por José Eduardo Camargo
Fernando Brant era o cara. Um homem notável que eu gostaria de ter encontrado. Compositor, poeta, cronista, conhecedor dos meandros e veredas da alma brasileira, ele nos deixou em 2015. São dele versos que vão ficar por muitas décadas, mesmo em meio a bondes e malandras. Entre suas obras, algumas me marcaram na infância, outras me pegaram adolescendo, tantas me fizeram sonhar já adulto.
Mas uma frase sua (e também nome de uma de suas composições mais conhecidas, em parceria com Beto Guedes) nunca havia feito sentido para mim: “O medo de amar é o medo de ser livre”. Que raios poderia ser isso? Amar significa querer algo ou alguém, estar ligado a algo ou alguém. E isso, lógico, tira a liberdade de quem ama — era o que eu pensava. Pensava. Segura o Brant aí, que eu já volto a ele.
Acabei de me mudar para Belo Horizonte, depois de uma vida passada em São Paulo. Sou paulista do interior, mas fiz na capital o meu chão, desde a faculdade. Tive vários recomeços na carreira. Primeiro como produtor gráfico, depois redator de rádio, depois repórter em revistas. Chefiei uma redação na maior editora do país. Por necessidade, mergulhei no mundo digital. Fui parar em uma grande corporação multinacional como executivo (no caso, a Samsung).
Deixei para trás o jornalismo e passei a trabalhar em um projeto de inovação de ponta, em uma equipe com gente da Índia, do México, dos Estados Unidos, da Coreia do Sul. Respondia, aliás, a um headquarter em Suwon (na Coreia), com suaves 12 horas de fuso. Conference calls de manhãzinha ou entrando pela noite eram comuns, sem contar algumas viagens com 26 horas de voo. Eu adorava. Tudo isso me fazia sentir pulsando em sintonia com o mundo. O problema era tempo.
Tempo para viver o que amava muito mais que a #vidaloka de gerente de multinacional. Tempo para a mulher e o filho, para os amigos, para ver minha mãe no interior, para compor músicas, para estar no meio do mato. Acabava sobrepondo as coisas (o cobertor do tempo era curto), quase sempre com maus resultados.
Passei a me sentir permanentemente em dívida. Meu saldo era negativo com todos, virei especialista em gerenciar a culpa. São Paulo também não ajudava. O tempo, já escasso, era perdido em deslocamentos
O dia tinha de ser planejado em minúcias para não dar ruim. E dava. Quem sofria, claro, era a família. E o monstro da culpa lá, refestelado no sofá em frente à TV de 46 polegadas. Mergulhado na panela, esquentando em banho-maria, eu não pensava em pular fora. Seguia procurando por tapetes para jogar a culpa embaixo. Mas a sorte sempre esteve ao meu lado. Ela tinha nome (Ludmila), sobrenome e se casou comigo. Trabalhava mais do que eu e também sofria a mesma culpa, multiplicada por dois por ser mulher e mãe. Viu o que eu não conseguia ver. E resolveu agir. Quando dei por mim, o plano estava em andamento.
Aquilo que eram conversas no café da manhã se materializava: sair de São Paulo, ter uma vida mais racional, trocar a grana por tempo, o “estar” pelo “ser”
Em questão de meses, ela passou em um concurso, fez a mudança e me jogou da panela para a frigideira. Aí veio o desespero machucando o coração, como diz o pagode dos anos 1990 (que eu devia ter vergonha de citar, menos pela breguice e mais por ser velho que só). Apesar das voltas e recomeços na carreira, nada se comparava a isso. Mudar de país nunca havia sido uma opção de verdade, porque tanto eu quanto ela gostamos demais do Brasil para isso. Ela, aliás, teve a experiência de morar no exterior, eu não. Mas eu sempre nos via de São Paulo para fora. E São Paulo era o mundo todo (como um antigo compositor, baiano, nos dizia). O que fazer com o network, com o conhecimento do mercado? Jogar fora?
Tentei, com a desculpa da grana, uma última jogada: viver entre as duas cidades, entre os dois mundos. Passava os fins de semana em Minas e os dias úteis em São Paulo. Virei cliente número um do Airbnb, do iFood, da Decolar.com (e olha que eles nem estão patrocinando este momento mea culpa, meu parça). No começo até foi legal, depois descambou. A culpa agora ficava em cima do tapete — um tapete voador. E aí veio o Brant me salvar, com Beto Guedes tocando no Spotify enquanto eu esperava na sala de embarque do aeroporto:
“O medo de amar é o medo de ser livre / Para o que der e vier”
Caramba, como as coisas ficam fáceis quando você entende. Quando você percebe que seguir quem e o que você ama de verdade é a chave para as melhores escolhas, com acerto e precisão. Sem espaço para a culpa, para a indecisão, para o e se… Ali a ficha caiu.
Decidido, tive outro recomeço. Deixei São Paulo de vez, rumo a Belo Horizonte. Agora não mais correndo no trilho chamado paúra, para citar o grupo 5 a Seco e sua música mais do que atual. Aos poucos, o cenário foi se mostrando bem mais alentador do que eu esperava. Sim, BH é uma cidade mais tranquila (alguns dos meus novos colegas almoçam em casa), as pessoas são amistosas e ensolaradas, o mood nas relações é outro. O povo também tem uma noção de pertencimento ao lugar que os de São Paulo perderam há muito. Isso paira no ar, está em todos os tipos de comunicação — e às vezes emociona.
Mas também há uma BH vibrante e conectada, que me surpreendeu. Nos meses em que fiquei no doce fazer nada (que alguns chamam de período sabático) aproveitei para construir uma rede na cidade. Com indicações daqui e dali, conheci pessoas fantásticas, projetos de ponta, um pensamento aberto à inovação e ao empreendedorismo que foi muito além do que eu supunha existir. Tive alguns convites, entrevi algumas oportunidades. Podia empreender, podia me recolocar.
Mas agora, escolado pelo teorema de Brant, não deixei espaço à dúvida. Eu amo o jornalismo? Vou voltar a ser jornalista. Amo tecnologia e inovação? Bota um bocadinho disso. Amo estar no mato e observar aves? Põe também na receita. Com tudo isso em mente, aceitei o convite da Ideia, uma agência de comunicação moderna e sem barreiras. Aqui o foco no cliente é raiz. De assessoria de imprensa a ideias up-to-date de ativação digital, de estratégia de comunicação interna a rebranding. E, claro, sin perder la ternura. Em paralelo, também vou tocando projetos mais pessoais em tecnologia, na área de conservação e na música.
Às vezes até bate uma saudade. Mas eu como um pão de queijo e ela passa. Valeu, Fernando Brant
P.S.: Se você, por novicência ou desoportunidade, não conhece nada do Clube da Esquina (Milton, Beto Guedes, Lô Borges, Fernando Brant, Som Imaginário, Tavinho Moura etc), faça o favor. Vai lá nos spotifys e deezers da vida e ouve com atenção. É o melhor que você pode fazer por sua vida e (por que não?) por sua carreira hoje.
José Eduardo Camargo, 46, é formado em Produção Editorial pela ECA-USP, mas abraçou o jornalismo logo em seguida. Começou como redator na Rádio Eldorado, trabalhou em diversas revistas do setor de turismo e permaneceu por 13 anos na Editora Abril, como redator-chefe dos Guias 4 Rodas. De lá seguiu, para a área de conteúdos e serviços da Samsung para a América Latina. É casado, tem um filho e acaba de se mudar para BH.
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