A primeira plataforma de computação em nuvem no mundo surgiu em 2006 e revolucionou o mercado digital. O modelo de pagamento conforme o uso (pay-as-you-go), lançado pela Amazon Web Services (AWS), democratizou o acesso à tecnologia avançada.
Sem a necessidade de investir em infraestrutura própria, startups e pequenas empresas puderam competir com corporações, que também puderam viabilizar seu crescimento digital em rápida escala, com os custos operacionais reduzidos.
O Magalu foi uma das primeiras empresas no Brasil a adotar a nuvem pública, em 2009, e isso acelerou o desenvolvimento de produtos digitais da empresa. Em 2014, criou seu laboratório de Tecnologia e Inovação, o Luizalabs, e se tornou uma potência no e-commerce graças à computação em nuvem.
No entanto, o custo crescente da nuvem pública levou à decisão estratégica de criar uma nuvem própria para equilibrar essas despesas. Assim, a Magalu Cloud começou como um projeto dentro do Luizalabs em 2020, e em dezembro de 2023 se tornou a marca de um novo negócio da varejista.
Mesmo com vários indícios de que havia demanda para um novo provedor de nuvem, Christian Reis, diretor da Magalu Cloud, afirma ter ficado surpreso com as “milhares de empresas” que, desde o lançamento, mostraram interesse no serviço:
“Tínhamos previsto uma capacidade de infraestrutura necessária e tudo que colocamos foi consumido. A gente foi dobrando a capacidade instalada e rapidamente encheu. Realmente, a demanda é infinita.”
Engenheiro de computação e de softwares, o paulista Christian (ou Kiko, como é conhecido) fez carreira fora do país. Em entrevista ao Draft, ele fala sobre a adaptação à cultura do Magalu, os bastidores da construção de um serviço de nuvem totalmente brasileiro e o potencial desse novo negócio:
Por que o Magalu resolveu lançar o serviço de computação em nuvem? Como foi esse processo e o que a empresa já aprendeu até agora sobre oferecer esse serviço?
O Magalu é uma das primeiras empresas do Brasil a adotar cloud pública. Começou a avaliar em 2009.
Faz parte do DNA do Magalu acreditar que a cloud pública é um acelerador do negócio digital: a habilidade de rapidamente construir, prototipar e acelerar o tempo de desenvolvimento e entrega.
O grande projeto de construir um e-commerce no Magalu, que era de anos, virou um projeto de meses. Na década seguinte, teve vários e-commerces com óticas ou enfoques diferentes. Ficou evidente, especialmente para os executivos, como a cloud tinha dado superpoderes digitais para o Magalu
Andreessen Horowitz [gestora de capital de risco com foco em scale-ups de tecnologia] publicou um artigo com o termo “paradoxo da nuvem”. Falando que as empresas precisam nascer na nuvem hoje, porque digital é parte de todos os negócios — mas se você deixar a cloud ser usada de forma desgovernada, ela vai virar o seu maior custo operacional e, eventualmente, comer toda a sua margem [de lucro].
O Magazine foi vivendo isso ao longo da década. Uma conta que era zero em 2009 foi, pouco a pouco, virando uma parte substancial do OPEX do Magalu. Obviamente, você coloca a pressão contrária, introduz governança e começa a pensar como gastar etc. Mas o modo natural de uso da cloud é “eu abro a torneira e tenho desenvolvedores sedentos infinitos aqui dentro para consumir”.
E o terceiro ponto é que o Magalu é capaz de executar grandes movimentos tecnológicos, e manter um time muito grande de desenvolvimento fazendo tecnologia em boa parte de base, para habilitar o negócio a fazer coisas que não seriam possíveis para outros. Acho que poucos varejistas no mundo têm um time de tecnologia desse tamanho [cerca de 2 mil pessoas trabalham no Luizalabs]
Essas três coisas foram precondições: o Magalu sabe que é muito importante a transição para a cloud; sabe que cloud vai virar um custo substancial e é difícil ver esse custo decrescer a longo prazo, porque não vai ser menos digital no futuro; e o Magazine consegue executar grandes projetos, inclusive na esfera tecnológica
O negócio de cloud é uma mistura de três elementos: tem que ter energia, porque o data center, que segura as máquinas, converte energia em computação; precisa ter ativo físico, hardware, para executar as aplicações, que em boa parte é commodity. E o grande diferencial da cloud é o software — e o Brasil é uma fortaleza em criação de softwares, tem uma legião de desenvolvedores, passou anos investindo em formação pra gente construir esse grupo.
Então, tem boas condições para o Brasil fazer cloud — e [ainda] um quarto ingrediente, um mercado consumidor gigantesco.
Por fim, estava claro para o grupo Magalu que precisa ter outros negócios ao lado do e-commerce, ao lado do varejo no geral – que é uma fortaleza e está aqui pra sempre, mas tem condições especiais que o tornam difícil de tocar sozinho, precisa diversificar.
Além disso, o Magazine tem uma missão: quer dar um monte de ferramentas para o Brasil se desenvolver. Não simplesmente para o pequeno varejista poder vender, mas pensando quais foram os ingredientes que o Magalu precisou usar para se acelerar e o que consegue entregar ao mercado brasileiro com base nessa experiência.
Nesse processo, a maior surpresa foi o quanto as pessoas se interessaram pelo que a gente tinha colocado no ar. Desde o começo, sabíamos que era uma proposta desafiadora, ia demorar um tempo para o mercado digerir a ideia de que uma cloud nova ia surgir e que ela seria tão competente quanto os provedores existentes
Nossa ideia de lançar no final do ano passado não era fazer um grande lançamento, mas falar para outras empresas que têm pensamentos similares ao nosso se aproximarem e começar a oferecer para colaborar junto com a gente. Ou usar, ou construir junto. E milhares de empresas nos contactaram desde o final do ano, muito mais do que a gente conseguia responder.
Essa surpresa fez a gente entender o quão importante era uma entrada no mercado como essa e o tanto que temos de fazer para acelerar esse plano de desenvolvimento, a expansão física, a capacidade de plataforma e de produto.
Essas centenas de clientes que processamos de lá pra cá trouxeram esse amadurecimento muito rápido. Se tivesse dez vezes a capacidade, provavelmente teria dez vezes o uso hoje. O problema é que você precisa escalar tanto a infraestrutura quanto a capacidade para atender a demanda. Então, o desafio é construir um negócio de escala.
Você foi para o Magalu vindo de uma empresa de computação em nuvem e deixou de morar nos Estados Unidos para voltar a viver no Brasil. Já está adaptado à cultura da empresa?
Eu trabalhei por 16 anos na Canonical, empresa que faz um sistema operacional do Linux mais usado no mundo, Ubuntu Linux. Em 2004, fiz parte do time que criou esse sistema que se tornou o padrão em nuvem pública.
Quando a Amazon lançou a AWS, em 2006, trabalhei em ferramentas para tornar o Ubuntu um excelente ambiente para desenvolvimento de cloud pública. Dez anos depois, me mudei para Seattle e assumi o negócio de nuvem pública da Canonical, uma excelente vitrine para ver o que estava acontecendo e entender melhor sobre o negócio de nuvem.
Em 2018, uma pergunta que eu tinha feito há muito tempo para mim mesmo voltou à minha cabeça: qual vai ser o papel do Brasil nessa próxima rodada digital?
Por uma coincidência, iniciei um diálogo com o Fred [Frederico Trajano, CEO do Magalu] e essa conversa acabou convergindo na proposta de a gente construir uma nova nuvem no Brasil. Em 2020, decidimos, de fato, iniciar o projeto.
Se eu me adaptei à cultura Magalu? É a primeira empresa brasileira para a qual trabalho. Então, é muito diferente.
Sou um pouco alienígena nesse sentido. Acho a coisa mais estranha do mundo os assuntos e as preocupações no Brasil, que tem muito mais uma cultura consensual das pessoas estarem confortáveis com o plano — e se elas não estiverem, não vão nem falar, só não vão fazer nada
Existe uma diferença no processo de tomada de decisão. As pessoas que não são brasileiras que estão no projeto o tempo todo voltam nesse tema: “Uau! Eu não consigo imaginar que isso que eu fiz causou esse tanto de barulho!” Ou “Não consigo que as pessoas façam o que eu quero”. Fora a barreira do idioma, o Brasil não é um lugar onde todos falam inglês de forma confortável.
Parte do que é cultura são os grandes mecanismos e processos, elementos bem top-down. O resto é como isso é interpretado e reforçado pelas ações do dia a dia.
A sensação de pertencimento é muito mais fraca quando você não tem contato físico. Pode ser muito mais transitivo o seu comportamento como profissional se você não tem profundidade emocional.
O fato é que nós somos seres biológicos que dependem de contato físico. Então, no fundo, por mais que a gente consiga fazer uma parte disso online, as pessoas com quem você é mais próximo são pessoas que você teve a oportunidade de interagir, teve a oportunidade de se aproximar.
Uma coisa legal que o Magalu fez foi permitir que pessoas novas viessem para a organização, especialmente essa expansão das aquisições e desenvolvimento corporativo que fez de 2018 em diante, que é aceitar que a organização precisa evoluir
Tem que vir ideias diferentes — e não são só ideias de produto ou de modelos operacionais. Também tem a ver com cultura: como a gente se comunica, como a gente registra, como é feita uma decisão, o que a gente valoriza. Tem um processo bidirecional, e é bom quando tem uma troca.
Eu me acostumei, [hoje] entendo melhor e opero melhor dentro de como o Magalu funciona, mas também trouxe um pouco da minha visão de como se faz para entregar uma grande plataforma tecnológica.
Qual o tamanho do seu time hoje? E como funciona sua gestão?
É uma organização descentralizada, o time está espalhado entre Brasil, Europa e Estados Unidos.
Com a ideia de construir uma plataforma própria, fomos procurando os talentos que faziam sentido para o desafio, montando uma equipe com base em quem tinha experiência na construção de grandes ambientes virtualizados.
Boa parte trabalha remoto e temos alguns hubs de trabalho. Mas não tem um único local em que as pessoas estão sempre.
Estamos em 300 pessoas, mais ou menos, e cerca de 10% são estrangeiros ou não moram no Brasil. Quando começamos em 2020, era só eu. No início de 2021 virou um time de quatro. E esse time só cresceu
Como o escopo é muito grande e a gente está embarcando cliente grande e tem muita responsabilidade operacional, a nossa tendência é crescer. Algumas funções — por exemplo, comercial — têm mais interação no escritório, então alguns produtos têm uma concentração regional. Eu tenho um grupo de armazenamento grande em São Carlos, onde moro. Mas vou muito para São Paulo.
Não existe um escritório único. Viaja-se bastante. Vamos fazer esse ano alguns encontros na engenharia, de 50 a 100 pessoas. Fazemos muito mais encontros regionais. Ainda não teve um encontro todo mundo junto, e provavelmente vai chegar a hora de fazer encontros maiores. Tomamos cuidado com o escopo dos diferentes times e quais são as interfaces com os outros times.
Em um ambiente de escritório, de proximidade física, você pode ter mais fluidez no desenho da organização, porque as pessoas vão se encontrar e os micropedidos são realizados.
Numa organização descentralizada, qualquer pedido é caro: é um telefonema, é uma mensagem, é um documento que você vai escrever. A tendência em uma organização descentralizada é você precisar fazer uma descrição muito mais hermética do que cada time precisa fazer
Se você não faz a arquitetura correta do time, vai descobrir que tem um monte de comunicação ineficiente acontecendo entre times diferentes. Então, fomos encontrando uma forma de se desenvolver assumindo que as pessoas teriam menos contato e, portanto, mais necessidade de autonomia dentro de um escopo definido.
Passo bastante tempo definindo quais são os times, o que fazem, como mapear os sistemas que a gente está entregando e que time faz o quê.
Como a Magalu Cloud está competindo com as gigantes globais e estrangeiras neste serviço? E por que é importante para o Brasil ter um serviço de nuvem brasileiro?
A maior parte do escopo digital do mundo ainda é pré-2006: rádio, data center, nem é cloud. Então é um mercado que vai crescer muito, é infraestrutura. O que faz sentido a longo prazo é usar múltiplas clouds.
Não que a Magalu Cloud vai ser a sua [única] cloud que você vai usar. Você vai usar mais de uma, porque se o seu negócio depende do digital, você deve pensar em mais de um provedor. Você não deve usar uma estratégia single sort porque uma hora você vai se decepcionar ou com a disponibilidade ou com o preço.
O ponto mais importante é que a gente realmente pensou na precificação da cloud como algo que precisa fazer sentido a longo prazo para o cliente. Diferente das outras clouds, entendemos muito claramente que precisa ser feito um esforço muito grande e constante de otimização de custo
Isso era parte do discurso das clouds públicas pré-2017. Em 2011, era a manchete de todas elas. Em 2015, começa a diminuir essa mensagem. Após 2017, quase não se fala mais sobre redução de custo. E aí, em 2023, se fala sobre aumento de preço. Uma inversão completa.
Ou seja, no começo se falava “a gente vai ser muito mais barato e vai continuar a entregar benefícios econômicos para o nosso cliente”. Em 2023, se fala: “se está entregando tanto valor para o cliente final que a gente está cobrando preços maiores”. Nós do Magalu achamos que esse modelo está quebrado.
TI é commodity, então tem que reduzir o preço ao longo do tempo. A precificação tem que ser muito diferente do que ela é hoje. A conta da nuvem não cabe no orçamento do Brasil e assim não se consegue digitalizar o país
Em geral, as clouds internacionais usam muito o modelo one size fits all [tamanho único]. Para a gente é importante fazer mais em conta e tendo a personalização como prioridade.
Você falou antes do paradoxo da cloud relacionando a demanda e custo financeiro. Tem outro paradoxo em relação ao aumento do uso da inteligência artificial ao mesmo tempo em que existe a necessidade de reduzir as emissões de gases de efeito estufa, neste caso relacionadas à geração de energia.
Tem duas coisas puxando em sentido oposto: eu quero [energia] para a IA, e a IA vai consumir 10 vezes mais energia do que a gente tem provisionado hoje; e ao mesmo tempo, acabei de prometer entre as metas ESG que vou ser carbono neutro em 2030.
Já estão sendo feitas afirmações entre as gigantes de tecnologia de que o objetivo de ser carbono neutro em 2030 não vai acontecer, essa meta não vai mais ser entregue… Como atender essas duas demandas ao mesmo tempo?
É possível se você tiver os ingredientes. O Brasil é um país que entende muito de energia, sabe produzir, sabe distribuir, produz de forma confiável, de baixo custo. O resto é uma questão de foco e execução. Poucos países do mundo têm os recursos que o Brasil tem
A computação é limitada por energia. O computador é uma caixa que se alimenta com energia e processa informação. Como a demanda por energia é muito grande, a gente vai precisar provê-la de algum jeito. Uma solução é a empresa ter opções de geração de energia própria e renovável.
Quando a gente foi escolher data centers para essa expansão, isso estava em pauta: quanto vem de energia limpa? E na prática é um mix do que se consome no lugar. Majoritariamente, a energia é limpa. A contribuição de não renovável, no total, é minúscula. Porque como Magalu, temos a responsabilidade social de entregar números melhores a longo prazo.
Junto com o serviço de nuvem, vocês também estão vendendo o serviço de governança, ou seja, um conjunto de diretrizes sobre como usar melhor a nuvem?
O problema da governança é que não existe uma bala de prata. É um exercício contínuo entender se o que está rodando ainda é válido, gera valor, e é produtivo.
Como qualquer coisa que em grande escala, vai precisar de revisão e auditoria, de otimização constante.
É como a gente faz com lojas: tem milhares de lojas, qual é a rentabilidade de cada? Tem que investir? Tem que desinvestir? Só que o ativo de software é invisível e ele existe em escala muito maior do que a gente tem de lojas
A gente entrega, com a plataforma, as ferramentas para poder fazer essa governança, gera os relatórios de cobrança, de consumo, as curvas de crescimento, permite dividir por centro de custo ou por área. Mas a gente ainda não provê como tomar decisão com base nesses dados.
Você acha que o fato de o Brasil ter uma matriz elétrica mais limpa do que muitos países pode criar a demanda de clientes estrangeiros para a Magalu Cloud?
Não é claro pra mim que o Brasil tem foco em prover uma matriz de energia limpa a longo prazo como prioridade [para exportação nesse sentido]. Tem ensaios, mas não tem uma clareza estratégica que esse é o plano.
E isso é bem maior do que a Magalu Cloud. É um problema de país, de nação decidir ser um gigante em provimento de energia limpa. E onde a gente está na nossa jornada isso está muito longe de ser uma preocupação.
Eu posso comprar 10 vezes mais energia limpa se eu quiser, provavelmente 100 vezes mais, quando eu for mil vezes maior, aí isso vira uma preocupação. Então, essas coisas têm que convergir no futuro
E isso converge quando? Quando a gente crescer o suficiente e a inteligência artificial virar uma realidade grande o suficiente aqui no Brasil. Mas já tem grupos estrangeiros vindo e falando sobre investimento em plantas [de geração de energia limpa].
Essa nova frente está gerando necessidade de fazer aquisições de empresas? E tem outras empresas brasileiras ensaiando lançar serviço de nuvem?
Com certeza, a gente vai fazer esse movimento sim, procurar parceiros. No momento, estamos muito rapidamente escalando a infraestrutura e construindo os grandes blocos de software para poder atender essa demanda. Aquisições para prover recursos que a gente não tem hoje são parte de uma próxima rodada.
Sobre outras empresas brasileiras desenvolvendo serviço de nuvem, é uma boa pergunta. Não é um espaço para aventuras curtas. A gente, quando entrou, sabia que era um projeto de décadas e passou muito tempo pensando, porque não é um investimento pequeno – financeiro, psicológico e emocional. Você precisa acreditar que daqui a muitos anos vai sair muito dinheiro desse empreendimento.
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