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“Futurismo além do bullshit, ou como parar de combater o futuro e negociar com ele”

Denis Chamas - 19 jul 2019
Denis Chamas trabalha pela busca de soluções não convencionais para aceleração de futuros desejáveis.
Denis Chamas - 19 jul 2019
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por Denis Chamas

Alguns anos atrás foi criado um hype sobre futurismo. Fala-se muito sobre tecnologias exponenciais, biohack, robôs e a tal inteligência artificial. Me recordo claramente como ao embarcar nessa jornada tão inspiradora, me senti profundamente frustrado, pois nada se conectava de forma mágica com meu trabalho — o de estratégico de plataformas digitais dentro de uma mega corporação.

Ok, mesmo não parecendo um tema tão distante desses vindos do futuro, as coisas simplesmente não se encaixavam e, no final das contas, sempre poderia mostrar um impressionante vídeo de um robô humanoide, inspirar todo mundo, mas eu falhava miseravelmente em mostrar por que era importante abraçar um projeto assim, apontar de onde vinha o ROI e traduzir as oportunidade que pareciam tão distantes em um business case que gritasse aumento de share.

Resolvi estudar e construir um pequeno framework para dar espaço a projetos de futurismo ou foresight (para usar o termo mais preciso dentro das organizações). De forma resumida funciona assim:

1) Olhe em volta

Pegue uma folha A3, um flipchart ou qualquer coisa que esteja à mão e comece a organizar quem está ao seu redor na empresa em três critérios: seus aliados, pessoas a convencer e supertrunfo.

Seus aliados são basicamente as pessoas sobre as quais você tem algum tipo de influência e podem te ajudar a destravar negociações, apoiar, dar feedbacks e fazer seu trabalho melhor. Elas também podem te fazer um grande favor: marcar uma reunião com aquelas figuras do grupo 2, as que precisam ser convencidas.

As pessoas que precisamos convencer geralmente são influenciadores ou donos de processos chaves. Você precisa se esforçar um pouco mais para traduzir suas ideias e projetos para a “língua” que elas falam e garantir que a mensagem foi passada, conseguir um sinal verde e, quem sabe, convertê-la para seus aliados.

O terceiro grupo é basicamente a peça chave do negócio, um líder tribal que é seguido, respeitado e, algumas vezes, até temido. Ele é o turbo que seu carro 1.0 precisa e, ter essa companhia ao seu lado nos momentos certos (afinal geralmente as agendas dessas figuras são bem restritas), pode fazer toda diferença.

2) Olhe em volta novamente

Temos uma tendência enorme a achar que se nós não conseguimos fazer algo  na empresa, ninguém consegue. Outro mito é que já sabemos tudo o que existe sobre artes, moda e tudo mais que há de importante por aí. Não é bem assim. Meu convite aqui é que você visite regularmente sites de bureaus de pesquisa de tendências.

Saber o que vem por aí em futuros iminentes pode ajudar muito a formatar os produtos e estratégias de marketing e parar de copiar os concorrentes mais ousados ou esperar uma intervenção divina do time global, não é mesmo?

Recomendo visitar o site da Box 1824 (que já saiu aqui no Draft) e do The Future Laboratory para começar. Esse tipo de embasamento vai te escorar quando você for perseguir uma grande ideia e dar mais clareza sobre o caminho que quer trilhar.

3) Fale sempre de futuros plurais

Lembra daquele velho chavão da bala de prata? Então, é mais ou menos por aí. Corriqueiramente projetos “futuristas” vêm acompanhados de um desafio de negócio do tipo: “Precisamos construir o Uber do (complete com seu ramo de atuação), que vai resolver todos nossos problemas e salvar nosso bônus”. Nessa hora lembre-se de que o Uber existe, mas temos ônibus, táxi, metrô e flertamos com o hyperloop.

Futuros são plurais, assim como o mundo em que vivemos. Aqui fica um desafio maior ainda: na sua cidade, no seu bairro, ou ainda dentro da sua empresa, o que você tem de tão peculiar que poderia resolver, ganhar alguma escala e virar um novo negócio?

Observe como a América do Norte evoluiu assustadoramente na logística e nas plataformas digitais a ponto de construir a Amazon Prime e, na América do Sul, com um cenário maluco de last mile, foi criado um ambiente perfeito para o surgimento de algo como o Rappi.

É exatamente sobre isso que estamos falando. A referência bibliográfica deste conceito é o gráfico de Quatro Futuros de James Dator, da Universidade do Havaí. Esse exercício simples é extremamente poderoso para avaliar em uma perspectiva prática o rumo que vamos dar para nossos negócios e onde vamos gastar mais ou menos energia.

4) De onde nasce o novo

Um caminho cada vez mais frequente para buscar novidades é a inovação aberta.

Buscar startups e colar nelas para ajudar a dar um pouco de gás no transatlântico corporativo é uma estratégia louvável, porém nem sempre suficiente

Quando digo suficiente, penso em uma corporação com fome de mudança e no meio de uma transformação de negócio. Aí que as coisas ficam interessantes. Startups que têm esse potencial transformador, no geral, tracionam relativamente rápido, e isso quer dizer que elas não vão ser compradas por qualquer dinheiro que seu fundo de VC ofereça.

Mais do que isso, elas vão te impor regras e fazer você criar uma dependência do serviço que prestam. Portanto, você vai precisar ir mais fundo ainda para conseguir encontrar tecnologias. O caminho que sugiro é usar o Google. Calma, estou falando mais precisamente de duas ferramentas que eles permitem uso gratuito: o Patents e o Alerts.

Em uma, você vai conseguir fazer, ao toque de um botão, uma busca em uma base colossal de patentes sobre os temas que te interessam e entender quem e como está sendo imaginado o que vem por aí bem antes de este futuro estar embalado numa caixa preta e com um logotipo bonitão.

Na outra, você tem no seu inbox um monitoramento de assuntos chaves e pode acompanhar sua evolução dia a dia esperando a hora certa para agir.

5) Sinais

Este talvez seja o conceito mais poderoso quando falamos de estudos do futuro. Um sinal não é “Inteligência Artificial”. Um sinal é “Robô conectado à nuvem é campeão em programa de perguntas e respostas da TV”. E quanto mais maluco possa parecer, melhor. Entender, treinar o olhar e saber o que esses sinais estão nos dizendo é fundamental para processá-los e construir cenários através deles.

Criar uma rotina, organizá-los, registrá-los e, se possível, fazer isso em grupo é chave para qualquer organização que pretende olhar para o futuro de forma perene e apostar as fichas em inovação radical. Ao passo que a prática e os clusters ficam mais carregados de sinais, você e seu time começam a ser capazes de combinar essas informações e construir o que chamamos de artefatos do futuro.

Recuperando o exemplo anterior, imagine um robô especialista em ganhar programas de auditório, combine ele com as possibilidades que o 5G traz e traga para a perspectiva dos vendedores de rua da sua empresa. Será que eles não poderiam ter um dispositivo capaz de responder todas as perguntas possíveis sobre atendimento, portefólio, vendas e recomendações no campo sem titubear e otimizar a cadeia? Me parece que sim, e a parte mais legal disso é que você e sua equipe poderão construir esse tipo de produto ou serviço.

6) Tudo isso em quanto tempo?

Quando aplicamos modelos e construímos cenários, imaginamos jornadas de ao menos dez anos. Sejamos realistas, estamos buscando construir coisas complexas, que dependem de muito suor, pesquisa, desenvolvimento e teste.

Acomodar, sempre que possível os black swans, aqueles fatores aleatórios que aparecem e mudam totalmente um contexto que parecia sob controle, também não é uma tarefa simples. Portanto, trabalhar com futuros não é modinha, é compromisso.

Não se trata de um caminho em que você planta uma semente e só vai vê-la florescer após uma década. Quando se traçam os cenários e começamos a persegui-los, é comum termos grandes aprendizados e mudanças ao longo da jornada. Quiçá, alguns entregáveis que permitem movimentos estratégicos para criar resiliência e momentum.

Ter tudo isso muito claro é crucial para construir um negócio future ready e talvez o maior desafio para seus sponsors.

Ao passar por todas as etapas anteriores, você consegue gerar bons insumos para fortalecer oportunidades, criar uma linha de raciocínio, fazer algumas estimativas de números e obter mais poder de persuasão para vender ideias não usuais. Se estiver afim de romper a inércia, vá mais fundo e crie cenários especulativos que agradem ou causem paura no board.

Fique à vontade para discordar, pular etapas e especialmente dar sua cara ao processo. Vai ficar tudo ainda mais rico, afinal se vivemos em um mundo pós-normal, obviamente não vai ser um passo a passo que vai resolver todos os problemas. Mas talvez já seja um ponto de partida para parar de combater o futuro e passar a negociar com ele.

 

Denis Chamas, 35, é especialista em Inovação Radical pelo MIT,certificado pelo Institute for the Future em Foresight Estratégico e professor. Seu trabalho é marcado pela busca de soluções não convencionais para aceleração de futuros desejáveis para pessoas e organizações.

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