A baiana Gal Barradas viveu 30 dos seus 53 anos na cidade de São Paulo. Por isso, ela gosta de brincar que é “soteropaulistana”.
Formada em administração, ela construiu uma sólida carreira em publicidade, em especial na área de Marcas e Negócios (na frente de Gal é proibido usar o termo “Atendimento”): “Sempre tive a cabeça estratégica e trabalhei muito bem tanto com os criativos quanto com as pessoas de planejamento”.
Em 2018, Gal cunhou um novo conceito de construção de negócios: brand & venture. Traduzindo: aporte de conhecimento em comunicação e posicionamento de marca – que, para ela, é sinônimo de negócio – em troca de ações na empresa, como se fosse um investimento de risco. É isso que faz a Gal Barradas Brand & Venture, que conta com três empresas no portfólio – Quinta Valentina, Zeka e Disruptors (a ser lançada em breve) – e uma saída – Viva10. Além disso, em 2021 Gal se tornou investidora-anjo da Uncover.
Ela começou sua trajetória recém-formada, estagiando na agência de Duda Mendonça, na Bahia, a DM9 Propaganda. Passou um ano e meio em Paris, fazendo uma especialização em semiótica; de volta ao Brasil em 1992, recebeu o convite do ex-chefe para trabalhar com ele na Duda Mendonça & Associados, em São Paulo.
Em 1995, Gal empreendeu a Manga Rosa, uma das primeiras produtoras multimídia do Brasil. Depois, ao longo de 16 anos (entre 1997 e 2013), ela atuou como executiva em grandes agências, e fez o reposicionamento que transformou o negócio da F.Biz e levou à venda dela para o Grupo WPP. Em 2014, voltou a empreender e fundou a agência BETC, da qual foi co-CEO por quatro anos.
Gal também é reconhecida também como ativista, em especial da igualdade de gênero. Foi responsável pelo projeto Woman Interrupted, aplicativo que indica quantas vezes uma mulher é interrompida por dia, e coordenou a campanha para divulgar a Lei do Minuto Seguinte, que garante o atendimento imediato e integral pelo SUS às vítimas de estupro.
As histórias são muitas… todas ricas e interessantes. Leia a seguir a conversa entre Gal Barradas e o Draft:
Você é formada em administração e tem uma sólida carreira na propaganda. Chegou a cogitar fazer faculdade de comunicação?
Não, porque não tinha na Bahia! Mas eu queria fazer administração, porque sempre tive na cabeça que ia fazer negócios. Eu me lembro de coisas da minha infância que mostram que eu seria exatamente o que eu sou hoje!
Por exemplo, eu era muito ligada no que as marcas queriam dizer… Você lembra da bala Soft? Eu era pequena e não falava inglês, então perguntei à minha mãe o que queria dizer soft? Quando ela disse que era “macio”, aquilo deu um tilt na minha cabeça. Como uma bala tão dura pode ser soft? (risos)
Me lembro de pegar as almofadas da sala e montar bancas de revista; de pegar os canhotos dos talões de cheques da minha mãe, refazer e passar cheques; de andar com uma pasta na mão…
Quando começou seu contato com a tecnologia?
Minha mãe – que foi a primeira mulher a se formar em arquitetura, na Bahia e, depois, se tornou educadora – sempre teve uma cabeça muito à frente do tempo.
Quando eu estava no terceiro ano [do Ensino Médio], em 1985, abriu o curso de informática, em Salvador e ela falou que eu e minha irmã iríamos fazer porque aquilo era o futuro
Eu me lembro de ter aula de BASIC 1 e 2 [linguagem de programação criada com fins didáticos]. Aquilo era muito fascinante, então pedi e ganhei de aniversário um computador: tinha curiosidade de saber para que ia servir e como seria aplicado na nossa vida prática…
Sempre fui ligada na onda que estava vindo, em aprender para surfar esse negócio. A Manga Rosa, por exemplo, não foi algo que eu “precisava” empreender.
Eu estava trabalhando com o Duda Mendonça, numa boa, e começou um movimento de mercado em torno do que na época se chamava multimídia – as primeiras apresentações com hyperlinks, os CD-ROMs
O meu amigo Claudio Souza, um diretor de arte visionário, me chamou para fazer o negócio. Ele me disse: “Eu tenho um amigo, que trabalha na Packard Bell [então um dos maiores vendedores de computador de mesa no Brasil] e acho que a gente tem de ir lá conversar com ele, porque esse negócio de computador e internet é o futuro, é um caminho sem volta”. Fomos e eu apostei nesse negócio levada por esse convite.
E, de fato, [a Manga Rosa] foi uma empresa de sucesso enquanto existiu, entre 1995 e 97. Fizemos muitos trabalhos, desenvolvemos a loja interativa do Mappin, fizemos relatórios de fim de ano para bancos, porque para eles era fascinante customizar o relatório em CD-ROM, abrir uma janelinha e atualizar os dados via modem.
Fizemos também muitas apresentações corporativas que juntavam texto, vídeo e áudio, porque embora o PowerPoint já existisse, ele não era difundido e era caríssimo. Meu assunto era como usar a tecnologia no mundo da comunicação.
Ali ainda era a tecnologia desassociada do que é hoje um mundo hiperconectado, com modelos de negócio que partem da tecnologia para chegar até as pessoas, certo? Esse mindset de usar a tecnologia para conectar as pessoas veio a partir de quando na sua carreira?
Em 2000, quando fui para a AgênciaClick [comprada pela Isobar em 2007], que tem o mérito de ter sido a primeira agência digital do Brasil. Pedro Cabral queria trazer mais pessoas do ambiente publicitário para lá, para sair de um modelo de trabalhar por jobs e passar a trabalhar com contas, relacionamentos de longo prazo, visão estratégica.
Ali era tecnologia mesmo, então a gente fazia portais B2B grandes, produtos de tecnologia e havia uma área criativa muito competente. Como eu era de Novos Negócios, transitava entre as duas áreas [tecnologia e criação] e me letrei em tecnologia. Fiquei pouco tempo lá, mas aprendi pra caramba
Quando me indicaram para a F/Nazca, ZipNet era a segunda maior conta da casa e eles precisavam de alguém que entendesse de internet para atender essa conta. Logo depois, assumi o grupo de Skol – a primeira marca de consumo que teve site e fazia integração dos conteúdos digitais com eventos.
O meu letramento da nova internet foi na Agência Click, mas colocar aquilo em prática – como funcionava a mídia digital, criar coisas inovadoras a partir de tecnologia, material de ponto de venda, para eventos e mídia – foi na F/Nazca.
Em 2007, você se tornou vice-presidente da MPM Propaganda, onde cuidava de todo o negócio…
Essa foi a única razão pela qual eu saí da F/Nazca – buscar um lugar onde pudesse fazer uma ascensão. Quando cheguei na MPM, Nizan Guanaes e o grupo ABC queriam se posicionar como um grupo 360º. Lá já tinha a Hello, uma agência digital, mas eles mesmos não compreendiam isso direito. Achavam que a Hello era uma produtora porque o formato conhecido para o digital era o de produzir um job e terminar, e não de pensar estrategicamente, cuidar globalmente da presença digital.
Naquela época, era comum as grandes agências cuidarem da marca – propaganda, publicidade, posicionamento – e as produtoras digitais fazerem os serviços e traquitanas digitais.
Quando você olhava o que as grandes empresas faziam no ambiente digital, não tinha nada a ver com o posicionamento da marca, pareciam dois mundos completamente diferentes! Inclusive com coisas no digital que corrompiam a percepção da marca. Era uma aflição para os clientes lidar com os dois mundos.
Eu identifiquei esse espaço vazio e me propus a criar um negócio que fosse justamente a ponte… em que eu traduzisse os posicionamentos das marcas para o ambiente digital – transformando o digital em algo estratégico para as marcas
Saí da MPM e me joguei de paraquedas no mercado, sem ter para onde ir. Fiz o projeto e fui conversar com alguns amigos de mercado. Uma amiga sugeriu que eu fosse falar com um amigo dela, um cara de tecnologia que empreendia na área. Era o Marcelo Lacerda, cofundador da F.Biz.
Ou seja, você levou tudo que aprendeu para reposicionar a F.Biz, até que ela fosse vendida para o grupo internacional WPP?
Foi assim: fui tomar um café com o Marcelo. Ele me disse que não tinha interesse em investir numa startup de pessoas porque o negócio dele era tecnologia. E a publicidade sempre foi um negócio de work force humano. Aí ele falou: “Você tem um projeto empresarial que contém uma F.Biz. E a F.Biz está procurando uma Gal. O que você acha da gente se juntar?”.
Eu topei, fiz um mergulho para entender o que era a F.Biz – uma empresa muito competente, sólida, com grandes cases, mas que não se posicionava como uma grande empresa, não contava essas histórias para o mercado. Era muito fechadinha no mundo dela.
O Marcelo me deu o seguinte desafio: “Gal, eu preciso que a F.Biz se transforme na grande agência da era digital e, daqui a três anos, quero vender essa empresa para um grande grupo multinacional”
Fiz um plano que continha um projeto de reposicionamento da marca – que para mim é o próprio negócio –, como essa proposta de valor se traduzia em estrutura, em modelos de precificação, conversão, lucratividade e como seria a comunicação disso para o mercado.
Tudo ia acontecer no final do terceiro ano. Eu entrei lá em 2010 e a gente dobrou o tamanho da empresa em um ano, o que chamou a atenção da WPP, que já tinha negociado com a F.Biz no passado e não tinha dado certo.
Na reestruturação da empresa, ficou claro que a F.biz brilhava em tudo que se referia a tecnologia, performance e analytics. Faltava a competência estratégica de posicionar marcas para o ambiente digital e posicionar o digital para as marcas – mostrar a missão de cada um daqueles canais e plataformas.
Foi isso que a gente conseguiu fazer em um ano. E assim, vendemos a empresa… foi a maior venda de uma agência digital na América Latina.
Como e por quê você se envolveu com ativismo feminista?
Eu vou voltar no tempo… Minhas avós e avôs foram pessoas muito especiais. A mãe da minha mãe era empreendedora, tinha uma fábrica de doces e licores. Ela chegou a fornecer para as nove casas de chá que existiam em Salvador. Eu achava aquilo incrível porque imagina, era uma época em que só os homens mandavam.
Minha mãe tem quatro irmãs e todas sempre tiveram suas carreiras, trabalharam. Minha mãe também foi empreendedora – era dona de escola. Então, inconscientemente, isso constrói uma imagem na cabeça da gente. Aliás, tiro o chapéu para os homens da minha família, porque nunca foram repressores, sempre incentivaram as mulheres!
Quando virei alguém nesse mercado, estava na F/Nazca. Sempre que vinham me entrevistar, perguntavam: “Como é conciliar a sua vida de mãe de gêmeos com trabalho?” Eu achava repetitivo. Não tinha noção do que significava essa pergunta, nem como me posicionar frente àquilo. Com o meu espelho [familiar], eu simplesmente ia fazendo, vivendo, batalhando…
Já como vice-presidente da MPM, me chamavam nos eventos para falar sobre igualdade de gênero. E comecei a perceber que a maioria das pessoas não sabia por que isso era importante. A maioria achava que é uma questão social e não é só isso. É uma questão socioeconômica.
Até hoje, dentro de grandes empresas, muitos homens e mulheres não sabem disso: a diversidade é importante porque você amplia a sua capacidade, visão de riscos e oportunidades, você espelha um mercado diverso
Se você tem diversidade, tem um ambiente mais justo, tolerante, criativo – e isso impacta em resultados. Esse era um discurso difícil de pegar na época, porque não havia mensuração. Hoje tem.
Em 2014, como CEO da BETC abriu-se para mim um outro networking. Comecei a ser chamada para participar de grupos de lideranças femininas e fui tendo acesso a dados da realidade brasileira. Aquilo encaixou na minha cabeça como uma coisa de impacto muito maior do que eu imaginava.
Em 2017, na BETC você encabeçou o projeto do aplicativo Woman Interrupted App, que analisa conversas do dia a dia e informa quantas vezes a mulher foi interrompida. O app já foi baixado em mais de 100 países. Como foram os bastidores desse desenvolvimento?
A BETC é uma referência na França. É o maior negócio do grupo Havas e foi fundada no princípio da igualdade de gênero. Tem por exemplo gatilhos de equiparação salarial automática quando detecta diferença de valores pagos em uma mesma função. As unidades procuram sempre que haja dois co-CEOs – um homem e uma mulher.
Aliás, foi por ter sido alimentada por Mercedes Erra e por Rémi Babinet que eu promovia encontros com mulheres, dava palestras. Mas eu queria fazer alguma coisa que marcasse essa posição da agência e que não fosse uma campanha, um flash. Eu queria algo mais perene.
Em um brainstorming com o pessoal da criação surgiu o assunto do manterrupting. Ele estava em voga porque o Donald Trump tinha interrompido a Hillary Clinton 51 vezes no debate de 2016. Puxando o fio da meada, achamos o caso do Kanye West tomando o microfone da mão da Taylor Swift, no MTV Video Music Awards de 2009
Jornalistas são loucamente interrompidas pelos colegas de bancada, ao vivo. Estudando o assunto, a gente viu que era um termo já conhecido no mundo inteiro e seria um bom tema para trabalhar. Como o smartphone é a extensão do nosso braço, tem microfone, surgiu a ideia de desenvolver o aplicativo em parceria com a Brave, uma produtora digital.
Em 2018, você coordenou a campanha pela Lei do Minuto Seguinte, que garante o atendimento às vítimas de estupro pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Como se deu isso?
Quando saí da BETC, era uma das vice-presidentes da ABAP e o Ministério Público Federal em São Paulo começou a receber várias denúncias de que a lei não estava sendo cumprida.
Existe uma crença geral de que para a pessoa ser atendida em caso de estupro, ela precisa primeiro fazer o boletim de ocorrência.. e é mentira! A palavra basta. Ela vai chegar em qualquer hospital público ou conveniado ao SUS e tem o direito de receber acolhimento psicológico, o kit anti-DST e a pílula do dia seguinte
Era preciso uma campanha para divulgar a existência da lei, para que fosse cumprida. O MP-SP nos pediu ajuda por termos um poder de articulação grande no mercado. Então, fiz essa gestão pela ABAP de achar a agência que desenvolveu a campanha, conversar e conseguir espaço nos veículos.
O MP deu seis meses para os hospitais se adaptarem. A campanha foi no Brasil todo. Acompanhei os resultados no primeiro ano, em São Paulo, e foram muito expressivos.
Mas essa lei quase não foi aprovada em 2013! Quando as pessoas perguntam “por que tem 30% de cota nos partidos políticos para mulheres?”… Gosto de botar os dados na mesa, então fui fazer um levantamento para entender se realmente as deputadas estaduais, deputadas federais e senadoras de São Paulo tinham uma agenda de políticas públicas para mulheres…. E elas têm!
O que acontece é que a maioria dos projetos de lei não é aprovada porque não há quórum: as mulheres são minoria absoluta e os homens não entendem o que não é prioridade para eles.
Pensando em temas como feminicídio e abuso sexual: por que marcas não se posicionam de forma mais ativa para desconstruir o machismo e combater a violência contra mulheres?
A resposta para isso é: a cultura do país. Quebrar uma cultura é muito difícil. Não é um assunto simples porque é ancestral e uma empresa não consegue, da noite para o dia, fazer essa mudança.
A empresa precisaria mudar muita coisa na sua própria cultura, antes de falar e fazer algo a respeito desse assunto. Precisaria inclusive se despir, atingir um nível de transparência com canais de denúncia… E a grande massa de empresas do país são as micro, pequenas e médias, que têm ainda mais dificuldades.
Muitas vezes, depois de eu concluir uma palestra, mulheres vieram falar comigo no palco, pra dizerem que tinham amado tudo o que eu tinha falado, que tinha sido incrível, mas que no dia a dia elas tinham de baixar a cabeça e fazer o que o patrão manda, porque se tocassem nesse assunto seriam demitidas
A nossa cultura ainda é muito machista e opressora. Basta ver o número de estupros – é uma pandemia. O feminicídio, o preconceito contra as mulheres… é uma loucura.
Estamos em 2022 e vemos autoridades falando barbaridades contra as mulheres. Que caldo cultural se forma disso? Não é fácil mudar uma cultura e precisa alguém querer, bancar e exigir um nível de comprometimento e de transparência.
Para que lado do ativismo feminista você tem olhado ultimamente? Qual é a bola da vez que você pretende chutar?
A primeira delas é que haja amparo legal. Eu só quero o cumprimento da lei – a igualdade salarial [artigo 461 da CLT]. No ano passado, o Senado aprovou um projeto de lei [PLC 130/2011] que coloca multas para empresas que não cumprem a regra de igualdade salarial.
O que que o presidente da Câmara fez? Pediu o retorno do projeto para reanalisar e revalidá-lo antes de seguir para sanção do Presidente da República. O projeto está engavetado desde abril de 2021.
É assim: quer reclamar? Começa pelo mais fácil, faça a lei ser cumprida!
Tem uma série de outras atitudes que mulheres podem tomar no dia a dia, para transformar a realidade do manterrupting. São pequenas atitudes que fazem grande diferença.
Por exemplo, você está em um nível de diretoria ou de gestão e participa de reuniões com homens? Não entre por último na sala e não se sente na última cadeirinha da mesa! Entre primeiro e sente no meio da sala.
A primeira vez que você tiver oportunidade de expor a sua ideia, coloque-a, porque os outros falam tanto que é capaz da reunião acabar e você não conseguir falar. Então, já surpreenda de cara. Quando abrir para as perguntas, seja a primeira a falar.
Na hora da foto do encontro, não aceite ser a pessoa que tira a foto. Isso é muito, muito recorrente! Um bando de homens se junta e a mulher, que é diretora igual a eles, vai lá tirar a foto? Que loucura é essa? Não aceite tirar foto!
Outra coisa, se você for interrompida na sala por um homem, não pare de falar. Siga falando, deixe ele falar por cima de você e continue. Uma hora ele vai parar. Não desista, porque é seu direito falar até o fim
Vá falar com o RH, se queixe e se ele for conivente com isso, mande um e-mail para a mulher mais poderosa da sua empresa e vá falar com ela. Talvez ela não seja a sua chefe direta, mas ela tem poder.
No Dia Internacional das Mulheres, se antecipe e vá logo falar para o RH que você não quer nem flores, nem desconto na depilação. Você só quer igualdade de direitos!
Diga: “Eu quero que abram o diálogo [na empresa] sobre igualdade salarial por função. Quero que tragam uma palestra para os homens ouvirem sobre por que o bônus deles seria melhor se houvesse diversidade ou igualdade de gênero na empresa…”.
Se antecipe aos problemas, não seja engolida por eles. E se vocês se unirem, pô, aí ninguém segura! Eles vão fazer o quê? Demitir todas as mulheres da companhia, se todas estão unidas? Cultura é exercício diário
Embora a discussão sobre esse assunto tenha começado no mercado de trabalho, ela é uma discussão da vida! Então, deveria começar no ambiente familiar e na escola para a pessoa já chegar no mercado de trabalho mais preparada para a luta.
Eu apoio uma empresa chamada Força Meninas. A fundadora Déborah De Mari teve esse insight: as meninas, quando empoderadas na infância, enfrentam muito melhor os problemas na fase adulta.
Essa empresa tem curso, oficinas para criar a cultura de levar essa conversa para o ambiente familiar. Já fizeram oficinas em empresas como P&G, Unilever, Uber.
Em 2018, você passou para o outro lado da mesa, o de investidora e brand builder, ou construtora de marcas. No mesmo ano, fundou a Viva10, uma fintech para serviços de saúde. Ela foi o piloto do modelo da Gal Barradas Brand & Venture?
Correto. Quando saí da BETC, não queria mais trabalhar em um modelo de agência tal como se conhece hoje. Queria fazer algo novo.
Em 2018, já existia a BETC Startup Lab porque entendíamos que o posicionamento da marca e a comunicação da startup é parte fundamental do sucesso do empreendimento. Fiz um trabalho na BETC, dentro dos moldes da BETC Startup Lab — prevê preço diferenciado para startup, mas não participação em equities — para Tamboro, software de educação corporativa em soft skills do Rio de Janeiro.
Aí pensei em sair da agência e mergulhar no mundo das startups e também no mundo de ciência de dados, porque sei que isso vai ser a base de qualquer otimização de negócios daqui para frente
Chamei o meu modelo de trabalho de brand & venture porque sou uma pessoa de marcas; fui aos amigos do mercado e todos disseram que a tese era boa e ficava em pé.
Uma das pessoas com quem conversei era chefe de um family office, que acabou investindo no Viva10. Ele me contou que tinha um projeto e perguntou se queria fazer com ele, e montamos o Viva10.
O nome já existia, mas não havia mais nada – posicionamento de marca, jornada de consumidor e a tecnologia não estava pronta. Fizemos tudo juntos.
O Viva10 foi, durante um tempo, a única proposta de valor daquele tipo. É um serviço para pessoas que não podem mais pagar um plano de saúde e que usam o SUS – para o qual só tenho elogios. O problema é que o SUS é subdimensionado para o tamanho da carência da população brasileira
Se a pessoa não quer ou não pode esperar o atendimento do SUS, pelo Viva10 ela pode ter acesso a uma consulta ou exame de qualidade por um preço muito menor, com todas as facilidades de pagamento, porque a startup trabalha com a vacância dos médicos e laboratórios.
Então, é um bom negócio para os dois lados: se o médico ou laboratório tem um horário vacante, ao invés de jogá-lo no lixo e ganhar zero por ele, pode cobrar um preço mais barato e conquistar um cliente que poderá voltar
Fiquei com o Viva10 durante dois anos. Optei por fazer a minha saída porque começaram a pintar outros projetos que eu achava que tinham mais a ver com a minha gama de conhecimentos.
Ao entrar de cabeça no novo modelo, você estranhou a dinâmica fora de uma agência? Sentiu diferença na forma de empreendedores de startups encararem a construção das marcas em relação ao jeito dos diretores de marketing em anunciantes tradicionais?
Sim, tem uma grande diferença inclusive porque a maioria dos empreendedores que vende tecnologia é muito mais focada no produto. Nem preciso dizer que eu acredito que aqueles focados na marca estão mais certos (risos)… no sentido de que darão mais sustentação para o crescimento, criarão uma cultura mais cedo, enfim este é o meu partido.
Eu vivi a diferença, mas não estranhei muito, porque já sabia que era assim. O que faço é explicar para eles o que é a marca.
A marca é a visão sustentável do negócio, é um ativo da companhia e mesmo que a empresa esteja dando prejuízo, ela continua gerando negócios. É como você cria relacionamento com as pessoas… elas compram o produto, mas se relacionam com a marca
Ao se relacionar com a marca, você está criando “advogados”, pessoas que são mídia para você porque elas indicam para os amigos e familiares. Elas compram e recompram produtos e serviços daquela marca, então, você está gerando fidelidade.
Parece que estou falando de comunicação, mas só estou falando de dinheiro (risos). Óbvio que precisa ter foco em um produto de qualidade, com precisão, segurança, mas jamais descuidar da construção da marca.
Como você se tornou investidora-anjo da Uncover, em 2021? Ser sócia de empresas de base tecnológica, com alto risco de insucesso, como são todas as startups, te assustou?
Eu trabalhava com as ventures e também atendia clientes, outras marcas no mercado, fazendo projetos diversos – aceleração de negócios, posicionamento de produtos, às vezes até posicionamento de marcas.
No segundo semestre de 2020, notei que se eu não tivesse a competência de ciência de dados dentro da minha empresa, com dois anos de vida ela estaria velha!
Eu tinha uma equipe fixa de duas pessoas e recrutava outros profissionais para projetos. E estava cada dia mais difícil achar pessoas disponíveis. Então, pensei em procurar uma startup, alguém que estivesse a fim de se juntar a mim.
Fui fazer um garimpo no mercado, mas não consegui fechar negócio com ninguém, porque empresas tracionadas já tinham seu plano de venda, e as pequeninas tinham medo de se juntar a uma pessoa como eu e virar outra coisa, queriam continuar focadas em produtos.
Até que o Marcelo Lacerda me ligou e disse que tinha conhecido “uns caras muito geniozinhos” e me convidou para colocar uma empresa de pé junto com eles. Era um projeto early stage já fazendo negócios aqui e ali, com um currículo impecável e eles precisavam de seed money.
Foi uma empatia total e imediata entre nós. Porque esse negócio de sócio é um casamento – você realmente precisa confiar muito no que a pessoa enxerga, precisa ter o mesmo ângulo de visão e querer estar junto da pessoa. Ser investidor-anjo é diferente do private equity, que não tem essa ligação e convivência
É um risco? Obviamente, mas eu acredito demais na Uncover, que é por si um negócio da ciência de dados e tem uma camada de serviços que atende as empresas e traça soluções para elas.
Temos objetivos ambiciosos e estamos trabalhando em produtos tecnológicos que, quando estiverem prontos, pretendem melhorar toda a cadeia – mas eu não posso falar mais sobre isso! (risos)
Na Gal Barradas Brand & Venture, até agora você construiu e se tornou sócia de quatro empresas. Porém, em 2020 teve um projeto de martech, a AIO, com o qual não seguiu adiante como parceira. Que aprendizados tirou dessa experiência?
Gostaria de registrar que eu fui convidada a fazer todos os negócios nos quais estou envolvida hoje, e me sinto muito grata e honrada de ter sido chamada por essas pessoas para participar.
Sobre a sua pergunta… Aquela coisa de que o empreendedor tem que tentar várias vezes para acertar uma é muito verdadeira.
Obviamente, eu já cometi erros dentro de cada uma das empresas que criei e fui somando os meus aprendizados, experimentado – isso é próprio do empreendimento
O que aconteceu com a AIO foi o seguinte: em 2020, eu falava sobre o modelo brand & venture e já tinha uma imagem no mercado de ser uma pessoa que veio do mercado tradicional de comunicação e soube fazer a virada.
O fato de eu ter lançado o livro Novas Questões, Respostas Diferentes: os desafios da comunicação nesta nova era, frente à natureza e à inteligência do consumidor, no fim de 2018, ajudou muito na construção da minha imagem nesse novo mundo.
O pessoal que é sócio do grupo controlador da AIO me procurou e disse que tinham muito conhecimento de hard tech, mas faltava para eles a camada do B2C. Vários clientes que eles atendiam em B2B, logo após o término de desenvolvimento do projeto perguntavam sobre B2C.
Então, eles sacaram que se entregassem a camada B2C com monetização e gestão de dados em uma única lógica continuariam a crescer dentro desses clientes. Para isso, gostariam de lançar a marca AIO no mercado – e queriam que eu tocasse essa área
Achei que fazia sentido ter um parceiro de tecnologia, unir o útil ao agradável. Esses empreendedores são pessoas com valores muito sólidos e um negócio muito bem construído.
Eu gostei muito deles, mas não enxerguei – e eles também não – que era um grupo que havia crescido organicamente e não estava preparado para fazer uma parceria com alguém que vinha do mercado, como eu…
O que deu choque foi o modelo de gestão, a visão de como avançar no mercado. Não foi nada pessoal ou ligado a valores, de jeito nenhum! Foram coisas operacionais do dia a dia
Como na AIO eu era empreendedora, esperava que muito do que sou, do que acredito, do meu jeito de trabalhar pudesse prevalecer, mas não aconteceu. O grande sócio-controlador tinha primazia sobre o modelo de gestão.
Aí chegou uma hora que aquilo começou a cansar a mim e a eles. Porém, fizemos muitos projetos bacanas juntos, ganhamos concorrências, foi bem legal.
Algumas semanas atrás, você postou sobre o metaverso em seu LinkedIn. Quais são suas apostas nesta área tão nova e desconhecida, que por outro lado é cheia de possibilidades? Este é um tema que você tem tido de explicar muito?
Sim! No final do ano passado, o Marcelo Lacerda reuniu um grupo de investidores brasileiros para viajar a Dubai e encontrar a galera da Magnopus [estúdio especializado em computação gráfica e realidade virtual].
A Magnopus vem a ser uma das maiores empresas de software de entretenimento do mundo e uma das que mais investem em metaverso. Ela havia feito a experiência imersiva na Expo Dubai [Expo Dubai Xplorer que permite experimentar o evento de qualquer lugar].
O Marcelo Lacerda, gentilmente, resolveu abrir esse grupo para sócios dele em outros negócios. Foi aí que entrei nessa viagem, que foi importante para eu entender melhor essa história.
Lá na Expo, eles mostraram o que tinham feito com realidade aumentada, uma das disciplinas envolvidas no metaverso. Voltei de viagem em dezembro, o Brasil estava acabado embaixo de chuva… Não quis postar [logo] sobre o metaverso com a minha terra embaixo d’água, porque não sou louca.
As pessoas me cobravam para eu falar sobre metaverso. Fui no grupo de amigos do WhatsApp falar, fui na casa de amigos dizer o que tinha visto e aprendido, e até em produtoras. Comecei a ver que as perguntas se repetiam. Decidi fazer um apanhado das dúvidas e postar sobre elas.
O metaverso já é uma realidade no multiverso. É que as coisas ainda estão separadas. Quando a gente tiver servidores e cloud suficientes no mundo para que tudo isso opere em conjunto, nós de fato estaremos em metaverso
E não vai ter como não estar! Você consegue se imaginar hoje sem WhatsApp? Sem entrar no serviço online do seu banco? Não! Antes, parecia tudo absurdo, irreal, impossível.
Para mim, o que existe de mais útil e que realmente já tem valor percebido é o blockchain. Eu concordo muito com o artigo do Igor Pugga sobre NFTs.
O bitcoin é baseado em blockchain, só que tem uma profusão de negócios bons e ruins baseados em bitcoin. É a mesma coisa com o NFT – neste estágio inicial, tem muita inutilidade em torno e é o que o Igor denuncia lá no artigo dele.
Quando penso que peguei a TV preto e branco, me lembro do dia em que vi uma TV colorida pela primeira vez e estou aqui agora falando sobre metaverso e possivelmente estarei produzindo em metaverso como profissional… é muita coisa (risos)!
A tecnologia, às vezes, assusta, mas ela não é um elemento da natureza, foi desenvolvida por nós. Sei que parece clichê, mas não é: a tecnologia tem que servir para resolver os nossos problemas – práticos, de sustentabilidade…. Eu gostaria que as pessoas que ainda temem a tecnologia mudassem o ângulo de visão, entendendo que tudo é feito para o ser humano.
A perspectiva branca e europeia molda desde cedo nossa visão de mundo. Recém-lançada no Web Summit, a edtech Biografia Preta quer chacoalhar esse paradigma aplicando uma “IA afro referenciada” ao ensino de História (e demais disciplinas).
Às vezes, mastigar dados com tecnologia não basta para conhecer o seu público. Julia Ades e Helena Dias estão à frente da Apoema, uma empresa de pesquisa low-tech que busca conexões nas entrelinhas e atende marcas como Nike e Natura.
A falência do pai marcou a infância e mudou a vida de Edu Paraske. Ele conta os perrengues que superou até decolar na carreira – e por que largou a estabilidade corporativa para empreender uma consultoria e uma startup de educação.