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Flávia Fiorin, do Tecnopuc: “A inovação transcende muros. Para tornar uma região inovadora, é importante encontrar complementaridades”

Aline Scherer - 31 out 2024
Flávia Fiorin, gestora de Operações e Empreendedorismo do Tecnopuc (crédito: Giordano Toldo/ Divulgação).
Aline Scherer - 31 out 2024
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Atrair empresas de ponta para que excelentes alunos e profissionais formados permaneçam na cidade, colaborando para o desenvolvimento regional, além de exportar produtos e serviços das inovações e tecnologias geradas localmente. Esse pode ser o mote de qualquer Parque Tecnológico e Científico vinculado a uma universidade.

No Tecnopuc, parque criado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) há 21 anos, essa realidade hoje se desdobra em quatro áreas prioritárias de conhecimento – Tecnologia da Informação e Comunicação; Energia e Meio Ambiente; Ciências da Vida; e Indústria Criativa — por meio de projetos que a liderança do polo de inovação trabalha para que cada vez mais transcendam os muros dos seus 22 prédios.

Fundada em 1948, a PUCRS construiu uma base sólida nas áreas de ciências humanas e no desenvolvimento de líderes sociais e educacionais. Na virada do novo milênio, decidiu expandir para áreas de inovação e tecnologia e, inspirada nas tecnópoles francesas, adquiriu o terreno vizinho ao da Universidade em Porto Alegre, que pertencia ao Exército, para abrigar as áreas de Pesquisa e Desenvolvimento de três grandes empresas de tecnologia: Dell, HP e Microsoft.

Com inúmeras expansões ao longo das últimas décadas, hoje o Tecnopuc abriga mais de 300 organizações, entre empresas consolidadas, startups, associações e estruturas de pesquisa, que empregam mais de 6 500 pessoas. Alguns exemplos de nomes conhecidos são Apple Developer Academy, KPMG, Marcopolo, Thoughtworks, Globo e UOL Edtech.

Foi eleito por duas vezes o melhor parque tecnológico do Brasil, e ainda o quarto melhor ecossistema de inovação do mundo pelo Prêmio Triple & Awards 2023, concedido pela ACEEU (Accreditation Council for Entrepreneurial and Engaged Universities), uma organização internacional dedicada a promover o potencial empreendedor e de engajamento comunitário das universidades.

O Tecnopuc tem sua gestão liderada por Flávia Fiorin, executiva e pesquisadora que trabalhou em outros dois parques tecnológicos regionais, o da Unisinos e o da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Na entrevista a seguir, a gestora de Operações e Empreendedorismo fala sobre sua trajetória, a atuação do Tecnopuc e os aprendizados colhidos na reação às enchentes que devastaram o estado:

 

Como foi sua trajetória até a liderança do Tecnopuc?
Eu venho de um contexto de apoiar empreendedores de base tecnológica oriundas de universidades, fazendo a tradução do conhecimento técnico para mercado, e das oportunidades, no começo da formação do ecossistema de inovação gaúcho e nacional.

Há 17 anos, minha primeira inserção foi apoiando negócios oriundos de laboratórios de pesquisa da UFRGS, que estavam em sua primeira rodada de investimento, amparados em projetos promovidos pela Finep [Financiadora de Estudos e Projetos, de âmbito nacional], Sebrae e Fapergs [Fundação de Amparo à pesquisa do Estado do RS].

O Tecnopuc nasceu um pouco antes, há 20 anos, para a transformação do conhecimento em impacto positivo por meio de negócios 

Tive uma passagem importante no parque tecnológico da Unisinos, durante a transformação do polo de informática de São Leopoldo em um parque científico e tecnológico multiáreas, o Tecnosinos. Atuei em projetos da incubadora e junto à diretora do parque na época, Susana Kakuta, depois o Luís Felipe Maldaner. E há sete anos estou no Tecnopuc.

Ou seja, uma trajetória vinculada a universidades que olham para o mercado como uma oportunidade de alcançar à sociedade o conhecimento acadêmico desenvolvido.

Qual a principal diferença na atuação de um parque tecnológico de uma instituição acadêmica pública para o de uma privada no contexto local?
No contexto de ecossistema de inovação, as diferenças são muito tênues em relação à dinâmica da organização que está por trás. Seja uma instituição de educação, pesquisa, ou propriamente de mercado, não tem como atuar sozinha.

Eu ousaria dizer que a diferença é o enfoque da área de conhecimento ou da possibilidade de aplicação daquele conhecimento. Temos uma complementaridade que foi identificada e assim atuamos na parceria entre as três universidades. A infraestrutura laboratorial da universidade pública aqui tem uma profundidade na produção de conhecimento que é complementar à abordagem de mercado que têm as privadas.

Neste contexto regional de complementaridade que nos fortalece, um pouquinho antes da pandemia, fizemos um movimento bastante relevante de conexão da área de inovação de três universidades regionais extremamente bem posicionadas em rankings de educação do país: PUC, UFRGS e Unisinos

Por exemplo, na indústria de semicondutores, que é uma força muito relevante aqui na região, temos o Instituto Itt Chip, dentro da Unisinos, que está ao lado de uma empresa de encapsulamento de semicondutores, que é uma joint venture sul-coreana e brasileira.

Temos profissionais em massa sendo formados na UFRGS e duas das principais empresas que produzem projetos de semicondutores instaladas no Tecnopuc. E assim realizamos um somatório de competências e capacidades de infraestrutura laboratorial, produção de conhecimento e programas para levar isso ao mercado.

Inovação é um trabalho que transcende muros, e para tornar efetivamente uma região inovadora é importante encontrar essas complementaridades. Competimos em alguns itens, mas muito mais cooperamos para o desenvolvimento regional e coletivo, dentro de uma plataforma de abundância.

Essa parceria parece promissora num contexto global de escassez na indústria de semicondutores…
No Tecnopuc tivemos a atração de duas empresas, a americana Impinj e a inglesa EnSilica, que se instalaram na região pela possibilidade de contratar capital intelectual de padrão internacional para resposta imediata ao desenvolvimento de projetos.

Por isso nos destacamos como um ambiente apropriado para negócios internacionais, com uma categoria de profissionais extremamente qualificada que normalmente opta por estar em organizações onde o seu desenvolvimento intelectual possa ser continuado — e que tenha qualidade de vida 

Com um parque instalado de produção de capital [intelectual] que vem da UFRGS, e institutos que estão associados aos nossos parceiros na Unisinos, o Tecnopuc completa a cadeia.

Quais são os temas principais que o Tecnopuc se dedica?
Tecnologia da Informação, indústria criativa, saúde e energia.

A tecnologia da informação entra de uma forma transversal em inúmeros players, e foi a origem do Tecnopuc.

As primeiras âncoras que chegaram ao parque para trazer essa dimensão de conexão entre mercado e universidade foram Dell, HP, Microsoft, grandes empresas que têm os seus centros de P&D ou de formação de pessoas situados dentro do parque 

Bem como histórias de empreendedores que nascem aqui dentro da nossa universidade, como o Zé Renato [José Renato Hopf], que desenvolveu a GetNet e fez uma venda gigante para o Santander, quando nem se falava em unicórnio — esse foi o nosso primeiro. E depois ele voltou a empreender com uma startup que nasceu com 300 colaboradores, que foi a 4all e que se desdobra no South Summit, e outros nove empreendimentos que eles têm dentro desse grupo.

Outra dimensão, de indústria criativa: temos a sede da Band RS operando dentro do Tecnopuc, e temos empreendimentos que nasceram dentro da Famecos (Faculdade de Comunicação, Artes e Design), como Aquiris e Rockhead, dois estúdios de games; no ano passado a Aquiris foi adquirida pelo principal player global, Epic Games. A Rockhead acabou de ser premiada pela Google.

Outra dimensão relevante, resguardando as características da Universidade na região, é a área da saúde. Temos o Instituto do Cérebro despontando como um dos institutos da PUCRS com um grande reconhecimento nacional, e que também nasceu a partir de um olhar do Tecnopuc para o mercado e identificar onde o conhecimento da universidade se desdobra em ação direta nas pessoas 

Recentemente, [o Instituto do Cérebro] assinou com o Finep projetos de ampliação com a captação de mais de 70 milhões de reais para investir na terceira fase de expansão.

Temos 40 organizações, entre empresas consolidadas e startups na área da saúde em diversos níveis de maturidade. O Grupo RPH, primeira empresa incubada no Tecnopuc em 2003, que hoje é referência em produção de radiofármacos no Brasil, está entre os principais players nacionais.

A NoHarm, uma empresa derivada de uma tese de doutorado sobre inteligência artificial aplicada em hospitais aqui da região, que hoje possui uma plataforma que apoia a prescrição de medicamentos em farmácias hospitalares no Brasil inteiro e tem mais de 1 milhão de vidas impactadas em um projeto que tem dois, três anos de aplicação.

Por fim, não menos importante, temos a dimensão de novas energias que hoje, dentro de desafios climáticos que vivemos, entra na mais urgente e emergente lente de pesquisa, representada pelo Instituto de Petróleo e Recursos Naturais da PUCRS, onde temos desenvolvimento de pesquisa de ponta em captura de carbono, hidrogênio verde e demais tecnologias que vão mudar a matriz energética nos próximos anos 

Isso tudo ao lado de novos negócios que tratam de mobilidade elétrica e aplicação de energias limpas no nosso cotidiano.

Falando em temas urgentes e emergentes, como foi para você, enquanto bacharel em arquitetura e urbanismo, mestre em gestão de negócios e doutora em engenharia civil, acompanhar a falta de resiliência e preparo da gestão pública sobre o espaço urbano para lidar com as enchentes e seus efeitos? 
Para quem estuda e está envolvido com a lógica de desenvolvimento compartilhado, falamos muito sobre a quádrupla hélice: a atuação da academia, empresas, governos e sociedade, em uma interação dinâmica — precisamos buscar o equilíbrio entre essas áreas.

Por muitos anos, ouvi sobre cidades inteligentes como aplicação de tecnologia para o controle das cidades. Mas a cidade é um organismo vivo, a delimitação geográfica imposta pelo homem não é real enquanto ambiente. O ambiente natural não respeita aquilo que entendemos como organização geopolítica.

Enquanto pesquisadora e gestora, vejo que estamos vivendo a realidade, sem a poesia de achar que ao “linearizar” processos se vai alcançar eficiência plena em algo que é orgânico e natural. É impossível a tecnologia controlar as cidades

Então, começamos a falar em cidades inteligentes, humanas e sustentáveis, buscando o equilíbrio entre o ambiental, o social e o econômico. Um aprendizado bem importante desse advento que aconteceu no Rio Grande do Sul é a nossa capacidade de ação. Um ecossistema conectado possibilita que em poucas horas consigamos montar uma rede, como aconteceu aqui.

A PUC acolheu pessoas desabrigadas, o Tecnopuc acolheu empresas fragilizadas e foi a “casa” também para iniciativas e projetos de desenvolvimento tecnológico — de empreendedores que já tinham uma relação de confiança entre si — e de colocar em evidência os empreendedores que já atuam em contexto de desastres, como ponto de conexão com o poder público, por exemplo.

Estamos pagando a conta, e terceirizar a responsabilidade não é uma possibilidade. Agora é o momento de ter o entendimento de que cada um de nós somos os responsáveis por aquilo que vem acontecendo 

Está na nossa mão e dos ambientes de transformação desenhar e aplicar soluções para que o próximo advento tenha resultados diferentes.

A PUCRS também abrigou quatro secretarias do Estado e da Prefeitura cujas instalações foram inundadas. Essa proximidade aumentou o poder de influência científica do Tecnopuc sobre essas instituições?
Temos uma interação bastante importante e forte com algumas secretarias, em especial com a Secretaria de Educação do Estado, com quem temos um programa bastante consolidado e longo de ciclos de capacitação em tecnologias para alunos de escola pública. São laços que a gente já vem construindo há bastante tempo.

O próprio Comitê de Crise se instalou aqui com as secretarias de inovação do município e do Estado, e dessa articulação contínua que temos com eles fazemos parte do Comitê Científico de Adaptação e Resiliência Climática que foi criado no Governo do Estado — uma ação que reúne não só PUC, Tecnopuc, mas as principais instituições científico-acadêmicas e players do ecossistema de inovação do Estado. Há uma presença bastante importante de todos esses atores para conduzir que próximos ciclos [de calamidade pública] não aconteçam.

Claro que foi um evento do Estado todo, mas temos um movimento que é muito importante aqui para a cidade especificamente que é o Pacto Alegre, que já reúne mais de 80 instituições em um movimento de pautar de forma conjunta a agenda de inovação da cidade. E, ali dentro, temos o projeto Porto Alegre Resiliente, com consultorias contratadas para acompanhar e desenvolver planos de ações de efetivamente olhar para a nossa região com essa lente da nova realidade que estamos vivendo 

A Secretária de Inovação do Estado, Simone Stülp, era gestora de ambientes de inovação em Lajeado [situada a cerca de 100 km da capital e também afetada pelas chuvas], então ela está inserida nesse contexto. O Secretário de Inovação de Porto Alegre, Luiz Carlos Pinto, é um professor da UFRGS, que conhece e faz parte desse contexto da agenda de inovação da cidade.

Então, a presença desses ecossistemas dentro da gestão pública se dá de uma forma contínua e recorrente; e a nossa ação é apoiada, e se desdobra em inúmeros projetos de desenvolvimento.

Como vocês medem os resultados do Tecnopuc? E quais os próximos passos?
O fomento ao desenvolvimento de novos negócios e a promoção de uma empregabilidade de alto valor agregado na região [são as principais métricas]. De 2022 para cá, nós quase duplicamos o número de membros do Tecnopuc.

Hoje são 300 organizações e 6 500 pessoas diretamente vinculadas a esses negócios que estão aqui no presencial, circulando no Tecnopuc. Esse, para nós, é um resultado extremamente relevante: ter organizações conectadas à economia do conhecimento e a talentos com conhecimento de ponta 

Estamos em uma trajetória de expansão, a intenção é que sigamos aumentando esses números. Nosso foco hoje é ampliar os membros não residentes, por meio de estruturas de projetos específicos – de inovação corporativa, de pesquisa e desenvolvimento, de geração de novos negócios.

Estamos em uma escalada importante, no segundo ano de um projeto estratégico para a ampliação do modelo de negócios do Tecnopuc, que até então era muito baseado em empresas instaladas. Então, estamos passando por uma revisão de estrutura de operação e de estrutura física também, com uma belíssima reforma que está nos trazendo desafios de ambientes conectados.

Temos uma presença internacional de forma institucional bastante importante em curso com a ampliação dos nossos membros no Tecnopuc US e queremos consolidar essa presença nos próximos anos. Temos mais dois anos de solidificação dessas pontes e intensificação do fluxo entre elas.

Além disso, temos PUCs no mundo inteiro, gaúchos no mundo inteiro, então não temos o objetivo de reter esses talentos aqui conosco, mas criar pontes sólidas como as que já temos, com empreendedores já atuando nos Estados Unidos que retroalimentam e abastecem o nosso ecossistema 

A lógica é manter uma interação e uma batida mercadológica próxima — não só entre as instituições, mas entre os negócios, as oportunidades de investimento e desenvolvimento tecnológico.

São muitas as empresas que já fazem essa dobradinha, de ter parte do time no Brasil, parte do time no exterior. E iniciamos essa trajetória com os Estados Unidos para consolidar esse modelo.

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