente, contrato de gestão com a Trivèlla M3 Investimentos, sob o nome de VC3.
E hoje, qual é a sua forma de investir?
Sempre tive foco em empresas maiores, com menos risco, menos múltiplo de valuation louco… Hoje, eu me concentro no fundo novo, o VC4, que está aberto para captação e fará aportes mais vultosos de série B, com cheques entre R$ 10 e 30 milhões.
Mas investidores da Trivèlla M3 e empreendedores de Santa Catarina e Paraná continuaram me assediando. Então, decidimos montar o VC5, veículo que também está em captação e já investindo em startups. Só que eu trouxe o Luis Gustavo Amorim do Cventures para tocar isso, porque eu não tenho tanto tempo.
Agora, a dinâmica de investimento e o acompanhamento das startups, isso a gente aprendeu a fazer muito bem. Eu perdi o medo, participo das reuniões, acompanho, opino sobre os investimentos, mas o dia a dia está mais com a equipe.
De volta à Bematech: você teve alguma “dor de dono” que precisou trabalhar antes de vender, em 2015, a companhia que fundou?
Eu fui, sou e continuarei a ser fundador da Bematech. Isso ninguém me tira. Está no nome. Bematech significa Betiol e Malczewski Tecnologia. Mas eu nunca me senti dono da companhia.
Eu e o Wolney começamos a empresa já dividindo a gestão. Logo de cara entraram oito investidores, então formamos um colegiado de gestão com quatro diretores. Durante 10 anos tocamos assim. Com o passar do tempo, a empresa cresceu e isso passou a não dar certo. Daí, em 2000, eu acabei assumindo a presidência.
Sempre tivemos uma linha de gestão moderna, de separar a empresa da vida pessoal. Talvez eu tenha levado isso até ao extremo. Por exemplo, eu não misturava viagens de trabalho com lazer. Eu não levava a minha esposa para viajar. A Bematech era uma entidade que não tinha dono. Nós éramos fundadores, mas aquilo era maior do que a gente. Eu não tinha apego ao ativo Bematech.
E por ser uma corporação havia conflitos. Uma empresa de capital aberto traz desafios adicionais. As coisas tinham de ser resolvidas com consenso, conversa — e eu nunca fui muito afeito à diplomacia. Eu era um cara meio duro e chato ao tocar o negócio, como muitos CEOs são. Eu era firme nas minhas convicções e não dourava muito a pílula
Ao longo dos anos, isso criou problemas de relacionamento. Eu mudei com os cabelos brancos… Ou com a falta de cabelos [risos]. A gente aprende.
Com o passar do tempo, surgiram melindres e atritos entre os sócios. Tínhamos diferenças de opinião em como tocar a empresa, sobre estratégias, condução dos negócios e isso cria uma certa distância.
Antes de vendermos a Bematech, eu já vinha tentando uma reorganização societária. Eu cheguei a falar com fundos, como Silver Lake e Carlyle, para tentar uma proposta de saída de alguns sócios, mas isso não aconteceu. Então, quando a TOTVS fez a oferta de compra, o processo já estava amadurecido na cabeça de todo mundo — e na minha também.
O que é mais emocionante: atingir o break-even em uma empresa ou realizar uma saída em um VC?
Essa você pegou pesado [risos]. É a pergunta do dia! São duas coisas diferentes. O processo de atingir o break-even é lento, trabalhado, estudado e, relativamente previsível. Quando se entra numa reta de fazer uma saída, é muito mais intenso.
Então, mais emocionante é fazer um exit de sucesso: assinar a venda de uma empresa, tornar guris ricos e ganhar algum dinheiro com isso. Ter provocado e alimentado isso, ter tido uma participação importante em um período curto de tempo, é muito gratificante.
Qual é a principal virtude que você procura em um empreendedor na hora de investir?
Tirando a parte ética e de seriedade, porque isso é a base de qualquer discussão, [a principal virtude] é a capacidade de execução, de entregar.
O empreendedor não precisa ser carismático, simpático, nem completamente brilhante, mas precisa entregar os resultados. Porque é isso que fará o sucesso do negócio, o sucesso dele e das pessoas que trabalham para ele
Esse ponto é o que dá mais trabalho para a gente medir em uma entrada e, depois, para acompanhar. A execução com excelência é rara de encontrar, mas é a grande qualidade do empreendedor: cumprir o que fala.
E qual é o defeito indesculpável de um empreendedor candidato a receber investimento?
É aquela malandragem, a conversa de colocar uma coisa que não é completamente verdade. Ou seja, vender um peixe mais gordinho e suculento do que ele verdadeiramente tem. Isso a gente percebe de cara e aí é um deal breaker, porque o cara tem de ter humildade, seriedade e objetividade.
É verdade que todo empreendedor tem de ser vendedor, mas na frente de um investidor experimentado como eu, o cara não pode pisar na bola, não pode vender uma história irreal. Aquele “papo de vendedor”, no mau sentido, é um defeito com o qual eu não consigo conviver. Então, tenho de pegar antes de investir, porque depois dá briga.
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