Chego ao apartamento e escritório temporário de Fernanda Ravanholi, 39, fundadora e diretora criativa do Quintal da Flores, preparada para uma entrevista de uma hora, como geralmente acontece no Draft. Mas só saio dali duas horas depois. Fernanda espremeu em quinze anos de carreira, experiências para preencher uma vida inteira e falou de todas elas, sem medo.
A versão curta da história? Essa paulistana é arquiteta e terapeuta holística. Começou a cursar Arquitetura na PUC-Campinas, encantou-se com permacultura e bioconstrução e, logo, se envolveu no movimento estudantil da FeNEA (Federação Nacional de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo do Brasil), que discutia a Construção da Cidade Contemporânea.
No entanto, aos 20, precisou abandonar a faculdade ao se tornar mãe. Decidiu, então, mudar-se para Santos e voltou a São Paulo apenas dois anos depois para retomar a graduação. Fez cursinho, prestou vestibular e recomeçou. Aos 26, tornou-se presidente do Diretório Acadêmico da Faculdade de Arquitetura do Mackenzie (Dafam) e, no mesmo período, encarou um divórcio.
Para sustentar a si e ao filho, paralelamente à faculdade, produziu bandas e eventos. Depois, associou-se a um grande escritório de paisagismo tropical. Após três anos, abriu o próprio negócio e se mudou para Paraty (RJ). Lá, embrenhou-se na política, ocupando o cargo de Secretária de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente com apenas 34 anos.
Só assumiu a vocação de terapeuta holística em 2015, depois de precisar se livrar dos 35 quilos a mais acumulados no próprio corpo (no caso específico dela, a alteração no peso vinha como um sinal de desequilíbrio em outras áreas). Hoje, Fernanda paira sobre dois campos de atuação que, à primeira vista, podem parecer dissociados: paisagismo e práticas integrativas em saúde. “Dentro desse mundo de bem-estar, arte e meio ambiente, sou a pessoa que traz uma reorientação para manifestar a essência do meu paciente ou cliente. Esse é meu foco.”
Fernanda empreende no Quintal das Flores junto com a arquiteta, permacultora e terapeuta Arianne Azevedo, 30, diretora de Projetos de Paisagismo, Ambientação, Bioconstrução e Agrofloresta, e o filho João Gabriel Ravanholi, 19, estudante de Economia da PUC e auxiliar administrativo. O negócio fatura entre 30 e 50 mil reais mensais e tem o objetivo de crescer 50% em 2018.
No Quintal das Flores, ela fez desabrochar um conceito inovador de autoconhecimento: Arquitetura da Consciência & Paisagismo Interno. Segundo ela, são programas de autoconhecimento que emprestam alguns conceitos do paisagismo tradicional, como fala:
“Brinco que as pessoas são o meu jardim. Eu olho o que tem de ser podado e o que dá para aproveitar e levar para compostagem”
Os programas incluem vivências de “Jardinagem Meditativa” (50 reais por 1 hora), “Trilha Meditativa” (300 reais por 6 horas) e combinam terapias holísticas como dança bioenergética, Religare (acupuntura energética), Cura Quântica e Osho Neo Rebalancing (mistura de técnicas de massagem, relaxamento das articulações e energia prânica).
“Tem gente que vem porque quer meu paisagismo e eu faço a parte terapêutica sem eles nem perceberem. No começo do projeto, ao investigar as necessidades, já faço uma anamnese terapêutica. Pergunto qual é o sonho do cliente, a qual jardim ele ia quando era criança etc”, diz.
E continua: “Ao final, eles percebem a transformação por que passaram e começam a me chamar de coach, terapeuta e, por fim, dizem: ‘é ela que me faz ficar feliz’. Outras pessoas vêm por conta da massagem. Tem gente que vem pela terapia quântica e, de repente, melhora tanto que decide mudar a casa. Daí eu viro arquiteta”. Hoje, Fernanda escolhe os projetos de paisagismo de acordo com a sustentabilidade e a intenção, mas nem sempre foi assim.
GANHO DE EXPERIÊNCIA… E DE PESO
Ao terminar a faculdade, o sonho de Fernanda era trabalhar com patrimônio e restauro, mas conta que essa área era incipiente e, com um filho de cinco anos, precisava pagar contas… muitas contas. Quando ainda estava no Dafam, ela indicava estagiários para inúmeros escritórios de arquitetura. Em 2004, o paisagista Gil Fialho, que trouxe o conceito de paisagismo tropical e atua no litoral norte do Estado, chegava em São Paulo para abrir seu escritório. Ele precisava de um estagiário para montar e desmontar o estande dele na CASACOR — maior mostra de arquitetura, decoração e paisagismo das Américas. Fernanda arriscou-se a personificar essa necessidade. Se deu bem e ganhou uma oportunidade de carreira. Ela pesava, então, 50 quilos.
Nos três anos em que ficou no escritório, o negócio se expandiu para além do litoral e cresceu muito. Fernanda coordenava cronogramas, prazos, fazia a organização financeira e atendimento. “Daí o Gil foi para o caminho do paisagismo dos grandes escritórios e, de repente, aquilo não fez mais sentido para mim. Eu queria paisagismo de mata atlântica.” Neste momento, a balança indicava 60 quilos.
Então, em 2007, por sugestão do pai, ela decidiu abrir um escritório próprio, no fundo da loja de decoração da mãe. Era uma casa grande, com um quintal de 300 m². Ela e outra arquiteta faziam paisagismo e cuidavam de uma floricultura.
Menos de seis meses se passaram quando Fernanda foi acionada por um cliente que atendera no escritório de Gil. Havia problemas em um projeto de uma casa costeira, em Paraty.
Por questão ética, Fernanda não queria executar o jardim. No fim, a convidaram para ser a consultora de toda a área externa da obra. “Quando cheguei lá, aquilo parecia uma Serra Pelada. Eram 5 000 m² de terreno detonado. Mas naquele momento, eu ainda achava que aquele paisagismo, feito naquele lugar, era legal”.
O escritório de São Paulo foi mantido e cresceu para atender projetos sob o conceito de paisagismo simplificado para HMP (Habitação de Mercado Popular) e HIS (Habitação de Interesse Social) da Atua Construtora, uma das primeiras que fez projetos do programa federal de habitação popular Minha Casa, Minha Vida. Em um ano, Fernanda empregava três arquitetos e uma bióloga. A floricultura ficou voltada para eventos e networking com áreas de marketing.
Semanalmente, ia a Paraty. Depois de quase ser presa duas vezes na obra, descobriu que a casa não seria legalizada porque estava contra todas as legislações urbanas. “Naquela época, caiu minha ficha sobre a questão de mata nativa”, diz. Ela fala mais a respeito:
“Quando a obra acabou, vi que não era aquele tipo de profissional que eu queria ser. Não era aquele tipo de arquitetura e paisagismo que eu queria fazer. Me deu uma pane!”
Prestes a voltar para São Paulo, foi convidada pelo diretor de Arquitetura da Prefeitura de Paraty para ficar na cidade e pegar um trabalho. Em três meses, Fernanda já tocava três obras.
OS BAQUES E OS IMPREVISTOS DE EMPREENDER
Assim, em julho de 2008, aos 65 quilos, Fernanda e o filho se mudaram para Paraty. “Comecei a trabalhar com urbanismo e patrimônio. Fui estudar legislação, Plano Diretor e o Iphan, porque 80% da área da cidade é conservada.” Ela montou um escritório com três jardineiros, uma secretária e manteve a estrutura em São Paulo, que continuou com a parte de desenhos. Por fazer a parte de legalização de grandes projetos, afirma que ficou conhecida na cidade como “a arquiteta paulista que conseguia viabilizar projetos”.
Em 2010, contava com dez pessoas nos dois escritórios, que cuidavam do projeto de duas ilhas em Angra dos Reis (RJ). “Aos 30, eu estava me achando! Só que começaram a acontecer coisas muito complexas e nem eu, nem minha equipe tínhamos maturidade. Perdi o controle das contas.” Em 2011, foram três baques seguidos: um calote de uma construtora em uma obra importante, outro da Virada Digital (da qual Fernanda foi a responsável técnica em sete cidades) e o roubo de um notebook com seis projetos paisagísticos importantes. Para não se queimar como profissional, ela conta que pagou tudo do próprio bolso.
“Em seis meses, o que eu tinha construído ruiu como um castelo de areia. De 200 mil de faturamento, passei para 300 mil de dívida. Quando quebrei, já estava com 70 quilos”
Neste momento de dificuldades, ela foi convidada por um amigo e vizinho para um workshop de meditação budista. Aceitou e afirma que isso acabou salvando sua vida. “A partir dali, fiz vários cursos. Só que eu tinha vergonha. Fazia escondido e não falava para ninguém.” Quando cogitou voltar a São Paulo e pedir ajuda aos pais, Fernanda foi acolhida pela cidade de Paraty. Ofereceram uma casa para ela ficar temporariamente e uma sala de trabalho. Na sequência, recebeu uma proposta de Marco Antônio Gama, arquiteto da cidade, para ser sua sócia. A vida voltou a fluir. Ou era isso que ela pensava.
Morando em uma casa no centro histórico da cidade, com mais dois amigos bastante ativos no ecossistema de inovação, Fernanda passou a realizar workshops de meditação: “Como não havia casa terapêutica em Paraty, eu e um grupo de facilitadores nos reuníamos ali. Minha casa virou um local de cocriação e meditação”. Só que no começo de 2013, Marco Antônio, que assumira a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, pediu ajuda à Fernanda para estruturar a pasta. “Não tinha como negar para ele. Aceitei ser coordenadora técnica das áreas verdes. Entrei na prefeitura já pesando 80 quilos.”
Tanto Fernanda quanto Marco Antônio eram técnicos e sem filiação ou envolvimento em política partidária. Em seis meses, conta ela, conseguiram montar um dream team, reativaram o Conselho da Cidade e as associações. “Comecei a gostar, mas, financeiramente, não estava confortável”, lembra. Porém, acabou por assumir a posição de Secretária porque Marco Antônio afastou-se do governo. “Era uma boa oportunidade profissional, eu estava com 34 anos e o salário era bom. Só que era um cargo político e, de 33 secretários, apenas três eram mulheres.”
No começo, apesar dos pesares, tudo ia bem. No entanto, com a campanha eleitoral de 2014, as pressões dos partidos políticos apertaram e os ataques à Fernanda também. “Fui super julgada tanto por ir para a política como, dentro dela, por não me filiar a um partido. Neste ponto, estava muito descompensada emocionalmente, perdi a linha com o Secretário de Obras e cheguei aos 92 quilos. Fiz um check-up e deu pré-diabetes. Pensei que se não dava conta das águas do meu corpo, como daria conta das águas da cidade? Isso é permacultura, a minha base.” A solução foi partir para um retiro de yoga, arte e música em Piracanga, uma comunidade e ecovila holística no litoral sul da Bahia.
Ao voltar, Fernanda estava decidida a sair daquele ambiente. A exoneração demorou ainda cinco meses. Ela decidiu ficar em Paraty em um ano sabático para poder voltar a São Paulo com saúde. A partir daí, resolveu fazer só o que a deixava feliz: aquarela, praia, corrida. Modificou a alimentação radicalmente e, em um ano, perdeu 15 quilos. “Só que estava muito difícil viver lá. Era frustrante ver tudo o que eu tinha feito ser alterado. Cheguei à conclusão de que o que eu acreditava e tinha aprendido a fazer era impossível.”
COM A SAÚDE DE VOLTA, O COMEÇO DO QUINTAL
Quando, finalmente, voltou à sua cidade natal, em fevereiro de 2015, Fernanda já era formada em Medicina Quântica e Massoterapia. Totalizava também menos 25 quilos. “Voltei para o quintal da loja da minha mãe e comecei a prototipar ideias. Produzi shows, exposições de arte, workshops de meditação, cozinhei. Passei a reunir um grupo de empreendedores conscientes e, de repente, o quintal virou um espaço terapêutico e de arte cocriada.”
Após seis meses, perdeu mais 10 quilos. Até então, voltar à arquitetura estava fora de cogitação. Fernanda deu conta de tocar o “espaço-quintal” durante um ano e meio só com as terapias. Com ajuda de uma hostess e um terapeuta fixos, montou um coworking e um sistema de rodízio de salas nos moldes do que via no mercado. Assim, um segundo círculo de seis pessoas usava o espaço em esquema rotativo. O nome Quintal das Flores e o conceito de práticas integrativas vieram naturalmente, assim como a logomarca, criada por Teresa Maita, professora de aquarela de Fernanda.
“Eu não fazia a menor ideia de que existia o termo ‘integrativo’ na medicina. Queria integrar tudo o que eu fazia”
Sem perceber, Fernanda deixou de ser terapeuta e estava, de novo, na função de gestora. Desentendimentos sobre o uso e a propriedade da marca Quintal das Flores separou o grupo e decretou o fim daquele espaço. “Quando a galera espanou, eu colapsei. Dessa vez, emagreci. Passei a pesar 45 quilos. Não me achava mais arquiteta, nem terapeuta ou gestora. Aí, realmente entrei naquele buraco do limbo. Fui para o fundo do poço emocional” diz.
Ela partiu para Santa Catarina em busca do apoio da professora de Física Quântica Isabel Cristiana Otto, que a aconselhou a procurar um trabalho fixo e a alertou para o fato de que tudo fluiria melhor se integrasse os conhecimentos de arquitetura com as terapias.
Foi, então, a vez de São Paulo acolher Fernanda. Uma forte rede de amizades a levou para um trabalho na agência de eventos Vitamina para reestruturar e estancar a parte financeira. Um apartamento mobiliado foi posto à disposição dela por um amigo que se mudara para o exterior. Paralelamente, as pessoas queriam continuar as terapias. Logo, Fernanda atendia dez pessoas em casa: às 7h, antes de ir trabalhar, e às 20h, depois que voltava da agência.
Além disso, foi apresentada a Milton Scarlati, seu atual professor de Tantra Taoista: “Com ele, aprendi que uma das coisas erradas do pessoal da sustentabilidade é que é todo mundo duro! Isso é a Roda da Abundância desequilibrada”.
“Comecei a pensar em como trazer qualidade de vida e equilíbrio financeiro. Não adianta a gente querer salvar o planeta, a natureza e as pessoas, se você não paga as contas!”
O atual modelo conceitual do Quintal das Flores apareceu no Réveillon de 2016, quando Fernanda foi chamada por Jorge Ferreira e Marko Brajovic para uma série de experimentações na Aldeia Rizoma, área privada em Paraty, onde instalaram, juntos, uma agrofloresta. A arquitetura achou o caminho de volta até Fernanda.
Ao mesmo tempo, ela percebia que havia muita gente que fechava dez sessões de massagem mas, no meio do processo terapêutico, sentia vontade de conversar e trazer dilemas de negócios, reformas de casa etc. A derivação do Paisagismo Interno como um programa estava ali.
Com tudo pelo que passou, Fernanda decidiu recomeçar devagar. Estabilizou seu peso corporal há um ano e meio e pretende abrir, em breve, um ateliê que abrace tudo o que o Quintal das Flores oferece. Segundo ela, as terapias e os projetos de paisagismo já têm metodologia e foram sistematizados financeiramente. O objetivo, agora, é fugir da inovação que não respeita a legislação e que cresce sem consistência, conta. “Costumo dizer que atrás de um CNPJ sempre tem um CPF. E esse CPF tem que estar saudável! Aprendi isso a duras penas”, diz Fernanda, 55 quilos e florindo.
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